24.7.16

não sei de nada

eu sigo não sabendo de nada. cresci achando que sabia, veja bem. a cada dia que estudo, sei menos. tô mais cansada. sabendo menos. eu sigo sabendo de nada. sigo buscando algo que não sei. seguirei buscando.

não me leve a mal. eu sei estudar. isso eu sei. sou boa em sentar a bunda e ler horas a fio. escrever sobre o que li. analisar. buscar coisas novas. eu gosto disso. tenho enorme prazer em falar sobre o que eu estudo. me incomodo quando não posso. sou chata. sou ranzinza, na verdade. mas enfim. é o domínio do que eu sei. eu sei falar sobre estudo. eu sei estudar. eu sei discutir e conversar.

o domínio do que eu não sei. e convenhamos, aos 40 anos, jamais saberei, é o das relações pessoais. sou um desastre. hora falo demais, hora falo de menos. hora entendo tudo errado, hora chego perto demais de quem não devia, e vez em quando sumo quando não devia. eu sou um desastre.

e acho que na verdade, todos somos. e seguiremos sendo. porque a vida da gente não veio com manual de instrução. mas de vez em quando tudo parece que dá certo. que se encaixa. e a gente segue esperando esses momentos. indefinidamente.

15.7.16

janis

o filme da janis. a história dela. como é triste. perceber que o buraco nunca é preenchido. nunca. que se tenta reiteradamente preencher. e ele segue esvaziando. o buraco segue voltando. e cada vez maior. e cada vez maior. a tristeza. o desamor. o buraco. enorme. enorme.

daí tem duas coisas. o buraco e quem permite o buraco. o buraco a gente tem. uns mais, outros menos. é aquilo que diz que você não merece. que você não é amado o suficiente. e nunca é suficiente. que você não é bom. e nunca vai ser. com o buraco. a gente tenta lidar. e vez em quando não dá pra lidar. vez em quando a gente se afoga nele. e faz parte da vida. e a gente sente culpa por se afogar no buraco. mas a gente na verdade não precisa se culpar. só precisa dar um jeito de lidar com o buraco. cada um tem o seu. comida. terapia. remédio. o dela era a droga. a droga e o palco preenchiam o buraco. quem sou eu pra dizer que não? só fico triste dela não perceber que tinha mais do que tinha.

e quem permite. não é só quem tem o buraco. é quem tá em volta e vê o buraco consumindo e não segura a mão. e não avisa que o outro tá se afogando. e não diz pra parar. o documentário fala como se a única pessoa assim fosse a tal namorada que foi a woodstock. mas todo mundo ali (menos o pobre namorado que não conseguiu mais estar perto) foi isso. todo mundo que usou ela. que não percebeu. que achou que era só temporário. nunca é. o buraco é companhia pra vida. ele não vai embora assim. e alguém precisa avisar a gente. que não repara sozinha. que o buraco tá maior que a gente.

13.7.16

o primo

precisamos falar sobre o primo. o primo que tá na sala e todo mundo finge que não existe. chama áfrica. ele tá aqui faz muito tempo. ele é parte do que nós somos, para o bem ou para o mal. e muita gente finge que não tá aqui. finge que não precisamos falar disso. afinal, temos negros na sociedade, é um fato. pra que falar sobre isso?

fui apresentar trabalho na argentina e me impressionei com a alvura da população. com a tentativa de ser ocidente. e me choquei com isso e me incomodei com não falarem. sobre a herança. sobre o genocídio deles. sobre o branqueamento.

mas na verdade mais verdadeira, o que tenho percebido cada vez mais é como nós, aqui, brasil, país que tem salvador. que tem enormes contingentes de adeptos de religiões de matriz afro. que tem carnaval. samba e axé. como nós fingimos que não temos nada a ver com a áfrica. não precisamos falar. tá resolvido.

não tá nada resolvido. não tem nenhuma ligação feita. tentamos apagar e branquear uma por uma. tentamos ainda efetivar o genocídio. no fundo no fundo, acho que muitos invejam a argentina, por ter sido bem sucedida no que falhamos. branqueamos a cultura. branqueamos a história. só falhamos em branquear a população. mas seguimos tentando.

não, cara. a áfrica é parte da nossa história. tem que ser. porque é dali que nós viemos. a europa não é e não deve ser o centro do nosso mundo. temos essa sorte. de não sermos ocidentais. precisamos aproveitar isso. precisamos levar adiante o nosso devir negro. precisamos saber o que se passa fora da europa. é urgente. é urgente porque precisamos interromper o genocídio. e isso faz parte dessa interrupção. faz parte olhar pra trás e saber de onde viemos. você já olhou hoje? é importante saber. quem a gente é. eu canso de falar que não sou planta pra ter raiz. mas eu sei de onde eu vim. e isso me ajuda a saber pra onde eu vou.

o brasil veio disso daí. da escravidão. da áfrica. de um sistema cruel e desumano. não só utilizamos, como fomos mercadores de escravos, e fomos escravos. entreposto. o porto do rio, o cais do valongo, foi o maior porto escravagista do mundo. o primo tá na sala. a gente precisa falar dele. sob a pena de jamais podermos saber pra onde vamos.

