1.11.15

ressaca

o dia seguinte. ai. que dor de cabeça. que dor no peito. achei que eu nunca mais ia sentir isso. tem uma hora que a gente acha que se livrou. do aperto. da vontade de se cortar. da sensação de inadequação. não tava ali, de anfitriã do casamento alheio? as amigas confiando nela? o trabalho no doutorado saindo direito? mas voltou. enfim. ao menos Júlia e Suzana estavam felizes. isso foi bacana de ver. de perceber. sempre bom amigos felizes. acalma um pouco. pera, a ressaca.

– oi, Marta. não, não dormi direito. que foi?
– cara, fiquei preocupada. você sumiu da tua própria casa, porra!
– não podia ficar. desculpas.
– tem nada que pedir desculpas. onde você tá? eu enrolei a Júlia pra ela não perceber. mas ela sabe, ela não é idiota. liga pra ela depois e diz que você tá viva, sabe? o João lá, amigo dela também perguntou por você. mas ele foda-se.
– cara. não tava dando pra mim. desculpas. deu ruim.
– onde você tá? vou te buscar.
– então. vim pra minha mãe. não tô dando conta. não sei quando volto.

não tá dando. preciso ficar só. o João era um querido. mas visivelmente ainda pensava na ex mulher. eu não posso dar conta disso agora. eu mal dou conta do meu ex ainda. será que ele achou o mesmo de mim? não dou conta de nada. da minha vida. não posso dar conta do outro agora. queria algo simples. assim como esse encontro repentino da Júlia com a Suzana. como era rir com a Júlia quando elas conversavam besteira. mas nada andava simples. mentira. tinha coisas simples. a parte de trabalho andava simples. o bizarro é que nunca foi na vida. o problema é essa solidão absurda e insuportável que vinha de vez em quando. e estar no meio de tanta gente quando sentia isso era um problema. ela precisou sair da festa. ai, lá vem o telefone de novo.

– porra, Mariana!!!!
– ai, Júlia, desculpas
– fiquei preocupada, eu sei que você some, que foge, tudo. mas da sua casa, cara?
– não aguentei. era coisa demais que eu não sei fazer. que eu não sei ter. que eu não consigo criar.
– amiga, para de aumentar as coisas. era uma festa. de um casal de namoradas. só isso. que eu quis compartilhar contigo. porque você gosta de estar presente. não era pra você se sentir mal.
– gata. deixa. já passa. agora eu preciso ficar no casulo. mas eu tô bem. sem um puto, vou ter de entregar o apartamento, essas coisas, mas tô bem.
– como assim entregar o apartamento? por que eu não tô sabendo disso? e o pobre do João? convenci o menino a ir, Mariana.
– mas Júlia, ele tá recém separado. ainda tá com a ex na cabeça. eu não sei competir. ainda mais com um fantasma desses. a mulher era linda, inteligente, compreensiva, educada... não sei competir. até porque tenho a sutileza de um paquiderme. e eu não quis atrapalhar a tua festa com os meus problemas.
–...
– que foi?
– amora, tô indo aí. eu que me caso e você que surta. tô indo aí.