explica-se... na família, muito morena, nasce a loirinha aqui. meu avô olha, olha... e solta essa, nasci branca por cruza, algo deveria explicar...
aqui apenas os fatos são inventados
o essencial da arte é exprimir;
o que se exprime não interessa
fernando pessoa
1.6.17
acolhimento
29.5.17
endurecer
10.5.17
mudada
7.4.17
Pergunta
A mãe de santo disse que estou solteira e bem assim. Alguém disse a ela. Acho que xangô. Mas não lembro. Sei que não deixa de ser verdade. Me perdi olhando uns textos meus e achei um ou dois falando de braços e pernas e línguas. E percebi que até o sonho de outro dia isso estava adormecido em mim. E o sonho puxou de volta e eu tô indo viajar e não sei o que fazer. Com braços e pernas e línguas e corpos. Nem todo prazer provém do corpo, acho. O corpo existe, gera afeto e prazer. Mas nem só. O corpo pode ficar de lado. O corpo dorme. E quando acorda eu fico perdida. Tô aqui olhando pra ele e pensando como fazer. O corpo não em forma. O corpo não usado. Enferruja e cansa. E agora quero voltar na mãe de santo e perguntar o que fazer com ele.
6.4.17
Correto
o mundo em que conquista nenhuma pode ser comemorada porque não veio do jeito certo. o mundo em que existe jeito certo. e que o jeito certo é medido na régua de quem fala. que define também quem é bom o suficiente para andar ao seu lado. esse mundo daí. é um mundo excludente e infeliz. fantasiado de inclusivo, porque jura que quer o melhor de todos. desde que seja do jeito certo. a gente volta sempre praquela crítica, né? ao que acreditam que seja o pós moderno. ao problema em se relativizar as coisas que é visto. nada pode ser dependente de pinto de vista, tudo é definido e definitivo. na verdade as pessoas morrem de medo de não saberem em que chão pisam. de precisarem ir definindo o caminho ao caminhar. e a melhor forma de não precisar definir o caminho ao caminhar. de não precisar rever e reorientar o caminho. de não precisar ficar escovando a contra pêlo pra ver o que vai surgindo. é definir o pelo. o caminho. a origem. o correto. e seguir excluindo todos que não seguem a cartilha. inclusive os da outra cartilha que não é a nossa. porque só a nossa cartilha é boa, correta e justa. só o nosso caminho é possível.
mas isso é mentira. pessoas podem ter morais diferentes e uma não ser melhor que a outra. caminhos e vidas diferentes. claro que acho a minha melhor. porque é a minha. foi o caminho que eu fui trilhando que me trouxe aqui. é muito complicado achar que a conquista do outro não me representa porque não é como eu faria. se há algo que busco é o copo meio cheio. porque a vida me esvaziou copos demais até aqui pra eu não buscar as pequenas coisas. pequenas como um grupo imenso de mulheres se unir em menos de uma semana e conseguir uma desculpa afobada e bastante mal escrita de um galã e de uma emissora. não, a emissora não mudou tudo. mas houve união e é um começo. pequenas como fora do que se espera. inclusive de espectros políticos, porque são lutas por dignidade mínima, e isso foge ao escopo da direita ou da esquerda. ou deveria fugir. os começos são tímidos. as narrativas são longas. os caminhos são difíceis. ninguém chegou lá achando que cada passo era uma derrota. a gente chega lá se fortalecendo com os passos do caminho e crescendo com eles.
