8.8.13

Escrever


– pra que viver? o importante é navegar e escrever.

Júlio e suas frases de efeito. Manuela andava meio de saco cheio. o grande intelectual. o cara que pensa. que sabe. affffff.... podia fazer isso longe dela. quer dizer. não. Manuela não queria se separar. não agora. mas queria que Júlio fosse mais parecido com o Júlio que existe quando estão só os dois. o Júlio que conversa e fica desarmado, deita a cabeça no seu colo pedindo cafuné. não conseguia entender porque cargas d'água Júlio em sociedade tinha de ser tão importante. tão... pedante. 

ai... Manuela ficou chateada de novo. Júlio não sabia mais como lidar. como que a mulher independente, cheia de si, até pedante, por quem ele tinha se apaixonado se transformava nessa boba, meio competitiva. não, pera. não era sempre. quando estavam só os dois, ela era a águia de sempre. respondia, lia, conhecia, e brincava. mas ali, na frente dos amigos, ele ficava até meio sem graça, como se agredisse ela falando. saco. 

os dois se conheciam desde.... desde sempre, parecia. mas nem era. foram amigos por muito tempo. as gracinhas de sabichão dos dois, as piadas internas, foram cultivadas em anos de praia. sempre no verão depois do trabalho. aos sábados pelo menos no fim de semana. sempre na praia. saindo depois pra beber. vez em quando no maracanã (raramente. ele era vascaíno. ela flamenguista. melhor não). se conheceram por amigos em comum. fizeram a turma de praia, como dizia Paulo. vc vai na praia pq tem com quem ir, ele dizia. e não deixa de ser verdade. praia, no rio, é um acontecimento social. é O acontecimento social. 

ele fazia matemática na UFRJ quando se conheceram. ela mudava de curso mais do que de biquíni, ele achava. e vivia reclamando com ela. um dia, da galera toda que sempre ia, só os dois foram. por acaso (acaso nada, os amigos meio que marcaram de deixar os dois sozinhos naquela tarde de janeiro). um calor insuportável. foram ficando na praia depois do sol se por, caminharam pro arpoador e ficaram bebendo cerveja na areia. uns meninos mais novos faziam luau ali do lado. eles dividiram a canga. onde já se viu homem lembrar desse detalhe? e foram percebendo q os amigos tinham tentando dar uma forcinha. e não acharam ruim. 

tudo parecia natural, engraçado. era o esperado. dois espécimes comuns do rio de janeiro. que passavam suas tardes na praia. que pulavam carnaval. que não fugiam muito de nenhum estereótipo (daí ele largou tudo e foi fazer filosofia, pra desespero dos pais dele, e ela conseguiu terminar RI e começou a ganhar dinheiro, mais que ele, claro). um dia, pareceu natural ir morar juntos. ela podia pagar pelo apê, ele podia ajudar com alguma coisa, claro. e ele tinha grana de família. e apartamento próprio, na verdade. parecia não só gostoso como prático. e daí eles pareciam um casal perfeito. complementar em todos os aspectos. 

três anos. e tudo parecia bem. e nunca brigaram em público. Manuela tava viajando fazia horas pensando nisso tudo, acordou com aquela frase....

– o importante é navegar e escrever.

– Júlio, amanhã eu saio de casa.