29.12.14

Senta

- Não João. Senta, me escuta. Não. Não tô discordando de você só pra discutir. Não. Não deixei de gostar de você porque não concordo. João. Ouve. Por favor. João. Eu não acho isso porque não li as coisas certas. João. Não esquece que a gente estudou junto. Que a gente nunca parou de estudar. Ouve, João. Eu discordo só porque sou sujeito João. Porque apesar dessa nossa vida que cansa de ser entrelaçada e grudada existir, eu existo antes e depois de você. Nai só durante. João. Eu sei que você não percebe. Eu sei que você acha que é desamor. João. Não é. Eu te amo mais do que um dia vou poder explicar com palavras. Não João. A gente não é um só. Eu não sou radical. Você pesquisa isso, devia usar melhor as palavras. João. Eu só sou. E em si isso carrega diferença. João. Escuta. Entende, João. Discordar também é amar. Deixar o outro ali, naquela alteridade toda e apoiar isso também é amar. Não tentar manipular o outro pra mudar. Entender o limite do outro João. Sim. É o meu limite. Eu sei que é o seu. Posso conviver com isso. Você pode?

8.12.14

20 anos


Aos vinte anos a gente usa flor nas costas. A gente sabe onde tem aquela festa bacana na praia, puxando energia do poste pro som. A gente fica na praia desde de manhã até essa festa começar. Porque aos 20 anos a gente não tem obrigação. Quer dizer, a gente já paga as contas. Mas não tem de voltar pra casa quando o sol se põe porque o filho tá cansado, e aguenta não dormir e ir trabalhar no dia seguinte. Aos 20 anos nossos fígados são imbatíveis.

Agora, quase fazendo 40, eu não sei mais onde é a festa. E se vou pra praia, mesmo sem ter filhos, volto quando o sol se põe pra dormir, porque a lombeira me consome as energias. Aos 20 anos a gente é sexy. Porque não tem nada mais sexy que a pele de uma pessoa de 20 anos. Aos 20 anos tem um brilho nisso daí.

Aos 20 anos a gente chama as amigas e vai lá pra festa e paga mico dançando até o chão e caindo no chão. E ri disso como só aos 20 anos a gente consegue. Porque, a pouca idade nos ensina, isso não tem nenhum problema. E a gente vai lá e continua achando que tá dançando pra pegar o gatinho que (não) sabe tocar o saxofone. Mas aos 20 anos isso não tem a menor importância.

Em algum momento a gente cresce e essa leveza vai se desfazendo. E a gente vai achando que mesmo no fim de semana a gente tem de saber o que vai fazer. E que a gente não pode cair no chão dançando. Ou não pode paquerar o rapaz porque ele toca mal o saxofone. Ou precisa resolver umas paradas de trabalho no domingo. Eu queria uns dias. Só uns dias. Uma máquina do tempo interna. E ser capaz de voltar pra calma e pro tempo dos 20 anos. Pra andar por aí de canga e achando graça do nariz da amiga com espinha. Pra rir três dias com as coisas mais improváveis. E não achar que não posso.  Envelhecer é perceber os limites.

10.11.14

de fora

Mariana conhecera Celso por acaso. Era amigo de amigos de amigos em uma festa. Cismou com ela. Veio falar. Ela achou graça daquele cara meio feio, meio desajeitado, totalmente hippie de classe média do Rio de Janeiro cismar com ela. Mas ok, deu papo. Ela ainda não tinha se acostumado com esse tipo da zona sul do Rio. Vinda de Minas, ainda era estranho pra ela. Não era bem um tilelê. Enfim.

Celso a fez rir aquele dia. E ela foi levando e continuou a sair com ele. Porque rir era algo muito bom. E aprendeu com ele a ir nas cachoeiras e a fumar maconha. Burra velha, nunca tinha fumado. Era uma boa menina, tinha estudado e trabalhado desde cedo. Não tinha tido tempo de relaxar. E Celso deixava ela relaxar. Era bom ficar ali naquele apartamento no Horto. Meio caindo aos pedaços o prédio. Mas uma delícia o apartamento. Fresco. Com vista pro verde. Perto dos bares. Enfim.

O que sucede é que de repente em menos de um ano Mariana se mudou. E agora aquele apartamento era dela também. A vista. O Horto. Tudo dela também. Fizeram união estável. Mas os planos eram de casar com festão um dia. De preferência num sítio. Sem sapatos (olha o que não fazemos por amor) nem maquiagens.

Enfim, era verão. primeiro fim de semana de horário de verão. E Mariana tinha combinado com amigas de ir ao bar. Já estava bem irritada de ter se inscrito nesse seminário sem ver a data. E agora não podia faltar. Ia de manhã com um casal de amigas. Que coincidentemente eram amigas da Joana, amiga de Celso. Depois Júlia e Carol iriam direto pro bar encontrar Beta e Mariana passava em casa pra resgatar Celso. Parecia um plano.

Acordou cedo resmungando. Tentou não acordar Celso. Sem sucesso. Ele, sempre bem humorado, falou que achara ótimo, ia tomar café fora e subir pra cachoeira logo cedo. Ela lembrou ali porque, apesar da zona, apesar da lentidão na vida, tinha casado com ele. Era porque ele tinha esse bom humor. Porque ele tinha esse sorriso mesmo quando irritado. E isso melhorou o humor dela pra ir pro seminário. E foi. O dia inteiro ouvindo sobre novos rumos do urbanismo. Pra onde vão as grandes cidades. O que as megacidades podem fazer para seus habitantes. Etc, etc, etc. Ela só olhava o sol lá fora.

