20.11.12

na areia


a mafalda já dizia, o mar é um indeciso. mas enfim. melhor remédio pra ressaca, né? sentar ali e olhar o indeciso. se jogar naquela água gelada. não adiantava o resto do mundo dizendo que melhor é o mar do nordeste. o pacífico e morno mar do nordeste. joana não gostava. quer dizer, gostava. mas não era a mesma coisa. aquilo ali era gelado, era forte, era quase uma declaração apaixonada. não era calmo. ela precisava daquilo. meio que se identificava com as ondas. era bom isso, não estar tranquila no mar. tinha suas virtudes. deixa a gente alerta, ela pensou.

na verdade, pra joana, o mar andava sendo metáfora demais, mas não podia fazer nada. marcos continuava naquela nhanha de sempre. tinha aparecido na noite anterior, o infeliz (ou feliz, vai saber). com outra menina. no bar em que ela sempre ia com os amigos, claro, do lado da casa dela. ele morava do outro lado da cidade. deve ter gasto uma fortuna de táxi. neurótico e caxias daquele jeito, carro que não ia pegar com medo da lei seca. novamente. pra que do lado da casa dela? não era nenhum lugar badalado, especial. enfim. foi um certo mau estar causado ali, absolutamente desnecessário. até por causa da menina. ela não tinha nada a ver com a história deles. fernanda, parece. bonita. inteligente. simpática. e se enfiou na roubada sem nem saber, tadica.

o marcos tinha sido um amor de adolescência. de começo de faculdade. desses que a gente não chama de namorado pra não dar errado. mas virou uma bagunça. meteram, os dois, os pés pelas mãos. brigaram no meio da rua. cobraram o que não era pra cobrar. e enfim, ela resolver pegar suas trouxinhas e sair dessa. não andava sendo fácil. saia com os amigos e ele aparecia. ia pro trabalho e ele mandava um sms "por engano, desculpas". ele, que tanta independência quis. ele, que falava tanto de liberdade. o marcos andava era enchendo o saco mesmo. surtou, de repente. e tinha umas meninas bonitas com quem ele saia, como essa fernanda...

joana ficava incomodada. não sabia se eram exatamente ciúmes. sabia que ficava uma nhanha. assim, ficava. não saía do lugar, não deixava de existir, nenhum dos dois ia pra diante. e ela acabou bebendo mais do que queria na véspera. pra não cair do salto, por incrível que pareça. bêbada nada a incomodava. ficava uma fortaleza. e enfim. ontem mais uma vez tinha segurado a onda. puxado papo com fernanda. tadica. se meteu a ser terceira de uma relação sem nem saber. a ser o espinho no pé dela. o marcos tava se mostrando era um grande babaca, né? pelamor, gente. se o problema dele era com ela, joana, viesse falar com ela. nem que fosse pra brigar no meio da rua de novo. se estapear na frente dos seguranças do metrô, que devem estar até hoje pensando se levavam pra delegacia, e quem denunciavam pra maria da penha.

enfim. os amigos também ajudaram, claro, e marcos acabou se dando conta da merda e indo embora com fernanda. que pediu o telefone de joana pra saber aonde comprava aquele sapato. cacete. podia ser menos simpática, hein? se bem que fernanda, tadica, não era o problema, nem a questão aqui. era marcos, ela sabia. como aquilo tudo, aquela paixão toda, tinha virado isso? como ela tinha deixado. claro, não era ingênua de achar que o marcos tinha inventado e surtado sozinho. não era bem culpa de ninguém (mentira, essa de enfiar as desavisadas no meio era culpa dele). eles saíram e joana ficou ali, olhando pro chopp e pensando porque cargas d'água tinha se comportado tão bem. deve ter ficado com pena da retardada da menina que nem reparou que tinha algo de errado ali.

e enfim, os meninos sobretudo ajudaram. ficaram conversando até de madrugada. a conta veio surreal. mais de 15 chopps por cabeça. um maço de cigarros. joana estava conseguindo parar de fumar, mas o filho da puta tinha desestabilizado tudo. tipos, fudeu. o que ela ia fazer agora. porque o que ela não tinha dito pra ninguém. nem pensado em voz alta, na verdade, depois do ocorrido. marcos tinha ido fumar quando ela foi. só os dois ali fora. a mesa do povo era nos fundos do bar. não dava pra ver. ou pelo menos ela queria acreditar que não. marcos veio, o filho da puta veio e falou pra ela: "eu te amo. sempre. só você". bem na hora em que apagou o cigarro. e voltou pra mesa. e ela ficou ali. cigarro na metade ainda. sem saber o que fazer. engoliu o choro. voltou pra mesa. não deu dez minutos, marcos puxou fernanda pelo braço e saiu. tinham combinado de ir na cachoeira no dia seguinte com o irmão dela. gente. 15 chopps era o mínimo, vamos combinar.

os meninos não queriam, mas ela fez questão de ir sozinha para casa. dormiu até bem. mas acordou de ressaca. não sabia agora se por causa do chopp, do cigarro, ou do amor. amor não devia dar ressaca, ela pensou. amor devia ser bom. devia dar borboletas no estômago. e vontade de viajar. e ser outro tipo de montanha russa. aquele dali não era legal. joana acordou e foi pra praia. e ficava olhando aquele mar e pensando no filha da puta do marcos. precisava complicar tanto, tudo? e ela, precisava? putaqueopariu. como doía a cabeça.

"você pode olhar minhas coisas enquanto eu dou um mergulho?" falou com o casal ali do lado. uma criança linda eles tinham. foi andando devagar, meio sem saber o que ia fazer. olhou pras ondas. e se jogou.

