26.10.12

o salto. deixa o pé bonito, né? as pernas. o tornozelo parece torneado. a bunda fica mais arrebitada. pena que dói o pé. eu sei. eu sei. não deveria me curvar ao que os outros pensam. eu sei. mas vou te contar um segredo: eu gosto de me vestir para os outros. sinceramente amo ver que me olham. não me interessa porque me olham. veja só, me chamaram de caricata outro dia. acho q é porque saí de saia roxa e camisa amarela. mas juro, fica lindo, e claro, uso sabendo que chama atenção. ainda mais com o saltinho amarelo que eu tava usando... me perco. não, péra. eu tava falando de sapatos. o salto. agulha. do tipo que parece que machuca. é meio fetiche mesmo. eu sei. porque, claro, não é confortável. mas eu ponho o salto. me olho no espelho. e acho que o resto da roupa pode ser qualquer coisa. uma calça jeans. camiseta branca. o salto é tudo que eu preciso. pra estar bem. segura. feliz.

22.10.12

eu tenho medo de trovões. não, mentira. hoje eu tive medo deles. não é sempre. tem uns dias piores. uns dias em que eu sinceramente queria um abraço na hora em que o barulho fica mais forte. uns dias em que eu queria tomar banho de chuva. sentir o cheiro de chuva. e pensar em quando eu era mais nova. e passava as férias no sítio. e o cheiro de chuva era a hora de entrar. e sair da lama. e tirar a roupa molhada. e sentar debaixo do candeeiro pra poder ler. eu gostava da hora de poder entrar. de não ser mais obrigada a ficar do lado de fora. eu adoro essa hora até hoje. em que posso estar do lado de dentro.

17.10.12

o corpo tem memória. eu fecho os olhos e lembro do torpor. da agulha entrando na mão. de contar de trás pra frente. horas perdidas sem memória. lembro de acordar. ardência. enjôo. frio. corpo tremendo. cansaço mortal. o corpo tem memória. ele lembra das 7horas que passou aberto, cortado. sente até hoje o pedaço que foi tirado. uma memória do membro amputado muito estranha. porque o pedaço saiu de dentro, nunca vi. nunca verei. mas o corpo tem memória. acordo suada, cansada no meio da noite. e o corpo lembra. de ser cortado, apertado, remexido. o corpo não me deixa esquecer. cicatriz, quelóide, aderência. o corpo mostra a sua memória. refaz ela pra que eu possa ver. o tempo todo. sabe que depois disso, tudo é controle. tudo é medido. e mostra que pode fugir. que é mais forte. o corpo me mostra o tempo todo que eu não sou quem eu acho que sou.

15.10.12

ali ficava um bar. era meio mexicano. isso daqui tudo era o baixo gay. mas foi fechado. teve um problema de violência, de homofobia, foi perdendo os clientes, fechou. eu costumava vir no café pacífico quando era mais nova. era um ambiente mais misturado, o primeiro mexicano do rio e tal. depois tiveram outros aqui perto. era um quarteirão animado. é triste. pensar que era tão vivo faz uns 20 anos (ok, eu tô ficando velha. fecharam os bares faz uns 15 anos). mas é isso, botafogo era um bairro mais legal. agora tá voltando. ali na frente tem o meza, do lado tem outros bares. o baixo ali do aurora nunca fechou, decaiu, mas não fechou. era mais animado ir no plebeu quando eu era adolescente. mas talvez porque eu não tivesse tantos problemas com higiene. achasse normal as baratas, sei lá. hoje em dia boteco tá na moda, né? tem tantos mudernos por aí. cada um arranja sua especialidade, me impressiona a criatividade. mas pera, era pra ser uma memória afetiva da minha cidade.

e tô me perdendo. outro dia, conversando com o marido de uma amiga, descobri que tivemos infâncias parecidas. éramos levados pros bares pra conversar se nossos pais não arranjassem avós pra ajudar. é engraçado. a gente conhece uns lugares que fecharam quando a gente era criança. lembro de beber guaraná. ao menos parecia cerveja. porque tinha isso. bando de ator, de intelectual, uma meia dúzia de perseguidos pela ditadura e tal. mas a menina não podia jamais tomar álcool. eram bons pais. caretas. normal, né? enfim, meu pedaço nunca foi a zona sul mais vista nas fotos. aquilo lá era passeio de fim de semana. ida ao dentista, que ficava em ipanema. ali perto do quartier lacan (dizem, tem tanto lacaniano ali naqueles prédios que dá pra analisar a cidade inteira). meu pedaço, tão querido, era esse pedaço da zona sul meio que sem praia. tem o aterro do lado, né? mas cair na praia do flamengo...