19.3.17
imperativo
2.3.17
carnaval
carnaval é quando a gente olha tudo e aprende que vai virar aquilo. daí eu tenho a minha história de como eu me descobri feita pro carnaval. eu tinha 5, 6 anos e precisei seguir a mangueira. azucrinei mãe, pai, parentes todos que detestam carnaval. que são senhores sérios e intelectuais. e expliquei que eu tinha. precisava. era absolutamente vital. ver a mangueira. fui ver. passei a noite em pé sambando, ganhei pilhas de adereços. aquele cotoco louro animadíssimo merecia, afinal. sambei. sorri. cantei. dormi 48h depois. passei a só usar verde e rosa durante janeiro e fevereiro. pintava as unhas. ouvia os sambas. era parte da minha vida aquilo.
daí eu cresci e virei parte dos intelectuais e até ia ao cinema durante o carnaval. juro por deus. mas eu seguia ouvindo os sambas. e usando verde rosa nos 4 dias. e enfim. tem aí o que me apaixona no carnaval até hoje. eu gosto de andar no centro da cidade. e a minha razão de andar no centro da cidade é a sensação que tenho completa e absoluta de solidão. ninguém ali me vê. me olha. sabe quem eu sou. eu amo essa sensação. ela me tranquiliza.
volta pro carnaval, que um dia deu um clique. acho que foi um dia bobo em que resolvi ir no suvaco, ou no barbas. fui, dancei, cantei, lembrei. passei a ir pro recife. pro rio. pra tudo. no carnaval eu uso a máscara. eu pinto o rosto. me banho em purpurina. enfio 3 saias de filó. peruca. shorts coloridos. no carnaval eu faço igual aos outros ali na rua. eu me misturo a eles. e de tarlatana rosa eu sou mais uma na multidão. no carnaval eu não sei se é açafata ou se é um tango. no carnaval eu sou absolutamente sozinha ali por 4 dias no meio da multidão eu sou um nada. um nada entre todos os outros. ouvindo histórias e produzindo elas. no carnaval. eu sou a tarlatana. eu sou a suíça. a índia. o muro do dória. no carnaval eu não sou ninguém por 4 dias. e não ser ninguém. é absolutamente delicioso.
17.2.17
desejo
daí a tal da idade chega e você lembra. eu não sei me esgueirar. eu sou atrapalhada, atolada, grandalhona (ok, nem tanto, mas definitivamente espaçosa), eu sou extravagante e talvez um tico assertiva demais. se eu tentar me esgueirar. eu fico sem nada.
então eu lembrei disso daí: eu consigo o que eu quero. e voltei a exigir. pedir. correr atrás. claro que eu me importo com as pessoas. mas eu tenho o direito ao meu desejo. é só tentar um meio termo daí. só não dá pra tentar ser o que não sei ser.
15.2.17
obsessão
a primeira vez que ouvi alguém falar que não comia glúten foi uma amiga minha. a essas alturas, ex amiga. que diziam que parecia comigo. eu chega fico assustada com como devo parecer tonta e ansiosa pra quem disse isso. mas enfim. essa amiga parou de comer glúten. ela é uma flor. muito querida. mas muito ansiosa e um pouco obsessiva. bom. quis emagrecer. a dieta previa não comer glúten e lactose. perdeu muitos quilos. num aniversário meu fui insistir para ela ir no bar. era um bar novo, com cerveja especial. ela me respondeu que não. porque não ingeria mais glúten e guardava os dias de tomar cerveja para ocasiões especiais. bom. eram meus 35 anos. eu jurava que era especial pra quem me conhecia fazia 10 anos e sabia de toda a minha vida até então.
ela perdeu 10kg, ficou certamente se achando mais gostosa, e perdeu ao menos uma amiga. não por não sair mais pra beber. pelamor, eu tomo café, eu ando na praia, eu bebo água, eu como salada com suco, eu faço qualquer programa com amigos. mas perdeu porque entre a obsessão dela pela dieta e a amiga, ela ficou com a obsessão. pena. a gente perde pessoas pelas razões mais bobas. e vez em quando é só lamentar e seguir adiante. e sim. mesmo sendo saudável, mesmo ela nunca tendo sido magra demais, mesmo assim, era uma obsessão. como antes foram outras. e na verdade, sendo obsessiva – quem eu quero enganar, não é mesmo? – eu tendo a ter amigas também obsessivas e normalmente isso não é o problema. o problema é quando a obsessão me joga pra escanteio de uma forma que não sei mais contornar. eu não soube dessa vez. lembro até hoje. muda. parada. na rua, indo pro bar. já era um dia complicado. o então marido tinha dito que não iria. eu já tinha tido um momento muda na frente dele. ele apareceu antes de mim. entendi nada. e ele ainda ficou zangado porque comemorei pouco a ida dele.
