20.11.12

na areia


a mafalda já dizia, o mar é um indeciso. mas enfim. melhor remédio pra ressaca, né? sentar ali e olhar o indeciso. se jogar naquela água gelada. não adiantava o resto do mundo dizendo que melhor é o mar do nordeste. o pacífico e morno mar do nordeste. joana não gostava. quer dizer, gostava. mas não era a mesma coisa. aquilo ali era gelado, era forte, era quase uma declaração apaixonada. não era calmo. ela precisava daquilo. meio que se identificava com as ondas. era bom isso, não estar tranquila no mar. tinha suas virtudes. deixa a gente alerta, ela pensou.

na verdade, pra joana, o mar andava sendo metáfora demais, mas não podia fazer nada. marcos continuava naquela nhanha de sempre. tinha aparecido na noite anterior, o infeliz (ou feliz, vai saber). com outra menina. no bar em que ela sempre ia com os amigos, claro, do lado da casa dela. ele morava do outro lado da cidade. deve ter gasto uma fortuna de táxi. neurótico e caxias daquele jeito, carro que não ia pegar com medo da lei seca. novamente. pra que do lado da casa dela? não era nenhum lugar badalado, especial. enfim. foi um certo mau estar causado ali, absolutamente desnecessário. até por causa da menina. ela não tinha nada a ver com a história deles. fernanda, parece. bonita. inteligente. simpática. e se enfiou na roubada sem nem saber, tadica.

o marcos tinha sido um amor de adolescência. de começo de faculdade. desses que a gente não chama de namorado pra não dar errado. mas virou uma bagunça. meteram, os dois, os pés pelas mãos. brigaram no meio da rua. cobraram o que não era pra cobrar. e enfim, ela resolver pegar suas trouxinhas e sair dessa. não andava sendo fácil. saia com os amigos e ele aparecia. ia pro trabalho e ele mandava um sms "por engano, desculpas". ele, que tanta independência quis. ele, que falava tanto de liberdade. o marcos andava era enchendo o saco mesmo. surtou, de repente. e tinha umas meninas bonitas com quem ele saia, como essa fernanda...

joana ficava incomodada. não sabia se eram exatamente ciúmes. sabia que ficava uma nhanha. assim, ficava. não saía do lugar, não deixava de existir, nenhum dos dois ia pra diante. e ela acabou bebendo mais do que queria na véspera. pra não cair do salto, por incrível que pareça. bêbada nada a incomodava. ficava uma fortaleza. e enfim. ontem mais uma vez tinha segurado a onda. puxado papo com fernanda. tadica. se meteu a ser terceira de uma relação sem nem saber. a ser o espinho no pé dela. o marcos tava se mostrando era um grande babaca, né? pelamor, gente. se o problema dele era com ela, joana, viesse falar com ela. nem que fosse pra brigar no meio da rua de novo. se estapear na frente dos seguranças do metrô, que devem estar até hoje pensando se levavam pra delegacia, e quem denunciavam pra maria da penha.

enfim. os amigos também ajudaram, claro, e marcos acabou se dando conta da merda e indo embora com fernanda. que pediu o telefone de joana pra saber aonde comprava aquele sapato. cacete. podia ser menos simpática, hein? se bem que fernanda, tadica, não era o problema, nem a questão aqui. era marcos, ela sabia. como aquilo tudo, aquela paixão toda, tinha virado isso? como ela tinha deixado. claro, não era ingênua de achar que o marcos tinha inventado e surtado sozinho. não era bem culpa de ninguém (mentira, essa de enfiar as desavisadas no meio era culpa dele). eles saíram e joana ficou ali, olhando pro chopp e pensando porque cargas d'água tinha se comportado tão bem. deve ter ficado com pena da retardada da menina que nem reparou que tinha algo de errado ali.

e enfim, os meninos sobretudo ajudaram. ficaram conversando até de madrugada. a conta veio surreal. mais de 15 chopps por cabeça. um maço de cigarros. joana estava conseguindo parar de fumar, mas o filho da puta tinha desestabilizado tudo. tipos, fudeu. o que ela ia fazer agora. porque o que ela não tinha dito pra ninguém. nem pensado em voz alta, na verdade, depois do ocorrido. marcos tinha ido fumar quando ela foi. só os dois ali fora. a mesa do povo era nos fundos do bar. não dava pra ver. ou pelo menos ela queria acreditar que não. marcos veio, o filho da puta veio e falou pra ela: "eu te amo. sempre. só você". bem na hora em que apagou o cigarro. e voltou pra mesa. e ela ficou ali. cigarro na metade ainda. sem saber o que fazer. engoliu o choro. voltou pra mesa. não deu dez minutos, marcos puxou fernanda pelo braço e saiu. tinham combinado de ir na cachoeira no dia seguinte com o irmão dela. gente. 15 chopps era o mínimo, vamos combinar.

os meninos não queriam, mas ela fez questão de ir sozinha para casa. dormiu até bem. mas acordou de ressaca. não sabia agora se por causa do chopp, do cigarro, ou do amor. amor não devia dar ressaca, ela pensou. amor devia ser bom. devia dar borboletas no estômago. e vontade de viajar. e ser outro tipo de montanha russa. aquele dali não era legal. joana acordou e foi pra praia. e ficava olhando aquele mar e pensando no filha da puta do marcos. precisava complicar tanto, tudo? e ela, precisava? putaqueopariu. como doía a cabeça.