Saiu, as meninas foram correndo pro bar, parece que Beta já tinha saído, e tudo era mau humor pra ela. Melhor assim. Chegou em casa e aquele futum de maconha não enganava ninguém. Na verdade, nem o porteiro. E eles moravam no terceiro andar. Sem elevador. Celso estava com um amigo. Bruno. Simpático o rapaz. Mas pera. Era o nome do ex da Joana, não? Era, claro que era. Bruno no banheiro e Mariana tensa pensando se daria algum problema. Celso tinha certeza de que não. A história dos dois era complicada, mas os dois eram bem educados e afetuosos com os amigos o suficiente para serem adultos.

Mas não, não ia avisar nada antes. Chegaram, entre os primeiros ainda. Celso, cansado, com lombeira, ficava deitado no colo dela. e ela não conseguia nem se irritar. Aquele cara sempre fazia ela rir. E quando Joana chegou. E todo o auê se fez. Mariana entendeu. Que era aquilo mesmo. Que ainda se olhavam como não deviam, que bruno ainda percebia cada vez que a alça da camiseta de Joana caía do ombro. Que Joana sabia cada vez que Bruno acabava o copo de cerveja. Que eram parecidos demais para capitularem e serem felizes juntos.

E olhou pra seu colo. E ficou feliz. Da possibilidade de poder ter capitulado. De achar que o problema não era dela se ele tinha resolvido mudar o programa dele. E como era bom. Só estar junto.

9.11.14

Sunga?

Bruno acordou, cedo como sempre. Saiu de bicicleta, como sempre. Hoje ia subir as paineiras, decidiu. Era necessário não deixar o corpo parado. Era necessário ser saudável. Era verão. Precisava aproveitar o sol.

Enfim. Bruno não gostava de se entregar. De fazer nada. E saiu de bicicleta. Sozinho. Quando estava chegando na jardim botânico, encontrou Celso, que o chamou pra cachoeira. Um dia, que tinha largar o exercício? Ver gente, assim, sem combinar?

Vamos, pera, preciso só guardar a bicicleta. Não, queisso, deixa ali em casa, é mais perto. Vai, sai, guarda a bicicleta, sobe a trilha, toma banho. Desce, vai pra casa do Celso, ficam ouvindo música e fumando maconha como quando estavam na faculdade. A namorada do Celso chega. Bruno não conhecia. Bonita ela. Mariana, chama. Mariana quer jantar (sim, conseguiram ficar nessa a tarde inteira, só comeram sorvete na larica). Na verdade, Mariana quer bares. Combinou com as amigas.

Claro, vamos todos, é aqui perto. Na verdade, não. é em Copa, mas racha um táxi, vai pela Lagoa, chega num minuto. Mariana insistiu para que comessem algo antes de sair. Ficar com dois homens crescidos passando mal de maconha e álcool na rua era demais também.

Foram. Quando chegaram, 3 das amigas já estavam. Faltava gente ainda, que foi chegando aos poucos. Bruno estava feliz. Fazia muito que não relaxava assim. De repente a Joana tinha razão, pensou. De repente as coisas não são tão obrigatórias.

E todos gritaram. Bruno olhou e abriu um alçapão debaixo dos pés dele. Joana. Magra. Com aquela cor de quem saiu da praia. Os cabelos com as pontas queimadas e o sorriso escancarado de sempre. Todos reclamando que ela tinha feito o charme todo pra no final ir pra lá. Tentou muito fingir que não tinha passado a véspera fuçando a vida inteira dela nas redes sociais. Nunca soube se conseguiu.

Ela começou a falar. Como sempre tinha de ser a dona do assunto, a dona da mesa, a mais esfuziante e divertida criatura gerada sob o sol do Rio de Janeiro. Vez em quando ele perguntava se isso não a cansava. Essa obrigação de desejar o tempo todo. De ser tão livre assim. E livre do que, ele se perguntava.

Pra variar, trocou de trabalho. Pra variar, ele reclamou. Pra variar, ele ouviu que pedras que rolam não criam limo. Bem feito. Quem mandou revisitar dr?

Os dias eram difíceis sem ela. O ano inteiro. Mas era aquilo. Quanto desencontro. Quanta incapacidade de comunicação. Mas amigo. se você visse. A hora em que ela debruçou pra pegar a cerveja. E o cantinho do decote. Ali, do lado do peito, sabe? Ai....
biquíni

definitivamente o verão tinha chegado. praia até tarde. andar de biquíni nas ruas. só o short e a camiseta regata rasgada por cima. com aquela cara de quem se sente ainda com 15 anos. enfim.

Joana não tinha mais 15 anos. Fazia um tempo, na verdade. Mais ou menos uns 15 anos, na verdade. Mais até. E Joana, apesar de adorar esse elan do verão andava com vontade era de ficar em casa no ar condicionado. Mil convites. Praia. Show. Circo. Teatro. Cinema. Bar. No verão do Rio o pecado é não sair. É não ser sociável. 3 meses em que a ordem é a rua. 3 meses em que é muito difícil se concentrar no trabalho. Até porque o calor é insuportável e só se quer uma praia, uma cachoeira ou um ar condicionado.