6.11.12

a terceira pessoa, essa inexistente.


acordou no meio da noite e percebeu. Ele não tinha voltado. Isso virava rotina. Estava perto do insuportável. Esse casamento a três não ia dar certo. Pior. Ela sabia que ele não estava com ninguém na cama. Que não era uma traição em si o que estava acontecendo. Ou pelo menos, ela não achava que era. Mas ela não tinha entrado nessa pra dormir sozinha. E jantar sozinha. E se sentir sozinha. Pra ficar sozinha, cacetes, ela ficava sozinha.
dessa vez, não voltou a dormir. Sentou-se na sala. A vista do apartamento sempre fora bonita, né? Ela nunca olhava pela janela, a verdade era essa. E ficou olhando. Praquela nesga de mar ao longe. Acendeu um cigarro. Pegou um livro. Pensou se ia dar uma volta. Melhor não. Iam achar que estava a trabalho. Melhor ficar ali na semi-varanda, olhando o mar. Não sabia o que fazer. Quando ele resolvesse aparecer, o que falar. Essa solidão invadindo a sala. Ele queria ter filhos. Ela não. E ficava sempre esse mal estar no meio da sala. E toda vez, a mesma coisa. Devia ter saído com os amigos pra reclamar dela. Discutiam e era isso. Fingia que era solteiro. Nunca soube ser casado, na verdade. Ela não entendia essa tara com ter filhos. De repente era pra ver se pegava no tranco, aprendia a casar na marra. Dava uma certa preguiça ouvir aquele discurso sempre. Ir dormir, depois de aparentemente tudo resolvido. E aturar essa palhaçada no dia seguinte. Não adiantava ligar, a besta não ia atender. Liberdade, independência, essas palavras bonitas todas. Ainda não tinha entendido que tinha casado. Saco. Agora não ia mais dormir. De repente tinha alguma coisa pra beber. Pelo menos a noite ficava mais agradável. E a briga de igual pra igual. Achou vodka. Achou whisky. Achou gin. Achou que tinha bebida demais na casa. Se serviu do whisky. Puro. Sempre melhor puro. Sentou de novo no sofá. A areia da praia mal aparecia ali, de tão longe. Pensou se descia e dava um mergulho. Talvez depois do whisky. De repente tomava coragem. Coragem líquida.
Pegou o tal texto que precisava trabalhar. Essa coisa de estudar e trabalhar também acabava com a saúde dela. Dormia cada dia menos. E hoje, que tinha conseguido deitar cedo, aprontavam essa. Na verdade, não sabia o que fazer. Se continuava ali. Se avisava que, afinal, era aquilo mesmo, era melhor cada um buscar outra pessoa. Que quisesse as mesmas coisas. Sempre achou isso cafona, mentira mesmo. Mas de repente nem era. Afetos não resolvem tudo. Merda. Não ia dormir essa noite. Pior que amanhã ainda tinha um dia cheio. Reunião desde cedo. Aula no mestrado. Caralho. Justo hoje, não podia esperar o fim de semana pra dar defeito?

Ela dormiu na sala. Como achava que não conseguiria jamais. Lendo o trabalho do mestrado. Copo de whisky na mão. O cigarro apagou no cinzeiro. Por pouco não tacou fogo em tudo. Ele entrou na casa. Rosto inchado de tanto chorar. Tentando pensar o que fazer com aquela merda daquele casamento. Pegou ela no colo, com toda delicadeza. Ela acordou e sorriu. Ele não quis contar. Que tinha passado a noite no carro. Sentado. Com uma cerveja. Pensando o que ia fazer. E tinha dormido ali. E acordou e subiu pra conversar. E quando olhou pra ela. Deitada, com aquela camisola rasgada. Como detestava aquela camisola. Naquele sofá. O cigarro apagado no cinzeiro. O cheiro do whisky derramado no chão. Os papéis por cima dela. Quando viu aquela cena toda. Lembrou porque tinha entrado naquele apartamento com ela ao seu lado da primeira vez. Pensou que amar podia ser o suficiente. Ou pelo menos que amava demais pra ter outra alternativa. E sorriu. E ela estava no seu colo. E ele estava em casa. E deitaram.

4.11.12

tentando falar dela. tentando perder eu.

ela acordou e percebeu que estava sozinha. Completamente sozinha. Aquela casa, que um dia fora dos dois, agora só tinha ela. E olhou em volta. Pra metade da cama. Pra estante vazia. Pra metade do armário sem as camisas dele. E quis deitar e ficar ali. Mas a vida segue, não era opção. Entrou no banho e saiu. Vestida como se fosse encontrar com ele pela primeira vez. Como se nunca tivessem se perdido um do outro. E foi pro trabalho. maquiada. Engraçado, justo ela que tanta preguiça tinha de se maquiar de manhã. Mas hoje era necessário. Pra conseguir seguir com o dia precisava se saber bonita.
na hora do almoço, como de costume, saiu com as colegas. Andaram um pouco mais, foram num lugar um pouco melhor. As colegas sabiam, queriam estar ao seu lado. No meio do almoço falou o que lhe afligia: ia vender o apartamento. Sair dali. Ninguém entendeu. Era ótimo o apartamento. Tinha tido sorte porque João não tinha pedido sua parte. Sorte nada, ela pensou. Sorte nada.
Estava decidida. Ia se livrar da sensação de vazio se livrando do vazio. Ia ser simples. vendia, comprava um parecido. Ou punha o dinheiro numa conta com rendimentos e ia viajar. Quando o vazio passasse, voltava. O problema era o emprego. Precisaria não gastar tudo. Mas realmente não se incomodava em voltar e morar de aluguel um tempo. Foi ver quanto tempo teria de férias. Se ainda teria férias esse ano, né? Providências práticas pra tentar ir adiante com o plano. A gente muda tudo de uma vez, pensou. Melhor do que a conta-gotas. Tem de puxar o curativo de uma vez só, essas coisas todas meio clichê que a gente adora falar. Ela tinha puxado o curativo. Mas tava ali, em carne viva, de que adiantava? Ainda por cima naquela casa, enorme pra ela sozinha (por menor que fosse, parecia enorme agora). Ia conseguir, pensou. Era bem localizado o apartamento. De repente...