"você pode olhar minhas coisas enquanto eu dou um mergulho?" falou com o casal ali do lado. uma criança linda eles tinham. foi andando devagar, meio sem saber o que ia fazer. olhou pras ondas. e se jogou.

6.11.12

a terceira pessoa, essa inexistente.


acordou no meio da noite e percebeu. Ele não tinha voltado. Isso virava rotina. Estava perto do insuportável. Esse casamento a três não ia dar certo. Pior. Ela sabia que ele não estava com ninguém na cama. Que não era uma traição em si o que estava acontecendo. Ou pelo menos, ela não achava que era. Mas ela não tinha entrado nessa pra dormir sozinha. E jantar sozinha. E se sentir sozinha. Pra ficar sozinha, cacetes, ela ficava sozinha.
dessa vez, não voltou a dormir. Sentou-se na sala. A vista do apartamento sempre fora bonita, né? Ela nunca olhava pela janela, a verdade era essa. E ficou olhando. Praquela nesga de mar ao longe. Acendeu um cigarro. Pegou um livro. Pensou se ia dar uma volta. Melhor não. Iam achar que estava a trabalho. Melhor ficar ali na semi-varanda, olhando o mar. Não sabia o que fazer. Quando ele resolvesse aparecer, o que falar. Essa solidão invadindo a sala. Ele queria ter filhos. Ela não. E ficava sempre esse mal estar no meio da sala. E toda vez, a mesma coisa. Devia ter saído com os amigos pra reclamar dela. Discutiam e era isso. Fingia que era solteiro. Nunca soube ser casado, na verdade. Ela não entendia essa tara com ter filhos. De repente era pra ver se pegava no tranco, aprendia a casar na marra. Dava uma certa preguiça ouvir aquele discurso sempre. Ir dormir, depois de aparentemente tudo resolvido. E aturar essa palhaçada no dia seguinte. Não adiantava ligar, a besta não ia atender. Liberdade, independência, essas palavras bonitas todas. Ainda não tinha entendido que tinha casado. Saco. Agora não ia mais dormir. De repente tinha alguma coisa pra beber. Pelo menos a noite ficava mais agradável. E a briga de igual pra igual. Achou vodka. Achou whisky. Achou gin. Achou que tinha bebida demais na casa. Se serviu do whisky. Puro. Sempre melhor puro. Sentou de novo no sofá. A areia da praia mal aparecia ali, de tão longe. Pensou se descia e dava um mergulho. Talvez depois do whisky. De repente tomava coragem. Coragem líquida.
Pegou o tal texto que precisava trabalhar. Essa coisa de estudar e trabalhar também acabava com a saúde dela. Dormia cada dia menos. E hoje, que tinha conseguido deitar cedo, aprontavam essa. Na verdade, não sabia o que fazer. Se continuava ali. Se avisava que, afinal, era aquilo mesmo, era melhor cada um buscar outra pessoa. Que quisesse as mesmas coisas. Sempre achou isso cafona, mentira mesmo. Mas de repente nem era. Afetos não resolvem tudo. Merda. Não ia dormir essa noite. Pior que amanhã ainda tinha um dia cheio. Reunião desde cedo. Aula no mestrado. Caralho. Justo hoje, não podia esperar o fim de semana pra dar defeito?

Ela dormiu na sala. Como achava que não conseguiria jamais. Lendo o trabalho do mestrado. Copo de whisky na mão. O cigarro apagou no cinzeiro. Por pouco não tacou fogo em tudo. Ele entrou na casa. Rosto inchado de tanto chorar. Tentando pensar o que fazer com aquela merda daquele casamento. Pegou ela no colo, com toda delicadeza. Ela acordou e sorriu. Ele não quis contar. Que tinha passado a noite no carro. Sentado. Com uma cerveja. Pensando o que ia fazer. E tinha dormido ali. E acordou e subiu pra conversar. E quando olhou pra ela. Deitada, com aquela camisola rasgada. Como detestava aquela camisola. Naquele sofá. O cigarro apagado no cinzeiro. O cheiro do whisky derramado no chão. Os papéis por cima dela. Quando viu aquela cena toda. Lembrou porque tinha entrado naquele apartamento com ela ao seu lado da primeira vez. Pensou que amar podia ser o suficiente. Ou pelo menos que amava demais pra ter outra alternativa. E sorriu. E ela estava no seu colo. E ele estava em casa. E deitaram.