eu cresci nisso. você se habitua. os mesmos cinemas. os mesmos bares, depois de certa idade. pelo menos eu fui mudando de bares com a idade. se eu dependesse de comer no mamma rosa hoje em dia... mas ficava na frente da cal. a galera fazia cal. eu mesma devo ter feito alguma coisa ali. pelo menos frequentei o suficiente pra conhecer a escadinha do lado do funicular, que nunca funcionava. e enfim, chopp no mamma rosa. eu era café com leite. cara de bebê, não era sempre que me serviam chopp. vez em quando ficava na coca-cola mesmo. ganhei fama de sóbria. fama que matei virando uma garrafa de vodka. não recomendo. mas enfim, passou a fama, né?

aqui na esquina, onde hoje tem um restaurante ruim, o varanda's, era outro restaurante ruim. parece ser a única constante do lugar. nunca ter comida boa. mas era uma parmê. igual a da tijuca ou a do largo do machado. dava pra ir. ou sei lá, eu tinha 15 anos. andava por aqui pela rua das laranjeiras por hábito. e porque normalmente eu pegava qualquer carona pra descer de santa teresa. nem sempre iam pro mesmo lado que eu. eu descia aqui e ia a pé pro flamengo, vez em quando. ali no largo do machado, na galeria condor, tinha um cinema. duas salas. grandão. fui ver de volta pro futuro 2 ali. minha amiga me matou de vergonha. berrou "gostoso" pro michael j. fox. depois eu que gosto de baixinho. o s. luiz ainda existe. reformado, mudado, virou multiplex. mas existe. seguindo pela marques de abrantes, a gente passa pelo lamas. que hoje em dia não tem aquela fumaça de cigarro saindo. mas tem umas mesinhas pra gente fumar do lado de fora. e ainda tem aquele corredor que parece filme de terror de tão baixo que é o teto. e ainda tem um ótimo oswaldo aranha. seguindo ali, a gente passa pela escola dos meus irmãos. o caminho era esse sempre. se a gente for até na praia, tem ainda o castelinho, que só fui conhecer adulta.

na outra grande rua do bairro, a senador vergueiro, eu ia na majórica com meus tios. churrascaria à moda antiga, sem rodízios. e mais adianta, já sozinha, tem o picote. o picote era o lugar aonde sem querer eu encontrava conhecidos e sem querer tomava um chopp em cima dos barris. buteco de antigamente. deram uma arrumada. mas acho que os barris continuam lá. indo pra praia, a gente ia no la mole quando eu era criança. ainda tá ali, no edifício argentina. um enorme la mole. com filar enormes. acho q era o único restaurante "de levar criança" da cidade. algo tem de explicar aquelas filas. seguindo na praia, tinha a sears. virou shopping. era sears. tinha uma escada rolante velhona, e um setor de camping. adorava aquele prédio.

andando pela praia de botafogo ainda, a gente chega na voluntários, chega no cinema. era um só, o estação. com os garotos mais velhos, darks, sempre na porta. e a gente entrava meio de penetra, e ficava com eles ali, assistindo de um tudo. e continuando pela praia, quase chegando na urca, tinha o cine veneza. era enorme o cine veneza. fechou. assalto a carro nas redondezas. abriu como igreja. fechou. hoje em dia é uma casa de espetáculos que vive de aluguel.