Passaram-se alguns meses. O apartamento, vendido. Encontrara um apartamento exatamente como queria. Menor. com jardim. Desses de primeiro andar, sabe? O jardim era meio tão pequeno que nem contava. Mas era jardim. Tinha sobrado um troco, ainda, já que o bairro era menos nobre. Mas ainda não tinha viajado. Continuava ali em carne viva. Tinha melhorado, não, essa coisa de se mudar. Olhava pro jardim e sentia falta. Daquele enorme apartamento (que nem era tão grande). Da padaria do bairro. Dele. Tantos anos juntos. Era um pouco inércia, achava. Mas ia conseguir esquecer. Um dia, pensava. Um dia acordaria, olharia pro lado e nem perceberia que faltava metade da cama. E esse dia nunca chegava. Não conseguia tirar as tais férias. O chefe já estava incomodado. As colegas também. Fazia mais de dois anos que ela não tirava férias, daqui mais um pouco.

Comprou a passagem. Um mês de férias. Péra, quatro semanas viajando? Será que aguentava sozinha? É, tinha decidido ir sozinha. Sem ninguém para tentar consolá-la. Pra lembrar a razão da viagem. Estava indo meio obrigada, é verdade. Mas tanto falaram, tanto buzinaram no seu ouvido que precisava deixar tudo pra trás que estava indo. Se duvidar, nem voltava. Claro, isso não contou pra ninguém. Melhor não. Fez as malas. O máximo possível, no menor espaço possível. Mas aconteceu uma coisa. Quando tava saindo pro aeroporto. Ele ligou...

Claro que ela embarcou assim mesmo. A vida precisa sempre seguir em frente, né? E seguiu. E olha. A melhor coisa do mundo. Melhor do que sexo. Do que sorvete. Do que passar a tarde na praia. O maior prazer do mundo foi atender aquele telefonema. E reparar que. Podia viajar. Podia sair. Não ia mais olhar pro jardim e achar que faltava algo. Obrigada.

3.11.12

abri os olhos e não tinha nada. nada. de olhos fechados, tanta coisa me acontecia. mas abertos, toda uma realidade me toma e tudo some. quero fechar os olhos. e me jogar na irrealidade. nas pernas que me vêm em sonhos. nas mãos que me tocam no meio da noite. mas hoje não posso. a vida não deixa. hoje, nada de pernas entrelaçadas. nada de me sentir desprovida de peso. nada de boca, mão, língua, sexo. hoje a realidade sou eu e a tela do computador. os olhos abertos. hoje o prazer precisa estar só nas palavras. e não quer estar. o desejo sobe pelos dedos. passa pelas pernas, coxas, por todo o corpo. e eu quero fechar os olhos. e me deixar levar. e eu não posso, e sou lembrada disso. e abro os olhos. e a tela. e o texto. mas o que eu queria. era fechar os olhos...
um dia me somem as interrogações. será? acho que só no dia em que conseguir sair da primeira pessoa. me apeguei à primeira pessoa faz muito tempo, sabe? como se fosse me perder se saísse dela. não deve ser verdade. mas ainda não sei. olha ela aqui. me prendendo. me segurando. quantos "eu" podem ser escondidos em um só parágrafo? quantos "eu" preciso para não sair voando? ou ao contrário: como me livrar de todos esses "eu" e conseguir voar?

26.10.12

o salto. deixa o pé bonito, né? as pernas. o tornozelo parece torneado. a bunda fica mais arrebitada. pena que dói o pé. eu sei. eu sei. não deveria me curvar ao que os outros pensam. eu sei. mas vou te contar um segredo: eu gosto de me vestir para os outros. sinceramente amo ver que me olham. não me interessa porque me olham. veja só, me chamaram de caricata outro dia. acho q é porque saí de saia roxa e camisa amarela. mas juro, fica lindo, e claro, uso sabendo que chama atenção. ainda mais com o saltinho amarelo que eu tava usando... me perco. não, péra. eu tava falando de sapatos. o salto. agulha. do tipo que parece que machuca. é meio fetiche mesmo. eu sei. porque, claro, não é confortável. mas eu ponho o salto. me olho no espelho. e acho que o resto da roupa pode ser qualquer coisa. uma calça jeans. camiseta branca. o salto é tudo que eu preciso. pra estar bem. segura. feliz.

22.10.12

eu tenho medo de trovões. não, mentira. hoje eu tive medo deles. não é sempre. tem uns dias piores. uns dias em que eu sinceramente queria um abraço na hora em que o barulho fica mais forte. uns dias em que eu queria tomar banho de chuva. sentir o cheiro de chuva. e pensar em quando eu era mais nova. e passava as férias no sítio. e o cheiro de chuva era a hora de entrar. e sair da lama. e tirar a roupa molhada. e sentar debaixo do candeeiro pra poder ler. eu gostava da hora de poder entrar. de não ser mais obrigada a ficar do lado de fora. eu adoro essa hora até hoje. em que posso estar do lado de dentro.

17.10.12

o corpo tem memória. eu fecho os olhos e lembro do torpor. da agulha entrando na mão. de contar de trás pra frente. horas perdidas sem memória. lembro de acordar. ardência. enjôo. frio. corpo tremendo. cansaço mortal. o corpo tem memória. ele lembra das 7horas que passou aberto, cortado. sente até hoje o pedaço que foi tirado. uma memória do membro amputado muito estranha. porque o pedaço saiu de dentro, nunca vi. nunca verei. mas o corpo tem memória. acordo suada, cansada no meio da noite. e o corpo lembra. de ser cortado, apertado, remexido. o corpo não me deixa esquecer. cicatriz, quelóide, aderência. o corpo mostra a sua memória. refaz ela pra que eu possa ver. o tempo todo. sabe que depois disso, tudo é controle. tudo é medido. e mostra que pode fugir. que é mais forte. o corpo me mostra o tempo todo que eu não sou quem eu acho que sou.