4.11.12

tentando falar dela. tentando perder eu.

ela acordou e percebeu que estava sozinha. Completamente sozinha. Aquela casa, que um dia fora dos dois, agora só tinha ela. E olhou em volta. Pra metade da cama. Pra estante vazia. Pra metade do armário sem as camisas dele. E quis deitar e ficar ali. Mas a vida segue, não era opção. Entrou no banho e saiu. Vestida como se fosse encontrar com ele pela primeira vez. Como se nunca tivessem se perdido um do outro. E foi pro trabalho. maquiada. Engraçado, justo ela que tanta preguiça tinha de se maquiar de manhã. Mas hoje era necessário. Pra conseguir seguir com o dia precisava se saber bonita.
na hora do almoço, como de costume, saiu com as colegas. Andaram um pouco mais, foram num lugar um pouco melhor. As colegas sabiam, queriam estar ao seu lado. No meio do almoço falou o que lhe afligia: ia vender o apartamento. Sair dali. Ninguém entendeu. Era ótimo o apartamento. Tinha tido sorte porque João não tinha pedido sua parte. Sorte nada, ela pensou. Sorte nada.
Estava decidida. Ia se livrar da sensação de vazio se livrando do vazio. Ia ser simples. vendia, comprava um parecido. Ou punha o dinheiro numa conta com rendimentos e ia viajar. Quando o vazio passasse, voltava. O problema era o emprego. Precisaria não gastar tudo. Mas realmente não se incomodava em voltar e morar de aluguel um tempo. Foi ver quanto tempo teria de férias. Se ainda teria férias esse ano, né? Providências práticas pra tentar ir adiante com o plano. A gente muda tudo de uma vez, pensou. Melhor do que a conta-gotas. Tem de puxar o curativo de uma vez só, essas coisas todas meio clichê que a gente adora falar. Ela tinha puxado o curativo. Mas tava ali, em carne viva, de que adiantava? Ainda por cima naquela casa, enorme pra ela sozinha (por menor que fosse, parecia enorme agora). Ia conseguir, pensou. Era bem localizado o apartamento. De repente...

Passaram-se alguns meses. O apartamento, vendido. Encontrara um apartamento exatamente como queria. Menor. com jardim. Desses de primeiro andar, sabe? O jardim era meio tão pequeno que nem contava. Mas era jardim. Tinha sobrado um troco, ainda, já que o bairro era menos nobre. Mas ainda não tinha viajado. Continuava ali em carne viva. Tinha melhorado, não, essa coisa de se mudar. Olhava pro jardim e sentia falta. Daquele enorme apartamento (que nem era tão grande). Da padaria do bairro. Dele. Tantos anos juntos. Era um pouco inércia, achava. Mas ia conseguir esquecer. Um dia, pensava. Um dia acordaria, olharia pro lado e nem perceberia que faltava metade da cama. E esse dia nunca chegava. Não conseguia tirar as tais férias. O chefe já estava incomodado. As colegas também. Fazia mais de dois anos que ela não tirava férias, daqui mais um pouco.

Comprou a passagem. Um mês de férias. Péra, quatro semanas viajando? Será que aguentava sozinha? É, tinha decidido ir sozinha. Sem ninguém para tentar consolá-la. Pra lembrar a razão da viagem. Estava indo meio obrigada, é verdade. Mas tanto falaram, tanto buzinaram no seu ouvido que precisava deixar tudo pra trás que estava indo. Se duvidar, nem voltava. Claro, isso não contou pra ninguém. Melhor não. Fez as malas. O máximo possível, no menor espaço possível. Mas aconteceu uma coisa. Quando tava saindo pro aeroporto. Ele ligou...

Claro que ela embarcou assim mesmo. A vida precisa sempre seguir em frente, né? E seguiu. E olha. A melhor coisa do mundo. Melhor do que sexo. Do que sorvete. Do que passar a tarde na praia. O maior prazer do mundo foi atender aquele telefonema. E reparar que. Podia viajar. Podia sair. Não ia mais olhar pro jardim e achar que faltava algo. Obrigada.

3.11.12

abri os olhos e não tinha nada. nada. de olhos fechados, tanta coisa me acontecia. mas abertos, toda uma realidade me toma e tudo some. quero fechar os olhos. e me jogar na irrealidade. nas pernas que me vêm em sonhos. nas mãos que me tocam no meio da noite. mas hoje não posso. a vida não deixa. hoje, nada de pernas entrelaçadas. nada de me sentir desprovida de peso. nada de boca, mão, língua, sexo. hoje a realidade sou eu e a tela do computador. os olhos abertos. hoje o prazer precisa estar só nas palavras. e não quer estar. o desejo sobe pelos dedos. passa pelas pernas, coxas, por todo o corpo. e eu quero fechar os olhos. e me deixar levar. e eu não posso, e sou lembrada disso. e abro os olhos. e a tela. e o texto. mas o que eu queria. era fechar os olhos...
um dia me somem as interrogações. será? acho que só no dia em que conseguir sair da primeira pessoa. me apeguei à primeira pessoa faz muito tempo, sabe? como se fosse me perder se saísse dela. não deve ser verdade. mas ainda não sei. olha ela aqui. me prendendo. me segurando. quantos "eu" podem ser escondidos em um só parágrafo? quantos "eu" preciso para não sair voando? ou ao contrário: como me livrar de todos esses "eu" e conseguir voar?