Praia. Voltemos. Joana tinha ido encontrar com Márcia, que morava ali perto. Só um fim de tarde. Só pra tirar o mofo. Enfim, tinha quinhentas coisas pra fazer. Não podia demorar. Só dez minutinhos.

Nunca são. E ela sabia, na verdade. Os dez viraram vinte. Uma cerveja então. Duas. O sol se pôs. Outras amigas ligaram. Márcia fez charme, disse que não queria. Mas acabaram as duas tomando uma ducha na casa de Márcia e indo encontrar o resto do povo no bar.

Uma mesa grande. Na calçada. Joana chegou resmungando que podiam ter escolhido um bar com ar. Que custava, gente. De repente gelou. Alguma boa alma podia ter informado a ela que o Bruno estaria por ali. Ok, ela não o via fazia quase um ano. Ok, tinha acabado tudo entre eles de forma quase normal. Ok pra tudo. Mas porra. A galera sabia. Que ela ainda não sabia lidar. Ela nunca tinha voltado a ter ele no facebook. Não por esquecimento. Vez ou outra ela entrava no perfil dele. Pra sentir aquela dorzinha. Aquele aperto. Ela sabia. Ou imaginava, tinha imaginação fértil. Que ele fazia o mesmo.

Enfim, foda-se. Agora não tinha o que fazer. Sentou. Pediu um copo. Falou do trabalho. Bruno de repente se assustou e mandou: "mas cacete, Joana, mudou de novo? não sabe parar quieta, não?" Era retórica a pergunta. Joana repetiu a mesma resposta de sempre "pedra parada cria limo, Bruno".

Daí. O frio na barriga saiu. E ela lembrou. Que Bruno era pedra parada. Que era esse o problema. E esse era um problema incontornável, não? Limo escorrega.

 Joana era irrequieta. E irritante. Vez em quando era o próprio verão na sua inconstância (como explicou uma vez a um amigo gringo: o verão no rio chove. a não ser quando faz muito sol). Não deveria nem estar ali. Tinha trabalho pra fazer. Mas quis ver o mundo de fora. Porque precisava daquilo. Porque queria aquilo hoje. E não, não podia ser amanhã. Bruno, ela lembrava bem, saía porque era obrigação. Como mais uma das tarefas daquela vida de tarefas intermináveis. E ela achava tarefas coisas insuportáveis.

Lamentava tanto desencontro, como outras vezes lamentou. Porque aqueles olhos azuis.... Ai aqueles olhos azuis....

7.10.14

O outro lado do espelho


é isso, pensou Camila. O espelho não mente. E ela estava mostrando a idade. O corpo não era o mesmo dos 20 anos. Ainda queria ser a mesma dos 20 anos. Ainda não entendia o que era o tal do envelhecimento. Ainda tinha os mesmos sonhos juvenis de estudos e viagens e de não ter amarras. Era isso que chamavam de adolescente nela. Ela ficava meio irritada. Porque era apegada a não ter envelhecido. A ter brigado com o tempo dentro dela. Ter decidido que os erros e tristezas não definiam ela. E ficava brutalmente triste quando diziam "ah, mas Camila não cresceu". Camila cresceu, sim. Envelheceu e sentiu cada ressaca. Cada susto de saúde. Cada separação. Aquela casa nas costas. Cada amiga precisando de ajuda as três da manhã. Cada parente internado e ela de responsável. Mas a escolha era antiga. Essa de continuar. 

enfim. Ontem tinha saído com a família. E queria só trocar de corpo e de vida hoje. Exaurida pelas conversas e pelas loucuras familiares. Exaurida pelo calar. Hoje queria sair e falar. Pelos cotovelos, como era sua especialidade. Sem pensar se Roberto existia ou não. Roberto andava dando defeito e ela não tinha assumido nem namoro pra ter de aturar defeito de homem. 

enfiou um short (ouvia Joana falar "mas Camila, não dá mais pra sair de pernas cobertas?") e uma camiseta e chamou as amigas no messenger. Nunca era fácil decidir onde ir. Pra acabar sempre na praça, em botafogo ou em último caso na lapa. 

enfim. Foram a botafogo dessa vez. Percebeu que tinha bebido muito quando subiu as pernas na cadeira e acendeu um cigarro. Essa personagem dela mesma era engraçada, pensou. Livre. E conversaram até o raiar do dia, que vez em quando amigas tem assunto até dois dias se passarem. Claro que nesse tempo todo o celular não foi verificado.

pegou um ônibus pra voltar, já era dia. Sentada na janela, na cadeirinha alta, mil mensagens de Roberto. Tentando consertar o defeito. Desligou o telefone.

chegou em casa pensando que andava com saudades de dançar.