15.10.12

ali ficava um bar. era meio mexicano. isso daqui tudo era o baixo gay. mas foi fechado. teve um problema de violência, de homofobia, foi perdendo os clientes, fechou. eu costumava vir no café pacífico quando era mais nova. era um ambiente mais misturado, o primeiro mexicano do rio e tal. depois tiveram outros aqui perto. era um quarteirão animado. é triste. pensar que era tão vivo faz uns 20 anos (ok, eu tô ficando velha. fecharam os bares faz uns 15 anos). mas é isso, botafogo era um bairro mais legal. agora tá voltando. ali na frente tem o meza, do lado tem outros bares. o baixo ali do aurora nunca fechou, decaiu, mas não fechou. era mais animado ir no plebeu quando eu era adolescente. mas talvez porque eu não tivesse tantos problemas com higiene. achasse normal as baratas, sei lá. hoje em dia boteco tá na moda, né? tem tantos mudernos por aí. cada um arranja sua especialidade, me impressiona a criatividade. mas pera, era pra ser uma memória afetiva da minha cidade.

e tô me perdendo. outro dia, conversando com o marido de uma amiga, descobri que tivemos infâncias parecidas. éramos levados pros bares pra conversar se nossos pais não arranjassem avós pra ajudar. é engraçado. a gente conhece uns lugares que fecharam quando a gente era criança. lembro de beber guaraná. ao menos parecia cerveja. porque tinha isso. bando de ator, de intelectual, uma meia dúzia de perseguidos pela ditadura e tal. mas a menina não podia jamais tomar álcool. eram bons pais. caretas. normal, né? enfim, meu pedaço nunca foi a zona sul mais vista nas fotos. aquilo lá era passeio de fim de semana. ida ao dentista, que ficava em ipanema. ali perto do quartier lacan (dizem, tem tanto lacaniano ali naqueles prédios que dá pra analisar a cidade inteira). meu pedaço, tão querido, era esse pedaço da zona sul meio que sem praia. tem o aterro do lado, né? mas cair na praia do flamengo...

eu cresci nisso. você se habitua. os mesmos cinemas. os mesmos bares, depois de certa idade. pelo menos eu fui mudando de bares com a idade. se eu dependesse de comer no mamma rosa hoje em dia... mas ficava na frente da cal. a galera fazia cal. eu mesma devo ter feito alguma coisa ali. pelo menos frequentei o suficiente pra conhecer a escadinha do lado do funicular, que nunca funcionava. e enfim, chopp no mamma rosa. eu era café com leite. cara de bebê, não era sempre que me serviam chopp. vez em quando ficava na coca-cola mesmo. ganhei fama de sóbria. fama que matei virando uma garrafa de vodka. não recomendo. mas enfim, passou a fama, né?

aqui na esquina, onde hoje tem um restaurante ruim, o varanda's, era outro restaurante ruim. parece ser a única constante do lugar. nunca ter comida boa. mas era uma parmê. igual a da tijuca ou a do largo do machado. dava pra ir. ou sei lá, eu tinha 15 anos. andava por aqui pela rua das laranjeiras por hábito. e porque normalmente eu pegava qualquer carona pra descer de santa teresa. nem sempre iam pro mesmo lado que eu. eu descia aqui e ia a pé pro flamengo, vez em quando. ali no largo do machado, na galeria condor, tinha um cinema. duas salas. grandão. fui ver de volta pro futuro 2 ali. minha amiga me matou de vergonha. berrou "gostoso" pro michael j. fox. depois eu que gosto de baixinho. o s. luiz ainda existe. reformado, mudado, virou multiplex. mas existe. seguindo pela marques de abrantes, a gente passa pelo lamas. que hoje em dia não tem aquela fumaça de cigarro saindo. mas tem umas mesinhas pra gente fumar do lado de fora. e ainda tem aquele corredor que parece filme de terror de tão baixo que é o teto. e ainda tem um ótimo oswaldo aranha. seguindo ali, a gente passa pela escola dos meus irmãos. o caminho era esse sempre. se a gente for até na praia, tem ainda o castelinho, que só fui conhecer adulta.

na outra grande rua do bairro, a senador vergueiro, eu ia na majórica com meus tios. churrascaria à moda antiga, sem rodízios. e mais adianta, já sozinha, tem o picote. o picote era o lugar aonde sem querer eu encontrava conhecidos e sem querer tomava um chopp em cima dos barris. buteco de antigamente. deram uma arrumada. mas acho que os barris continuam lá. indo pra praia, a gente ia no la mole quando eu era criança. ainda tá ali, no edifício argentina. um enorme la mole. com filar enormes. acho q era o único restaurante "de levar criança" da cidade. algo tem de explicar aquelas filas. seguindo na praia, tinha a sears. virou shopping. era sears. tinha uma escada rolante velhona, e um setor de camping. adorava aquele prédio.

andando pela praia de botafogo ainda, a gente chega na voluntários, chega no cinema. era um só, o estação. com os garotos mais velhos, darks, sempre na porta. e a gente entrava meio de penetra, e ficava com eles ali, assistindo de um tudo. e continuando pela praia, quase chegando na urca, tinha o cine veneza. era enorme o cine veneza. fechou. assalto a carro nas redondezas. abriu como igreja. fechou. hoje em dia é uma casa de espetáculos que vive de aluguel.