o baixo botafogo, ali perto do humaitá, é sempre parecido. voltando ao começo do texto, o baixo gay nunca voltou a ser ali. foi pra farme e lá ficou. ali hoje em dia tem uns bares modernos. mas ainda tem o botequim, o plebeu... todos ali com seus pés-sujos e seus adolescentes bebendo cerveja de garrafa. dá uma sensação de conforto, acho. eu gosto disso. de me sentir em casa. quase tanto quanto gosto de me sentir fora de casa. mas esse é outro texto.
fecho novamente os olhos. a boca. a língua passa pelos lábios. mordo os lábios dele. e sinto as mãos em meu rosto. elas descem pra cintura. não consigo refazer o caminho delas. um puxão. sinto o corpo inteiro grudado ao outro corpo. suor. sinto os pelos roçando em minha barriga. as mãos apertam minhas costas e me levantam. abro os olhos e vejo, meio enviesado, um sorriso. sorrio também. sei exatamente aonde estou indo. mesmo carregada, mesmo de olhos fechados, sei aonde estou indo. e me deixo levar. a língua passa pelo meu ombro, pelo meu pescoço. sinto um arrepio. os olhos abrem. respiro. estou sozinha. deitada. mas o cheiro ainda está do meu lado. respiro. fecho os olhos e sinto o impacto das costas na cama. as mãos que passam por todo o corpo. a língua. os dentes na minha coxa. o calor. cada vez maior o calor. sua boca sobe entre as minhas coxas. sorrio. os olhos se abrem. nada novamente ao meu redor. paro, respiro. sorrio e fecho os olhos. os dentes mordem minha barriga. puxo sua boca para a minha. as mãos descem pelas minhas costas, e me puxam os quadris. sinto minhas unhas em suas costas. sinto você. o calor abre os olhos, e me vejo novamente sozinha. o quarto escuro. os livros. água. bebo um gole. deito novamente e fecho os olhos. sinto você novamente. o cheiro. o suor, salgado, em seu ombro. os dentes em meu pescoço. sorrio. aperto suas costas, como se aquele momento pudesse durar para sempre. o ritmo. as pernas sobem, como se fossem alcançar o teto. suas mãos em minhas coxas. o ritmo. suas costas entre meus dedos. o calor. o ritmo. o suor.

abro os olhos. ainda no escuro. ainda sozinha. olho para o lado, e a cama, engraçado, a cama parece ocupada por outra pessoa na metade que eu demorei a voltar a usar. mas hoje, eu sei. hoje não tem ninguém enquanto os olhos ficarem abertos. bebo mais um gole d'água. e fecho os olhos, te esperando...

13.10.12

acordo suada. sem ar. não dá pra dormir de volta. não lembro do sonho. mas deve ter tido um sonho. algo precisa explicar. algo tem de explicar essa inquietude. falta de ar. não tô com bronquite, nem pneumonia. dessa vez, não. me cuidei. mas a sensação de falta de ar não some. nunca some, na verdade. só finjo bem. deito e dessa vez, o sonho aparece. eu apanho. e tento fugir. e apanho. e estou na cama. e não reconheço o quarto. e vou fugindo, e continuam atrás de mim. um casal. e eu de fora. não consigo berrar. não consigo pedir ajuda. e acordo de novo. e olho em volta. e nenhum casal me acompanha. e ninguém está no quarto. olho pro meu braço. inteiro roxo. e isso, parece, me acalma. como se me dissesse que o sonho foi real. que não estou maluca. fecho os olhos e finalmente durmo bem. respirando.

12.10.12

eu não gostava de fazer as unhas. e tenho mãos de menino. grandes. com calo de quem já tocou algum instrumento. com calo de quem faz exercício. sabe aqueles calinhos na base dos dedos? unhas pequenas. dedos compridos. a única coisa que torna a mão feminina é o punho. razoavelmente fino. parei de tocar o cavaquinho, confesso, em parte por causa dos calos. me incomodavam. mas hoje em dia me incomoda o cavaquinho mudo. ando pensando o que farei. provável que volte a tocar. mas me perdi. as mãos. piorava porque eu mexia com tintas e quetais. acabam com o esmalte. e eu gosto de cor, sabe? se vou perder meu tempo, quero que seja visível. mas enfim. vaidades bestas.

com o tempo, fui gostando de fazer as unhas. disfarça os calos. e o tamanho da mão. e o fato delas (as unhas) serem absolutamente minúsculas. no pé, então... o pé, na verdade, eu sempre gostei de fazer. fica com cara de limpo. eu gosto disso. cara de limpo, de cuidado. a mão, não durava dois dias. me cansava isso. porque a verdade é que eu amo a cor que fica. adoro olhar pra pedacinhos de cor nas minhas mãos. me sinto com 7 anos. tinha um esmalte de purpurina que eu amava. aquelas micro-unhas eram quase do tamanho de uma purpurina, né? tinha um esmalte que brilhava no escuro também. não devia ser atóxico. explica muita coisa.

tudo isso pra dizer que. acho que não vivo mais sem as unhas vermelhas. continuo achando meio sacal o ato de fazer as unhas. ficando chateada quando tenho mais trabalho braçal pra fazer e o esmalte descasca todo rápido. mas olha. unhas vermelhas pra mim são um fim em si. olho pra elas e me sinto bem. me sinto inteira. faltava isso. me deixar olhar pros pedacinhos de cor de novo.