28.5.14

Frio

aquele frio era desagradável, úmido. as roupas nunca secavam. chuvinha que não parava fazia dias. só queria dormir e ficar em casa. nunca mais ter de sair. assim. dormindo, feliz. mas enfim. a vida não era assim, e Alice tinha de sair pra resolver uns pepinos. não era trabalhar, porque era sábado. mas tinha de ver coisas da casa, fazer feira, limpar a casa... inferno essa coisa de ser adulta.

feira na chuva. uma espécie de tristeza em si. mas depois ia valer a pena a comida fresca em casa (era o mantra). passou no mercado, comprou carne também. almoçou pastel, pq né? até amadurecer tem seus limites. chegou em casa e lembrou. que na véspera tinha dado uma de ermitã e lido e ficado entre internet e livros até de madrugada. com cachaça. a casa nem tava o caos. era pouco pra fazer, grazadeus. lavou roupa. limpou banheiro. arrumou cozinha....

celular apitou. eram as amigas perguntando cadê a sumida. sabiam que andava enlouquecida com trabalho e estudo, essas coisa, mas... concordou. a casa estava habitável, decidiu ir ver rua. novidade nem tinha pra contar, mas né?

entrou no banho. percebeu que não tinha feito a unha naquela semana. gente. como assim? tava surtando, só pode. deixa pra lá agora. abriu armário. quanta cor. aquilo sempre a acalmava. ver as cores. escolheu um vestido. uma meia calça (tá frio, poxa), um sapato. se maquiou e foi. as amigas estava esperando no bar de sempre (que sempre mudava, mas isso é outra história).

estranharam as unhas. perguntaram que passava. ela só quis saber de pedir um hambúrguer. tava com fome. não, não tinha nenhum cara. vez em quando achava que as amigas, hoje casadas, queriam saber dela e de joana, que não tinha ido, só pra viver vicariamente. não era um interesse por ela, mas pra poder ainda sentirem as borboletas. ela entendia. tinha sido casada por muito tempo. tinha ficado em casa. tinha sido monogâmica. enfim. não, agora tava vazia de tudo.

mas não tem saído pra dançar? e sua vida de adolescente? alice riu. de adolescente a vida tem nada. adolescente não tem amanhã. ou só tem amanhã. alice tinha o passado ali todo nas costas. o presente todo pra cuidar. roupas pra lavar. contas pra pagar. enfim. nada adolescente. vez em quando tinha e podia não acordar cedo. hoje nem tinha sido o caso.

a cerveja e o hambúrguer chegaram. a conversa continuou e alice fez um pedido: pra estenderem a noite. pra falarem com os maridos e mães e o que seja. pra poderem um dia saírem todas de adolescentes. como quando tinham 20 anos. sem futuro. sem passado. sem contas. sem nada. elas iam ver. que vez em quando é libertador. fingir que a gente é livre. achar que a gente é livre. porque essa de ser adulto e se perceber preso a tanta coisa. essa é triste pra cacete.


29.4.14

escuro

aquele cantinho escuro era só dela. era confuso. era escuro. mas era dela. as pessoas não entendiam aquele prazer em voltar pro cantinho escuro. os amigos nem falavam nada, vez em quando. ela ficava no quartinho escuro. ela brigava com quem tentava entrar.

o cantinho podia existir por dias ou semanas. meses não. ela não se dava a esse luxo. tinha a palavra. depressão. mas novamente. ela não se dava a esse luxo. a avó, quando ela era pequena, lembra bem, ficava até 4 semanas sem sair da cama. sendo lavada. sem acender a luz. lembra da primeira vez que viu. depois trocavam os remédios. e só se repetia a cena uns 2 anos depois. depois a avó começou a fazer análise e os remédios estabilizaram mais.

vez em quando queria se largar no sofá. ou fazer algo drástico. que dessem os remédios. os remédios parecia que melhoravam tudo. mas na verdade, não faria nunca. aprendeu desde cedo que não faria como a avó. que quem tá em volta também sofre com aquilo. e ia indo pra frente. porque os outros importam.

tem uns dias em que o mundo está insuportável. e parece que esses outros não existem. e daí. ela para. entra no cantinho. chora o mundo. lembra de todos os outros. e tenta sair do cantinho. porque sempre tem os outros. e eles sempre vão estar ali. aparecendo. estendendo a mão. falando asneira. sofrendo também. e é em frente. é ali, com os outros. que tudo importa.

23.4.14

ilha


Alice passou a infância naquela ilha. O pai tinha uma casa ali no canto, sabe? Agora voltava sempre que podia. A casa do pai era meio caindo aos pedaços. Quase uma casa fantasma. Enorme e vazia. Ela ia por vezes sozinha. Por vezes com amigas, ou com algum cara com quem estivesse saindo. Era o caso. Mas era estranho. Porque se conheciam fazia pouco, e Cláudio meio que tinha se convidado. Ela queria estar sozinha.

Mas tudo bom, também. Ele era bacana. Ela também não podia ficar nessa de nunca mais deixar ninguém ir ali. Enfim. Era hora de abrir alguma porta, essas coisas cafonas de autoajuda e tals. Depois, era só um dia sozinha com ele. No dia seguinte chegariam os amigos. Nem um dia. Chegaram no fim da tarde, começo da noite ali. Ele estava com frio e não parava de perguntar que ideia de jerico era aquela de ir pra Angra naquele frio. Ventava. Não tinha aquecedor. Era úmido pra danar.