os dias naquela época eram nublados na minha cabeça. nada andava. e aparentemente as obsessões de todos se voltaram contra mim naquela semana. e eu fiquei muda. quando eu perco a voz. é a hora de mudar tudo. não falei antes. sou obcecada em mudar tudo. o tempo todo. só não mudo de casa. e agora vou mudar. e tô desesperada e sem voz. esperneando aqui.
10.2.17
choro
daí eu quero coisas que dependem de burocracias. e fico angustiada, represada, paralisada. chorando olhando para a tela do computador, como se nada pudesse ser resolvido jamais por mim. incapacitante a paralisia. como não sou mais criança, chorando preencho papéis. chorando tomo conta do que preciso fazer. chorando engulo e resolvo ligando e falando no telefone – outra dificuldade angustiante – uma semana pra resolver o que podia ser feito em um dia. 41 anos o que podia ter feito em 20.
a vida cobra da gente as nossas falhas e neuroses. eu não vou mais deixar a conta ser tão alta. mas sem o choro. ah, sem o choro, não vai, não.
13.1.17
Tempo de estio
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas
O Rio está cheio de sol, Solanges e Leilas
Flavias e Patrícias e Sônias e Malenas,
Anas e Marinas e Lúcias e Teresas,
Glórias e Denises e luz eterna, Veras
Rio, tempo de estio, eu quero tuas meninas
Eu quero tuas meninas
Quero comer, quero mamar
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, tempo de estio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas
9.1.17
pele
teimo em não saber que diabos isso quer dizer. acho que é falado como elogio. suponho que a intenção seja associar beleza a juventude. ou juventude a algo bom. e eu não devo mais ser jovem. eu não aguento mais fisicamente o mesmo tanto. o rapaz ontem dizia que ele se sentiu velho quando eu disse que precisava ir. ele não entendeu que ele sustentou até meia noite. eu voltei nove da noite pra casa com alguma insolação e muita dor de cabeça. mas eu não pareço a minha idade.
eu não pareço a minha idade e as pessoas acham que eu sou só mal humorada. eu sou ótima. uso do sarcasmo como defesa quando não quero intimidade e não me importo com os bolos que levo, porque sou igual. eu não sei ter raiva de algo dois dias depois que aconteceu. não é que eu esqueça. é que sinceramente eu tenho mais o que fazer – literalmente também. tô aqui cheia de papel pra preencher e perdendo meu tempo escrevendo isso.
tudo isso pra dizer que me assusto quando vejo mil tratamentos de pele, de cabelo, de celulite, de sei lá que cacetes. eu não consigo passar remédio que a dermato manda todo dia. eu tenho espinhas como uma adolescente e as poucas rugas não se criam. ter cara de menina, como dizem, associando a juventude ao bom, parece que tá mais ligado a ser quem eu sou que a um suposto remédio contra a idade.
eu aceito a idade, apesar de resmungar. resmungo porque queria voltar meia noite do carnaval e sem dor de cabeça. resmungo porque queria dormir duas horas por noite e dar conta do trabalho. porque queria ter força física e talvez meu corpo dos 20 anos. talvez eu estivesse magra demais. não lembro ao certo. lembro da força e resistência. eram maiores. resmungo. mas a idade me traz um bando de coisa que eu não tinha. ela me traz planos, que eu não tinha aos 20. me traz calma, que eu não tinha nem aos 30. os 40 me trouxeram um futuro. que eu não tinha antes, e daí tanta ânsia.
talvez, apenas talvez, a pele só se adeque aos planos da pessoa. enquanto a gente tá aí pensando e criando o futuro. ela tenta estar do nosso lado. experimenta desistir....