o baixo botafogo, ali perto do humaitá, é sempre parecido. voltando ao começo do texto, o baixo gay nunca voltou a ser ali. foi pra farme e lá ficou. ali hoje em dia tem uns bares modernos. mas ainda tem o botequim, o plebeu... todos ali com seus pés-sujos e seus adolescentes bebendo cerveja de garrafa. dá uma sensação de conforto, acho. eu gosto disso. de me sentir em casa. quase tanto quanto gosto de me sentir fora de casa. mas esse é outro texto.
fecho novamente os olhos. a boca. a língua passa pelos lábios. mordo os lábios dele. e sinto as mãos em meu rosto. elas descem pra cintura. não consigo refazer o caminho delas. um puxão. sinto o corpo inteiro grudado ao outro corpo. suor. sinto os pelos roçando em minha barriga. as mãos apertam minhas costas e me levantam. abro os olhos e vejo, meio enviesado, um sorriso. sorrio também. sei exatamente aonde estou indo. mesmo carregada, mesmo de olhos fechados, sei aonde estou indo. e me deixo levar. a língua passa pelo meu ombro, pelo meu pescoço. sinto um arrepio. os olhos abrem. respiro. estou sozinha. deitada. mas o cheiro ainda está do meu lado. respiro. fecho os olhos e sinto o impacto das costas na cama. as mãos que passam por todo o corpo. a língua. os dentes na minha coxa. o calor. cada vez maior o calor. sua boca sobe entre as minhas coxas. sorrio. os olhos se abrem. nada novamente ao meu redor. paro, respiro. sorrio e fecho os olhos. os dentes mordem minha barriga. puxo sua boca para a minha. as mãos descem pelas minhas costas, e me puxam os quadris. sinto minhas unhas em suas costas. sinto você. o calor abre os olhos, e me vejo novamente sozinha. o quarto escuro. os livros. água. bebo um gole. deito novamente e fecho os olhos. sinto você novamente. o cheiro. o suor, salgado, em seu ombro. os dentes em meu pescoço. sorrio. aperto suas costas, como se aquele momento pudesse durar para sempre. o ritmo. as pernas sobem, como se fossem alcançar o teto. suas mãos em minhas coxas. o ritmo. suas costas entre meus dedos. o calor. o ritmo. o suor.

abro os olhos. ainda no escuro. ainda sozinha. olho para o lado, e a cama, engraçado, a cama parece ocupada por outra pessoa na metade que eu demorei a voltar a usar. mas hoje, eu sei. hoje não tem ninguém enquanto os olhos ficarem abertos. bebo mais um gole d'água. e fecho os olhos, te esperando...

13.10.12

acordo suada. sem ar. não dá pra dormir de volta. não lembro do sonho. mas deve ter tido um sonho. algo precisa explicar. algo tem de explicar essa inquietude. falta de ar. não tô com bronquite, nem pneumonia. dessa vez, não. me cuidei. mas a sensação de falta de ar não some. nunca some, na verdade. só finjo bem. deito e dessa vez, o sonho aparece. eu apanho. e tento fugir. e apanho. e estou na cama. e não reconheço o quarto. e vou fugindo, e continuam atrás de mim. um casal. e eu de fora. não consigo berrar. não consigo pedir ajuda. e acordo de novo. e olho em volta. e nenhum casal me acompanha. e ninguém está no quarto. olho pro meu braço. inteiro roxo. e isso, parece, me acalma. como se me dissesse que o sonho foi real. que não estou maluca. fecho os olhos e finalmente durmo bem. respirando.

12.10.12

eu não gostava de fazer as unhas. e tenho mãos de menino. grandes. com calo de quem já tocou algum instrumento. com calo de quem faz exercício. sabe aqueles calinhos na base dos dedos? unhas pequenas. dedos compridos. a única coisa que torna a mão feminina é o punho. razoavelmente fino. parei de tocar o cavaquinho, confesso, em parte por causa dos calos. me incomodavam. mas hoje em dia me incomoda o cavaquinho mudo. ando pensando o que farei. provável que volte a tocar. mas me perdi. as mãos. piorava porque eu mexia com tintas e quetais. acabam com o esmalte. e eu gosto de cor, sabe? se vou perder meu tempo, quero que seja visível. mas enfim. vaidades bestas.

com o tempo, fui gostando de fazer as unhas. disfarça os calos. e o tamanho da mão. e o fato delas (as unhas) serem absolutamente minúsculas. no pé, então... o pé, na verdade, eu sempre gostei de fazer. fica com cara de limpo. eu gosto disso. cara de limpo, de cuidado. a mão, não durava dois dias. me cansava isso. porque a verdade é que eu amo a cor que fica. adoro olhar pra pedacinhos de cor nas minhas mãos. me sinto com 7 anos. tinha um esmalte de purpurina que eu amava. aquelas micro-unhas eram quase do tamanho de uma purpurina, né? tinha um esmalte que brilhava no escuro também. não devia ser atóxico. explica muita coisa.

tudo isso pra dizer que. acho que não vivo mais sem as unhas vermelhas. continuo achando meio sacal o ato de fazer as unhas. ficando chateada quando tenho mais trabalho braçal pra fazer e o esmalte descasca todo rápido. mas olha. unhas vermelhas pra mim são um fim em si. olho pra elas e me sinto bem. me sinto inteira. faltava isso. me deixar olhar pros pedacinhos de cor de novo.

28.9.12

a gente não estava no rio. era uma viagem. não lembro porque, mas um povo foi pra são paulo. era algo da faculdade, mas não lembro o que. um hotel mequetrefe perto da são joão, acho. todos hospedados por lá. e enfim, combinamos todos de sair de noite, claro. estávamos em são paulo, afinal, éramos jovens. o amigo de uma amiga que estava morando lá ia nos buscar, pra irmos no aeroanta, que agonizava, mas ainda existia. nos arrumando, me mandaram chamar os meninos. eu sempre ficava pronta horas antes das amigas. ainda fico. detesto perder horas no espelho. só demoro se não consigo escolher a roupa. daí capaz de desistir de sair. mas esse dia, viajando, só tinha uma opção. o vestido, novo inclusive. preto, de lamê dourado. meio decotado. meio justo. meio curto. meio jamais usaria hoje em dia. mas enfim, éramos jovens. lá fui eu, com o vestido, descer os andares do hotel. acho q tava de meia calça. cabelo na época era bem curto, ainda não tinha raspado inteiro, mas era bem curto. maquiagem pesada, como eu gostava. uma vibe meio punk de butique. acho. bati na porta do quarto dos meninos. ele veio abrir. parou. olhou. ficou mudo. falei com ele. mudo. dali a pouco solta um uau. e volta a falar. eu fingi que não foi nada. eu queria muito fingir que não era nada. ele era só um amigo, não? fomos pro tal do aeroanta. não lembro por nada do show. lembro que fez frio. e que ele me emprestou a jaqueta de couro dele. fiquei com ela meses. e eu ainda achava que ele queria ser só meu amigo...