Alice riu. Angra no frio era melhor. Era só dela. Era sem multidão. E a multidão de Angra é das coisas mais desagradáveis. hordas de pessoas disputando pela melhor lancha, o biquíni da moda, o corpo mais em forma. Ela não se sentia muito confortável. Na chuva, não. Era ela a maluca que pegava o barco na chuva. que chegava encharcada na ilha. Que punha um moletom velho (e só em Angra ela se vestia largada assim) e ficava lendo naquele salão enorme. Frio com o vento entrando, já que nenhuma janela fechava direito.

Cláudio tentou. Fez jantar. Lavou tudo. Arrumou a cozinha. Alice na verdade continuava incomodada com ele ali. Acabou de jantar e fez o velho ritual da vida. Um chá. Um livro. No vento. Na varanda. Cláudio riu. Percebeu que era um intruso ali. Na verdade, nem sabia muito bem explicar porque tinha decidido ir na véspera, não com o resto do povo. Com Joana, sua amiga. Sabia que Alice tinha feito ele voltar a pensar em sair com alguém. Sabia que queria estar com ela. Meio que sabia porque tinha ido. Mas percebeu, que não era idiota, que estava ali ocupando um espaço estranho. Que de certa forma ela não queria ocupar. Simplificando, ele forçou a barra. Daí tanto cuidado com o diacho da cozinha. Com camarões (ela adora frutos do mar, inda mais na ilha). E ele queria conhecer Alice. E entendeu que de algum jeito aquilo ali também era ela. Um lado meio errado dela.

Olhou pra ela encolhida naquele sofá na varanda. Como se tivesse sei lá, cinco anos. Esperando alguém ali. Pegou um chá pra ele também. Um livro. Sentou ao lado dela. Cuidadosamente sem invadir o espaço. Alice olhou. Riu dele tentando ser invisível. Daquele tamanho todo. Se aconchegou nos braços dele. Percebeu como ele era confortável. Dormiram ali. Acordaram com os amigos berrando felizes com o sol brilhando no mar. Ainda do barco ao longe.


15.4.14

praia

era inverno. e tava frio. tá, não era frio de verdade, vamos lá. era frio pra rio de janeiro. mas estamos no rio de janeiro. ana não tava conseguindo dormir. virava de um lado pro outro na cama sem parar. já tinha contado carneiros. feito meditação. entrado no facebook. visto se mais alguém sofria de insônia com ela. nem tava tão tarde. uma hora. levantou. colocou a primeira roupa que viu e foi pro bar. ali em botafogo mesmo. estavam sempre abertos.

essa neblina não combina com a cidade. esse tempo em que as pernas precisam estar cobertas não combina com a cidade. ela muda. ana achava até que as pessoas falavam mais baixo no bar do que de costume. foi ao bar nessa necessidade de ver gente. meio estúpida. mas aquela noite, ficar sozinha tava deixando ela irritada.

sentou na primeira mesa que não ficava na chuva. acendeu um cigarro. pediu uma cerveja ao garçom, que nem perguntava mais se ela teria companhia. tinha dias que não, e ele já sabia. em geral com um livro ou pendurada no celular. hoje nem isso. só o cigarro. claro que tinha celular e livro na bolsa. mas hoje não.

ficou ali fumando o cigarro e pensando na vida. bebeu a cerveja. pagou as contas e saiu dali. não quis ir pra casa. a cidade muda na chuva, pensava. e ela tava afetada por isso. certamente. era isso. resolveu andar. riu um pouco pensando que sua mãe teria síncopes se soubesse que ela estava andando a essa hora sozinha.

foi andando pela voluntários mesmo. como se não tivesse chovendo. mas estava. muito. a calça jeans grudou no corpo de tão molhada. a camiseta também. roupa velha, já puída. queria ver o mar de repente. entrou num ônibus. atravessou o túnel velho. saltou ali do lado da serzedelo correa, e foi andando até a praia. vazia. chovendo. é. de repente não era a melhor ideia do mundo. olhou aquilo ali. as ondas estavam altas. o mar estava de ressaca. parecia que queria chegar ali no calçadão. vinha com força. com raiva. clichê dizer isso, mas era um espetáculo meio assustador.

de forma estranha aquela água toda acabou com a angústia. ou foi o cansaço de andar. quem sabe? voltou. pegou o ônibus de volta. chegou em casa, tirou aquela roupa molhada e grudada. fumou um último cigarro só de calcinha, olhando pela janela. pensando na vida. nos últimos caras com quem tinha saído. nas amigas que ela nem tinha pensado em chamar. na família. riu meio cansada.

entrou no chuveiro quente. deixou mais água escorrer por suas costas. se secou. deitou na cama....

20.3.14

sonho

Luana acordou meio inquieta. Não, inquieta não é o nome. acordou confusa. No sonho, gente demais que ela não queria mais ver. Não, nem era isso. Era o que fazia com as pessoas. A pessoa, no caso. Amigo de infância. Se conheciam desde sei lá quando. Sabiam todos os erros um do outro. Bruno tinha visto Luana virar gente. Luana tinha visto Bruno se casar. E separar. E enfim. Nunca nada além de amizade.

Enfim. Estavam, os dois, ainda naquele rame rame de superar as separações. Saindo com meio Rio de Janeiro. O de sempre. Algumas noites nem lembrava como tinha voltado pra casa. A dor de Luana era daquelas públicas. Sempre fora assim. Abre os braços, estica, rasga, mostra, explica. Bruno tentava segurar a onda. Mas na onda dele de dor privada, ficava difícil de acompanhar o processo. E era muito estranho também estarem juntos. Exatamente no mesmo momento da vida.