11.7.16

você

eu sonhei com um nome para você. como se você fosse algo além de um rapaz que eu já vi na rua e achei interessante. como se eu te conhecesse. você tinha um nome. e a gente conversava. e você seguia interessante. eu gostei do meu sonho e sei que amanhã eu não vou mais sonhar com você. porque só fiz isso porque te vi ontem na praça. mas é gostoso colocar isso. falar isso. eu sonhei com você. e na verdade a gente só conversava e eu sabia o seu nome. o sonho era banal. e eu sei que seguirei sem saber quem você é. porque não temos amigos em comum. porque quando pensei que podia chegar e tentar puxar conversa, sua amiga, uma menina muito bonita, mais nova que eu mais de década, certeza, se interpôs no caminho e deixou claro que o território não era meu. eu passei da idade de querer provar o contrário. eu só sorri e saí de perto. fiquei num espaço para te ver. mas sem entrar no espaço dela. eu não sei o que ela quer. nem o que você quer. você me pareceu flanar ali. flertar com qualquer semovente. eu acho isso interessante. pessoas sedutoras. que não sabem sair desse papel. na verdade eu acho que é interessante só observar isso. é meio engraçado ver o gasto de energia. as caras, os abraços, as mãos, os movimentos de corpo. a sedução é uma arte que eu não domino. mas que admiro muito. aqui, do alto da minha dureza e falta de jogo de cintura, eu acho lindo quem sabe seduzir. aplauso e rio. não precisa gastar seu repertório comigo, não. mas me deixa ficar olhando de longe e me divertindo criando toda essa narrativa inexistente pra sua vida. que é muito divertido criar narrativas.

10.7.16

meninas

eu não devia, mas não paro de assistir gilmore girls em cada minuto que não trabalho ou não tenho eventos sociais imprescindíveis. cada momento que eu não vejo as meninas eu acho que errei em algo. então eu estou neste momento em algum ponto da segunda temporada e penso algumas coisas, ao rever em ordem e já conhecendo a história inteira.

1. amy sherman palladino é maravilhosa e realmente pensou no arco completo de cada um dos personagens desde o primeiro episódio. todos, até os doidivanas de stars hollow tem passado, presente e futuro, tem crescimento, são influenciados pelos acontecimentos. enfim. e dá pra ver, ao reassistir as cenas, onde ela quer chegar com aquilo. dicas o tempo todo, por exemplo, que o dean é um machistinha chato. que ele acaba sendo. que lorelai e luke terão futuro juntos. que emily sabe que errou e só quer conseguir consertar.

2. diante disso, cada personagem tem seus erros e acertos. rory para crescer escolhe um homem errado depois do outro. sabemos que a última temporada não era o que amy sherman-palladino queria. mal posso esperar pelo fim que ela queria para rory. para saber se ela tiraria o logan da história. se ela deixaria a menina solteira. se ela faria a menina aprender alguma coisa com logan. como aprendeu com jess e com dean. tudo ali é aprendizado pra personagem que começa com 16 anos. quero saber de lorelai também. e de luke. também de emily. como o tempo as ensinou. ansiosa por setembro.

3. em último, mas não menos importante. é um seriado sobre mulheres. meninas, como diz o título. é um seriado feito por, para mulheres. com personagens mulheres. sobre amizades entre mulheres. é um seriado mulherzinha. com tudo de bom e de ruim. com amizades adultas e adolescentes. com universo feminino. com homens que aparecem e somem. com trabalho, relações, crescimento, peitos, cores, saias, risos, álcool, cabelos, maquiagem, casamentos, separações. mas que não quer saber como os homens se sentem. somos nós, mulheres, ali na tela. ok. mulheres de connecticut talvez sejam um tipo específico de mulher. mas podemos nos identificar. com a cdf que não sabe lidar com meninos (oi, meu nome é antonia e eu sou uma paris). com a menina que quer ser perfeita porque acha que a mãe é uma doidivanas. com a mulher que quer consertar tudo porque foi uma adolescente rebelde. com a mãe que quer se reaproximar da filha. com a profissional que se apaixona. com a menina que não sabe lidar com a mãe severa. com a mãe severa. com a professora de balé. com a namorada que percebe que o namorado não gosta mais dela. cada uma delas é uma mulher inteira. e isso é raro na tv. e a grita toda, gente. tanta gente revendo. é porque é bom demais se ver na tela. desculpas, eu sei, tem parte minha que só gosta de lembrar de quando eu tinha 10 anos a menos. mas eu nunca vi gilmore girls jovem. eu já era velha. eu já sabia que a rory era chata. eu só curtia, como curto, ver mulheres como protagonistas. da vida delas.