25.9.12

feito uma mão que entra pela boca e arranca tudo. e parece que fica tudo vazio por dentro. não. fica apertado. como se o braço, passando, espremesse tudo contra a pele. e tudo quer sair de dentro. mas tem a pele. daí não tem pra onde sair. daí vem as lágrimas. não, eu não sei porque estou chorando. acho que falei isso mais que tudo na minha vida. ou sei. tô chorando porque parece que tem uma mão dentro de mim empurrando tudo pra sair, e a sensação é muito ruim. tô chorando porque falta ar. ele não entra porque não tem espaço. tô chorando porque falta alguma coisa. e eu não sei o que é. e eu sei que não adianta procurar. porque não falta nada. tá tudo certo. tudo certo. e eu sei que o choro vai passar, e eu vou continuar sem saber sua razão. não, isso não é a definição de loucura. talvez de tpm. talvez de angústia. mas é verdade que, assim como a mão aparece rasgando as vísceras e me deixando sem sono, ela some. como que fica cansada. e me deixa em paz. não, não é preciso nada pra isso. só esperar. e eu espero, pacientemente. que o dia passe. que ela se canse. e uma hora, sem aviso, acaba.

21.9.12

a primeira vez que amei são paulo, eu amei uma foto. que agora eu não acho na internet. deve ser mentira. era uma desfile de um teatro (teatro do ornitorrinco, se não me engano), e na frente, liderando, ia um homem de saias e meia arrastão. também foi a primeira vez que amei meia arrastão. são paulo era longe ainda. eu devia ter uns 10 anos. qualquer coisa era longe se precisasse de mais de um ônibus.
são paulo virou aquilo. um lugar aonde homem podia usar meia arrastão. aonde as pessoas podiam ser diferentes. explica-se. no libertário rio de janeiro, onde, diz-se, mário de andrade veio para poder viver sua vida, homem não usa saia. só no carnaval. adulta eu descobri que em são paulo também não. mas era arte. e era aquilo. blusa verde. saia rosa de preguinhas. meia arrastão, sandália. depois eu descobri também que o original era mais antigo. que um cara tinha andado assim pelas ruas em 1932.

a segunda vez que amei são paulo, eu amei um museu. eu entrei no masp e fiquei encantada. e lembro de jantar no america, e achar o milkshake o máximo. eu devia ter uns 12 anos... e foram passando os anos e são paulo foi sendo amada em partes. eu ouço tomzé quando penso em são paulo hoje em dia. eu aprendi parte da geografia da cidade com as músicas. um amigo não acreditava que eu sabia andar em alguns bairros. mas eu sei. ou sabia e tô reaprendendo. porque eu tô amando são paulo de novo. as pessoas acham graça. mas eu posso tentar explicar. são paulo é como um amante. aonde você procura o que não tem em casa.

no rio eu tenho muita coisa. é meu marido, minha mulher. é o amor e a cidade onde vou morrer, quase certeza disso. eu saio, mas eu volto, sempre. no rio eu fui adolescente e ia no circo voador deus sabe como. no rio eu conhecia as boîtes e a boêmia na hora em que ficava na moda. ia dar um mergulho em ipanema antes de voltar pra casa. isso tudo nunca vai sair de mim. aprendi a ser uma "carioca de caricatura", como diz um irmão. mas eu preciso de respiro do rio. das modas do rio. da leveza falsa do rio. e, estranho que seja, o peso de são paulo me ajuda a lidar. com a vida. com o rio. pensando bem, amo outras cidades. fui criança em fortaleza. apaixonada em paris e roma (indico). chorei mágoas em lyon. mas volto pras duas. preciso das duas. acho que se complementam, por mais clichê que isso pareça e seja.

e fico nessa rotina, e ouço meu tomzé quando o avião pousa em são paulo, sem a ajuda de fones de ouvido. assim como ouço bossa nova voltando. e nem sou fã de bossa nova. mas o rio, confesso, vez em quando me vem com ares de zé mujica...

20.9.12

longas discussões. marx. lacan. foucault. ai, me deixa não pensar hoje? só hoje? me deixa falar de esmalte? querer comprar um vestido? não ser livre? só hoje? eu sei, eu sei... a gente fica preso, a gente pertence ao sistema, não pode atuar em cima do desejo de verdade. mas hoje eu não quero. deixa eu não querer desejar hoje? não, eu não sei o que é isso. mas eu preciso de um tempo. a pele precisa de um tempo. a cabeça precisa de um tempo. eu não sei desejar sem intervalo. mentira, eu sei. mas é outro desejo. não, eu não sei qual é o esquema de lacan. não, não me interessa o grande outro hoje. hoje não me interessa nenhum outro. eu sei. eu sei que não preciso me interessar. eu sei. ele não some porque eu não quero pensar nele. mas eu preciso de um tempo. eu preciso deitar. e ler. e dormir. e trepar. e comer. e não pensar um pouco. e depois eu posso pensar. juro. mas não sei. de repente o meu lugar de falar do grande outro não seja aqui. não com você. não, com você eu nunca quis falar do grande outro. mas você me enganou, né? melhor, eu me enganei. o tal do desejo. o meu tava cobrindo tudo, mudando tudo. e de repente ele não dava conta. não dava pra sustentar mais. não, não foi de repente. foi aos pouquinhos. e eu não percebi que, na verdade, se não sustentava é porque não tava mais ali. mas nossa. eu não queria isso assim. mas eu não sei mais falar de outro jeito. e olha só: você achou que eu não te ouvia.
longos anos. as coisas ficam debaixo da pele. grudadas. como sebo, sabe? já experimentou entrar num lugar onde mexem com sebo? entranha. o cheiro gruda na gente. um dia a gente percebe o cheiro de sebo. semanas. meses depois de ter se afastado da fonte do cheiro. e parece que precisamos limpar ele. daí compramos sabonetes. e creminhos. tentamos ir à praia. primeiro sozinhas. depois com os amigos. sair de noite. dançar. beber. tudo, tudo, pra ver se o cheiro sai. se o cheiro troca.

daí um dia você acorda. toma banho, como todos os dias. olha no espelho. e o cheiro. aquele mesmo que tanto incomodava. o cheiro sumiu.