Luana estava decidida a parar com o redemoinho. A acalmar a vida. E saiu com Bruno pra jantar e conversar. E ficaram falando ali de bobagens. Dos outros amigos. Das pessoas com quem vinham saindo. E foi só isso. Eles sendo eles, fizeram macarrão que faziam quando adolescentes. Bebendo, claro. E porque beberam, um erro crasso: caíram de sono no chão da sala, abraçados.

E daí veio o sonho. Luana acordou assustada. O sonho era real. E Bruno. Bruno não podia ser nada além do amigo de sempre. Olhou pro lado e o viu dormindo, sereno, ainda com as roupas da véspera. Ela também, nem sem sutiã estava. Mas cara. o sonho...

Bruno abriu os olhos. Um sorriso de canto de boca. Pegou Luana pela nuca. Sem falar nada. Tirou o cabelo dela do rosto. Começaram a se beijar. Foram pro quarto. Será que era sonho ainda? Aquela mordida no ombro era real demais pra isso. E aquela mão segurando suas coxas. E tudo aquilo parecia errado demais e certo demais ao mesmo tempo. E como ela iria sobreviver ao dia seguinte? E como não continuar o que parecia tão bom? E treparam até caírem exaustos de novo.

E acordando, dessa vez sem nenhum sonho, Luana olhou pro lado e não quis perguntar nada para o amigo ao seu lado. Não quis saber o dali por diante. Simplesmente não interessava. E ele olhou pra ela, como se pensando nisso também. Puxou Luana pela cintura. Beijou atrás da orelha...


15.3.14

noite

tarde. muito tarde. pra variar tinha ido encontrar uns amigos ali na lapa. bar, dançar, o de sempre. pra variar tinha resolvido ir embora do nada. os amigos nem tentavam demover mais a ideia da cabeça de ana. simplesmente deixavam ela ir. sabia se virar, pegar um taxi, ônibus, foda-se. mas não iam ficar aflitos com maluquice alheia. ana simplesmente precisava voltar pra casa. era como se tivesse alcançado um limite de ver gente. isso. esgotou.

a outra coisa é que gostava daquele andar anônimo. sem conhecer ninguém. foi andando pelas ruas, vendo os amontoados de pessoas ao redor dos bares. pensando quando já tinha ido naqueles mesmos bares. pensando que estava sozinha. e que gostava de estar sozinha. gostava de não precisar conversar, nem ser inteligente, nem ser adorável, ou educada. podia andar ali só olhando e ouvindo conversa alheia. pensou se passava no bar de sempre pra ver se outros amigos estavam ali. melhor não.

foi pro ponto de ônibus. esperando. pensando se pegava ônibus ou táxi. morava perto, não sairia muito caro. enfim. os dias andavam meio complicados. eliana andava irritada com ela, e com razão. não desencarnava do ex, não saía com mais ninguém, ficava azucrinando os ouvidos alheios com seu mau humor. e sua misantropia. estava alcançando níveis alarmantes.

os amigos podiam entender, né? que as coisas levam tempo. ela entendia o amor deles. o chamado deles. mas ana ainda precisava de tempo. pra sarar, sei lá. pra voltar a estar nos seus pés. e não saindo dos pés de outro. sei lá.

começou a andar de novo. não quis esperar ali. decidiu tomar uma cerveja sozinha nas barracas antes de ir pra casa. as pessoas olhavam como se ela fosse maluca. chegaram a perguntar se estava esperando alguém. não, obrigada. só queria uma cerveja. sozinha. era pedir demais?

de repente apareceu carlos. não, ela não conhecia carlos. não, ele não era amigo de ninguém conhecido. não, não era prudente conversar com um desconhecido no meio das barracas da lapa as 3h30 da manhã. mas ele foi gentil. se ofereceu pra comprar outra cerveja. conversou, contou da sua vida. ana foi deixando as barreiras de lado. saíram da lapa juntos. foram pra urca ver o sol nascer. conversar na praia. engraçado. como se fossem amigos de séculos.

de repente ana se deu conta. de que finalmente podia parar com a misantropia. de que eliane nem ia mais reclamar. de que o passado estava, vejam só, no passado. porque ela não era mais aquele museu ambulante. e carlos podia acabar aqui e nunca mais ser visto. mas nossa. que pá de cal bonita que ele era.

14.3.14

hamburguer

acordou com uma vontade enorme de comer hambúrguer. olhando pro lado percebeu que nem estava em casa. verdade. tinha saído com marcos. saco. não tinha lembrado de avisar a mãe. pegou o celular e estavam lá nhenhentos recados. ligou, pediu desculpas, avisou q tava viva, enfim, fez o que deu pra evitar maiores atritos. marcos dormiu durante toda a conversa. inacreditável. continuava querendo comer hambúrguer.

tentou pensar o que queria da vida. naquele momento. não soube se responder nada fora hambúrguer. mentira. pensou em batatas e bacon também. mas não respondia a pergunta da hora: se acordava ou não o cidadão que dormia ao seu lado. e dormia lindo, claro. depois de muito pensar, achou que podia só deixar um bilhete. pra marcos decidir o que queria da vida. era expert nisso. a culpa ou tá nos outros ou tá nos astros, né? enfim.

