7.10.14

O outro lado do espelho


é isso, pensou Camila. O espelho não mente. E ela estava mostrando a idade. O corpo não era o mesmo dos 20 anos. Ainda queria ser a mesma dos 20 anos. Ainda não entendia o que era o tal do envelhecimento. Ainda tinha os mesmos sonhos juvenis de estudos e viagens e de não ter amarras. Era isso que chamavam de adolescente nela. Ela ficava meio irritada. Porque era apegada a não ter envelhecido. A ter brigado com o tempo dentro dela. Ter decidido que os erros e tristezas não definiam ela. E ficava brutalmente triste quando diziam "ah, mas Camila não cresceu". Camila cresceu, sim. Envelheceu e sentiu cada ressaca. Cada susto de saúde. Cada separação. Aquela casa nas costas. Cada amiga precisando de ajuda as três da manhã. Cada parente internado e ela de responsável. Mas a escolha era antiga. Essa de continuar. 

enfim. Ontem tinha saído com a família. E queria só trocar de corpo e de vida hoje. Exaurida pelas conversas e pelas loucuras familiares. Exaurida pelo calar. Hoje queria sair e falar. Pelos cotovelos, como era sua especialidade. Sem pensar se Roberto existia ou não. Roberto andava dando defeito e ela não tinha assumido nem namoro pra ter de aturar defeito de homem. 

enfiou um short (ouvia Joana falar "mas Camila, não dá mais pra sair de pernas cobertas?") e uma camiseta e chamou as amigas no messenger. Nunca era fácil decidir onde ir. Pra acabar sempre na praça, em botafogo ou em último caso na lapa. 

enfim. Foram a botafogo dessa vez. Percebeu que tinha bebido muito quando subiu as pernas na cadeira e acendeu um cigarro. Essa personagem dela mesma era engraçada, pensou. Livre. E conversaram até o raiar do dia, que vez em quando amigas tem assunto até dois dias se passarem. Claro que nesse tempo todo o celular não foi verificado.

pegou um ônibus pra voltar, já era dia. Sentada na janela, na cadeirinha alta, mil mensagens de Roberto. Tentando consertar o defeito. Desligou o telefone.

chegou em casa pensando que andava com saudades de dançar.