19.9.12

o corpo tem memória. fecho os olhos e sinto de novo. o cheiro. o calor. a língua. abro e tudo some. a memória do corpo é exclusiva. mas fecho os olhos de novo. e sinto as pernas sobre minhas pernas. as mãos apertando minhas costas. não, pera, abre os olhos. apaga. volta. os lábios. encostando no meu rosto. na esquina da boca, sabe? o riso visto de canto de olho. o corpo tem memória. melhor que a da cabeça. o peso do quadril. pera. os olhos viram um riso. as mãos. a memória das mãos se fechando. da carne entre os dedos. a cama. o lençol enrolando na perna. fecho os olhos e sinto de novo o atrito das pernas. o suor. sinto o suor em meu peito, minhas mãos deslizando pelas costas. para. abre os olhos. olha em volta. uma sala. um sol escaldante do lado de fora. respira. o corpo tem vontade própria.

fecho os olhos novamente e sinto. dentro de mim. suor. ritmo. pele. as pernas se retesam. a barriga sente seu peso. suor. cheiro. ritmo. não abro mais os olhos. a memória do corpo toma conta. os braços sobem atrás da cabeça procurando algo...

5.9.12

eu bebo, eu fumo, eu falo palavrão. eu passo vexame. eu caio de quatro. eu me levanto. eu falo demais na primeira pessoa. eu tomo café demais. eu leio história em quadrinhos. eu leio poesia grega. eu bebo de novo. eu estudo pouco. eu rio muito. eu sou dada a excessos. eu tenho dificuldade com limites. eu durmo no meio da boîte. eu leio no ônibus. eu gasto dinheiro demais com roupas. eu uso vestidos. eu prefiro calça jeans. eu me endivido com viagens. eu como pouco (dizem). eu tento escrever.

17.8.12

sempre me disseram que a história da família precisava ser escrita. nunca escrevi. vivia dizendo. um dia escrevo. um dia. daí, outro dia, pensei que podia escrever aqui. e vou tentar.

o nome é esquisito, verdade. é uma cidade. na bélgica. em teoria, meus antepassados eram os condes, os donos, sei lá, da cidade. parece que era sanguinários. uma família assim gente boa, de ladrões e assassinos. mas tergiverso, esses eu nunca conheci. o fato é que, no fim do séc. XIX os nobres, mesmo os ladrões e sanguinários, faliram. meu bisavô incluído. e ficou ali, no castelo, sem saber o que fazer. 

um dia, olhando pras paredes, teve uma ideia: fez cópias de todos os quadros ali presentes (dizem que tinha um dom pra pintura), vendeu os originais, colocou as cópias nas paredes, e vendeu o castelo. porteira fechada. 

foi pra côte d'azur. cassinos. festas. mulheres. champagne. não necesariamente nessa ordem. gastou a grana quase toda. alugou outro castelo. fez cópias de todos os quadros. vendeu os originais. entregou as chaves do castelo pro dono, e voltou pra côte d'azur. foi descendo. da bélgica, foi pra frança. foi descendo, decidiu ir pra espanha. mas daí foi descoberto.

e aí? o que a polícia ia fazer com um nobre, casado, com duas filhas já (a mais velha considerada bastarda, mas criada por ele), e uma mulher grávida? na impossibilidade de se provar exatamente o que tinha acontecido, ele foi convidado a sair da europa. deram uma passagem pros 4, só de ida, pro brasil. conta-se que meu avô nasceu no navio.

31.7.12

o braço entra pesado na água. o rosto olha pra raia. o outro braço entra, quase ao mesmo tempo em que aquele sai. o rosto ainda olha pra raia. mais uma troca, dessa vez o rosto se vira de lado. respira. as pernas batem compassadamente. quase copiando o ritmo dos braços. tudo em um mundo longe. muito longe. a verdade, penso, é que dentro da água é tudo mais bonito. e que, acho, meu édipo se mostra todinho quando vejo uma piscina...

28.7.12

não, eu não sou mãe. não, não foi por acaso. ou foi, não sei. desejo é coisa que não se explica. não desejei isso pra mim. até hoje não. me assustei quando soube que podia não ser mais escolha. mas quem eu quero enganar? não sou mais nenhuma criança. o que eu fiz pra resolver? guardei na poupança 3 óvulos. rechonchudos e branquinhos, espero. menor ideia do que fazer com eles se não usar. você quer?
tô numa fase rizzo, de grease. there are worst things I could do. sempre tem. hoje evitei fazer algumas. sempre podemos. não fiquei esperando em casa. não magoei ninguém como eu. não chorei por você. tá tudo certo.

21.7.12

eu podia escrever sobre política. eu podia ser mais séria. eu podia ser menos séria e escrever sobre esmaltes. eu podia ter um assunto. mas a verdade é que o meu assunto é escrever. jogar palavras e ver como elas ficam umas do lado das outras. e tentar ver se funciona.
um dia, ah... um dia o caminho todo vai parecer óbvio. e eu vou acordar e olhar pro lado e achar que era ali que eu queria estar. e um dia, juro, um dia, essa ansiedade para de queimar por dentro, essa inquietude some de dentro das mãos. as coisas vão fazer sentido. e as pessoas vão parecer certas. um dia, prometo, o passado não vai angustiar, mas só existir. e o futuro não vai ser um desconhecido. quando o sol nascer, ele vai ser exatamente o que você queria. e quando chover, vai ser porque precisa chover. e a noite vai se por, e não vai te pegar desprevenido na estrada. porque a estrada é complicada, sempre. um dia... um dia a estrada acaba. um dia ela tem um destino. mas confesso. gosto da angústia. sinto prazer na ansiedade. adoro as pessoas erradas. e daí. e daí... fico só esperando pelo dia certo, sem a menor vontade de que ele chegue.