se vestiu mandando zapzap pras amigas. vendo se tinha quórum para um almoço básico de hambúrguer. em dez minutos todas concordaram. deixou bilhete avisando onde ia. e foi almoçar ainda parecendo um texugo, afinal, nada de demaquilante na casa do cara, né? qual não foi a surpresa ao ver que não era a única.

joana chegou com um vestido que minha nossa senhora, não fora feito pra luz do dia, definitivamente. luciana estava sem sutiã. jurava por tudo que havia de mais sagrado que não tinha esquecido. tinha realmente perdido o sutiã. ainda não descobrira aonde. ana e paula tinham só saído pra dançar. e pediram por favor para não tentarem reconstruir seus passos na véspera. o garçom só não riu mais porque não era a primeira vez delas ali. sabia que não era hora.

pediram os hambúrgueres. depois de comer, conseguiram começar a falar de verdade. joana tinha saído com paulo pela força do hábito. ele ainda queria, ela simplesmente não estava sabendo avisar que queria estar solteira. mas antes de sair da casa dele tinha conversado e posto um ponto final. tava triste, claro, mas aliviada. e porra, que desperdício de vestido, sabe? pra usar pra dar um fora no cara.

luciana tinha saído com um cara novo. que tinha conhecido por acaso num bar fazia duas semanas. trocado telefones. achava que ele não iria ligar nunca. mas ligou. e era amigo do marcos. chamava carlos. e parecia que a noite deles tinha sido ótima. e só um começo. nunca se sabe, mas...

as meninas tinham dançado na matriz a noite inteira. e não tavam com vontade que ninguém chegasse perto. se aborreceram com um cara. discutiram e tals. acontece. a noite ainda assim foi boa. enfim. e o marcos? perguntaram

ah... o marcos... mariana teve de falar. saiu com marcos. continuava sem saber o que queria. mas ele continuava dormindo tão bonito....

10.2.14

hippies

Na calçada da rua, deitada entre as árvores e as escadas dos prédios, Sofia conversava com os amigos. A escola era ali perto. A casa da Joana era no prédio do lado, e o Marcos morava nesse. Os outros tinham só falado pros pais que iam estudar. Estudar era sempre ótima desculpa. Começo do ensino médio e tals. Claro que nunca estudavam. O problema hoje era com Mariana e Gustavo. Problema de adolescente, claro. Tinham terminado o namoro.

Júlia estava contando pra todos que tinha visto o fundo de tela do celular dele. Era uma foto dela. Gustavo estava arrasado. Mariana tinha terminado tudo. Era nova demais pra namorar, não sabia se queria, tinha outros moços por aí, não estava apaixonada, enfim, o clássico, como saberiam dali a alguns anos, "não é você, sou eu".

Júlia tinha ouvido horas de Gustavo contando. Como Mariana era linda. que sorria com os olhos. E adorava usar cor de rosa. E... Nossa. Júlia tinha saído do papo achando Gustavo meio bobão, na verdade. Dando certa razão pra Mariana. Mas ele tinha a foto dela no fundo de tela, sabe? Podia ser bobão, mas gostava dela, porra.

Ficaram ali deitados, lagartando no calor da tarde de verão do rio horas. Meio que decidindo sobre a vida alheia (e a deles também, claro. Sofia estava de olho em Pedro desde a festa de formatura do nono ano), meio que só deitados. Os celulares começaram a tocar. Os pais de Joana e Marcos chamando pra jantar. Todos iam na festa de noite, mas os pais ainda achavam de bom tom meninos e meninas se arrumarem em casas separadas. Sabiam nada. Marcos tava saindo com João, afinal. mas pra que esplanar, né?

Não viram, enquanto levantavam pra subir, Mariana e Gustavo na esquina. discutindo aos berros. Parece que não tava tão acabado assim. Gustavo tinha ido tentar entender. Mariana numa explosão explicou que ele berrava com ela. Que ele era grosseiro. E que ela tinha enchido o saco. Quer dizer, era ele. Ainda aproveitou pra jogar uma pitada de ciúmes: mandou ir atrás de Joana, por favor. Que era louca por ele.

Gustavo berrava pela rua atrás dela. Ao ponto em que João e Marcelo, que tinham ido na padaria, ouviram e carregaram ele pra longe. Todo um drama. Mas a parada era simples, vaticinaram. Mariana não queria ele, era hora de fazer a fila andar. Gustavo era bonito, surfistão, bom aluno. Pra que correr atrás da, talvez, única garota que não tava na dele?

A essas alturas eu me perdi com as histórias. Pera. eu sou a Sofia. Tentando contar da festa em que fomos. Todos convencemos os pais. Primeiro ano do ensino médio. Festa na casa do João. Aniversário dele. 16 anos. Os pais estavam viajando, o pai do João é um cara muito bacana, arquiteto. E confia no filho. O que talvez não seja sábio. Mas enfim. Nada de grave aconteceu. Meninos beberam. Alguns passaram mal. Nada demais. Nada que você não veja o tempo todo.

Eu sempre fui a careta da turma. Mais por medo de perder o controle que qualquer outra coisa. Mas sei lá. Era uma festa. Na casa de um amigo. A mãe dele, na verdade, estava ali. Mas não achava ruim a gente beber nem fumar. Dona Márcia era engraçada. Meio ex hippie, sabe? Tomava conta e tals, mas não se metia.

Gustavo foi com João e Marcelo pra casa deles. Dona Márcia (a gente chamava ela assim simplesmente porque ela odiava) acendeu um cigarro e entregou pra eles fumarem. O menino precisa se acalmar, disse. Tentou tirar dele o que estava acontecendo, enquanto os outros arrumavam a sala. Conseguiu. Ele estava assim, possuído, porque Mariana tinha terminado com ele quando ele achou que ia trepar com ela. Gustavo detestou ouvir aquilo falado daquele jeito. Mas enfim. Se acalmou. Percebeu que estava sendo um idiota. E se preparou pra Mariana ir na festa. Era o melhor. E talvez ficar com outra menina.

Mariana, na confusão, correu pra casa errada. Bateu na casa da prima dela, Cecília, que era ali perto também. Prima mais velha, dava uma calma conversar com ela... A prima convenceu ela a não ir na festa. Ir com ela e os amigos jantar no bar da esquina e depois Cecília levava ela pra casa. Ia fazer bem a ela. Claro que ela não tinha de dar pro rapaz se não queria. Claro que sexo é uma coisa importante demais quando a gente tem quinze anos pra ser assim, porque o rapaz quer. Mariana ainda falou "não é porque eu quero só trepar com o grande amor da vida. Mas só quero quando eu quiser fazer" Certíssima, disse a prima. E emprestou a roupa pra ela ir jantar. Mariana amou se fingir de adulta com a prima de 30 anos. E esqueceu de vez Gustavo, dormindo agarrada na tartaruga de pelúcia.

Na festa, quando eu cheguei, os três meninos tinham dormido. Márcia abriu a porta e entramos, eu, Júlia e Joana. Falando pelos cotovelos. Ela riu. Sentou conosco no sofá, éramos as primeiras. Perguntou pelo namorado do filho que tinha passado a tarde conosco pelas calçadas, ela bem viu voltando do trabalho. Falamos que tava com Pedro, que tinha ficado por ali pra não ir até a Barra e voltar. Márcia deu razão aos pais de Pedro (mais dois anos e nem iriam mais se importar, né? mas por enquanto...)

Eu era tímida, na verdade. Não sei se falei. Márcia acendeu um cigarro pra gente. Nem pensei no que meus pais falariam. Fumei com as meninas. Na hora, não percebi nada. Só percebi que não era mais tão tímida. E foi chegando gente. E os meninos saíram do quarto. E finalmente chegou o Pedro. E eu tomei coragem. E puxei ele pro canto pra falarmos só nós dois. E esqueci completamente do drama do dia. Da mãe bacana. Do resto da festa. Até que naquela noite eu podia beber. E eu dei sorte. Ele esqueceu também.

12.1.14

razão

Fazia dois dias que acordava assim. Dois dias pensando no cara. Um amigo de amigos de amigos. Daquelas pessoas que você conhece por acaso. Numa festa. Nada demais. Comentaram um show que tinham visto dois dias antes. Falaram do calor. Essas coisas de verão, nada demais. Ele era bonito. Nada demais. Um desses tipos bem comuns no Rio. Moreno, meio com cara de surfista. Ela mexeu que ele perdia o direito de reclamar do calor por causa das calças compridas (ela usava vestido, como de resto quase todas as mulheres da festa). Nada demais.

Acabaram ficando, claro. Nada demais. Não tinha sido um cara com uma puta sintonia, nem intelectual, nem na cama. E ela não conseguia entender. Fazia dois dias que pensava nele. Tinha mil coisas pra fazer. Trabalho. Cinema. Amigos. E só pensava no cara, que não tinha sido nada demais. Isso não fazia nenhum sentido. Nenhum.

Saiu com outro grupo de amigos naquele domingo de tarde. Pra não ficar em casa pensando no cara. Pra não pensar no que não era nada demais. Programa de verão no rio. Cachoeira nas paineiras. Amigos com carro são muito amor nessas horas. Vieram pegá-la em casa, era meio caminho. Tarde gostosa, passeando e entrando nas cachoeiras. Lavar tudo de cansaço. Tudo do passado, né?

De repente, falando asneira e andando de biquíni pelo meio do parque (ok, insistiram, ela pôs o short. mas poxa, que tem demais, gente?), esbarrou no nada demais. Ele era comum. Só tinha uns olhos verdes interessantes. Nada demais. Na verdade, os olhos nem eram tão verdes. Mas parece que brilhavam quando ele sorria. E ele sorriu quando a viu. Não, não ficou olhando com cara de babão. Sorriu. Como ela deve ter sorrido.

Começaram a conversar. Nada demais. E aquilo tudo era tão estranho. A conversa era absolutamente confortável e simples. E eles estava de carro, claro. E saíram das paineiras só os dois. Deixando os amigos, dela e dele, no outro carro, rindo. A conversa continuou. E a noite. E saíram de novo na quarta-feira. E na sexta. Quando viu, meses depois, estavam namorando. E ele riu dela de não ter percebido que era isso. Que ele tinha chegado pra isso. Na hora em que ela não estava esperando. E estava tudo bem. Nada demais.