20.7.12

o velho clichê. a viagem vale mais que o caminho. na viagem eu choro. na viagem fico só. como sinto falta dessa solidão. acho que por isso aprendi a gostar de andar de ônibus. seis horas no lugar de uma... seis horas sem ninguém ao lado. sem amigo, sem mãe, sem inimigo. seis horas em que o mundo pode voltar um tico pro eixo. ou sair dele de vez.

27.1.12

um dia eu acordo e mando tudo pro ar. e desisto de tudo. ligo pro trabalho e digo que não vou. não ligo pra minha mãe. nem pro meu pai, pro amigo ou pro ex-namorado. sumo. pego um ônibus e vou. de pedaço em pedaço. conheço o mundo todo. e não sei aonde eu paro. quer dizer, eu sei. paro aonde der. aonde puder. quando chegar, e eu souber, crio raiz. conheço alguém. dou bom dia todos os dias. acordo junto. vou trabalhar (as contas. a comida. dizem, precisamos pagar por isso). mas um dia eu acordo de novo...

19.1.12

passei muitos anos fugindo da viagem. com medo da viagem. sem tempo pra viagem. sem dinheiro pra viagem. e descobri que estava sem tempo pra mim. agora estou pegando a estrada. pra onde não sei.
não, esse não é um blog de fatos. fatos acontecem. mas não sei se eu os relato ou os invento.
eu sonhei com ele. e claro, ele não estava no sonho. mas nossa, o tal do inconsciente é espertinho vez em quando, viu? eram todos os signos. todas as presenças. menos a dele.


porque é isso que ando querendo. mas agora não dá.
cada cicatriz é um nome

15.1.12

essa coisa da viagem. eu sei reconstruir na cabeça trajetos por cidade em que só estive uma vez. sei aonde comi aquele sanduíche, ou o chocolate quente perfeito. lembro da igreja que achei bonita, da curva que me fez ver o coliseu. viagens me fazem ficar estranhamente mais inteligente espacialmente. porque assim. daqui pro leblon eu sou capaz de me perder.

12.1.12

a barra acabou. e nem escrevi tanto. mas confesso. meu lado voyeuse anda mais forte que nunca. ouço cada diálogo...
desistiu de recompor a noite. certamente nada demais, pensou. era sábado. tudo isso e ainda era sábado. confirmou na internet, vendo o jornal. nem era tão tarde. mas enfim, de repente era de bom tom pular o café. almoçar, pensou. comer alguma coisa. necessário. a dúvida era: ligava pra alguém, pra ter companhia ou se virava com a geladeira, indo depois na praia, quieta. sozinha.

a vontade de estar sozinha ganhou. e o café também. não da manhã, mas enfim... ovos, pão na chapa, café, leite, mamão... engraçado, quando sai correndo pro trabalho nunca dá tempo. mas hoje dá. e leu as notícias na tela lentamente enquanto comia cada pedaço...

8.1.12

eu? eu ando tentando reconstituir os últimos 35 anos. sem muito sucesso, mas insisto nisso.
ana acordou com um gosto doce na boca. melhor do que de guarda-chuva, pensou. mas estranho, de qualquer jeito. também devia ser por causa da quantidade de álcool da véspera.

aliás, o que tinha acontecido naquela noite? flashes passavam pela cabeça. risadas. alguns homens (calma, gente, conversando, infelizmente). tirar o salto na praia. pera. a noite acabou na praia?

olhou em volta. ok, menos mal, estava sozinha. mas de biquine. quer dizer, ela passou em casa pra por o biquine, aparentemente. mas então porque a lembrança de ir de salto pra praia? ai gente... pra quem ligar? será que alguma amiga conseguiria reconstituir a noite?

7.1.12

não, esse não é um blog de fatos. fatos acontecem. mas não sei se eu os relato ou os invento.
a viagem, né? tem seus percalços. essa semana tem sido um. mas eu volto pra ela. ou estou sempre nela, não sei bem.

andei lembrando de um dos meus livros prediletos, e preciso rele-lo. vou catar. fico só com a frase repetida ad nauseum: "não a simpatia natanael, o amor". a viagem precisa disso. sair da simpatia.
– relaxa a barriga
– tá relaxada
– mas você malha muito? que exercício você faz?
– só pilates.

esse foi o ápice de uma das semanas mais esquisitas ever. imagina a situação constrangedora de ter de explicar que não engorda na barriga pra uma pessoa que nunca te viu antes. nem mais gorda, nem mais magra.

mas a situação pode ficar mais constrangedora. quer saber como? era uma clínica de fertilidade, esse lugar em que eu encontrei a enfermeira. e o local de aplicação das injeções também é usado para "coleta de material". quer dizer, na minha frente, enquanto eu tinha esse diálogo, pilhas de "revistas masculinas", uma tv meio velha, pilhas de dvds com as capas cheias de tarjas pretas...

2.1.12

a ida até a barra é longa. os personagens são vários. o surfista, bêbado às 10h da manhã. o velho que acha que eu que estou furando fila. as senhorinhas com medo do elevado ficam se agarrando na cadeira. eu enjôo se leio em ônibus. um segredo: eu tenho medo do elevado que nem as senhorinhas. mas enfim, uma hora depois de entrar, eu desembarco. e cada um vai pro seu canto...
notas sobre o meu exterior. exterior definido como o que não está dentro da pele. no momento, agulhas fazem parte do meu interior. por 8 a 10 dias, disse a médica.
tenho ido na barra pra fazer o tratamento. daqui até a barra tenho contato com muitos mundos exteriores. acho que vou escrever muito.