6.7.16

escarlate

tem esse livro, né? a letra escarlate. hester com sua letra escarlate bordada. para sempre. por um erro pregresso. ok, a gente sabe que não é pregresso. mas ela vai presa. ela paga. e segue com a letra escarlate. ela é ostracizada. e segue vivendo com a letra vermelha bordada. adúltera. fora do padrão moral da sociedade. deve ser sempre lembrada do seu erro, jamais podendo voltar a uma vida comum.

a gente acha que o mundo mudou. que passamos a aceitar mais a diferença. que... enfim. daí aparece uma pessoa que errou e todo mundo sai correndo para pregar a letra vermelha na testa. cada um apegado à sua moral, que certamente é a mais correta. mas cuidado: se for gay, vai ter letra na testa. se escorregar num comentário, vai ter letra na testa. se usar a roupa errada. letra na testa.

e seguimos repetindo isso. como se ainda estivéssemos no séc. XVII. tirando do nosso convívio e marcando a ferro e fogo qualquer um que não esteja de acordo com a nossa moral. não é apenas questão de não querer estar perto. é de querer que a pessoa seja alijada da vida do comum. porque ela é tóxica. ela não deve poder andar com os outros, os puros, os que aprenderam a moral dos tempos. é um tanto puritano o pensamento.

eu que penso que moral é hiperestimada. eu que não sou boa. eu que erro tantas vezes. eu que não sei me comportar (nem namorar, mas isso é outra história). eu tô pedindo aqui. coloca a letra vermelha aí na minha testa preventivamente e me larga. me deixa ir ali fazer o que eu quero. eu vou pedir desculpas quando achar que falei bobagem. ou que errei. mas eu sei que pra vocês isso não vai ser nada. não vai adiantar. então me deixa aqui com a letra na testa. se duvidar, tatuo de uma vez.

5.7.16

não

faz isso não. não assim. assim me constrange. você não fica moderno e descolado. você me constrange. é. eu sei. eu jogo uns nomes. eu falo em teorias. imagina o pecado. eu detesto parecer que falei as coisas do nada. eu pensei antes de falar. eu trabalho com isso, sabe? não, você faz o que quiser da sua vida. eu estudo. eu não sou melhor por isso. só conheço isso daqui. certeza que você conhece mais o seu trabalho do que eu. sei nada de construir casas. de arquivar coisas. de cálculo. sou uma besta em um bando de coisa. não, cara. para. não existe gente culta. porque cultura todos temos. cada um tem a sua. tem o seu saber. para. eu sei algumas coisas. sei que reforçar estereótipos é uma espécie de racismo. mesmo que sejam estereótipos positivos. a gente reforça que a pessoa é para o que nasce. e ela não é, sabe? a gente é para o que a gente se faz na vida. apesar de eu estar aqui sendo o que eu nasci para fazer, depois de muito esperneio, a gente não deve se fechar nisso. nem achar que o outro deve se fechar. a gente é para o mundo. para o que a gente vai construindo aos poucos. aos pouquinhos. com o que nasceu. e com o que os outros trazem pra gente. lembrar de não se fechar pro que os outros trazem pra você. e vez em quando a gente faz merda. e fala idiotia. e devia ter mantido a boca calada. e morre de vergonha. mas cara. faz isso não.

isso também vai passar.

tem isso em inglês. "this too, shall pass" isso também vai passar. é aquela coisa. tem coisas que magoaram a gente. que deixaram a gente parado num passado que não devia prender. tem coisas que nos angustiaram, irritaram, entristeceram, enfim. mas vai passar. porque chega uma hora em que o vazio substitui. e você vê a pessoa na rua. e na verdade você demora a lembrar quem é. e fica criando uma outra narrativa para você. melhor do que admitir. que passou. e esse vazio ficou. e você precisa arranjar outro incômodo. que esse. já era.

sabe aquele cara que te fez mal? aquela menina que foi babaca? aquela festa em que você pagou o mico da vida? o problema de saúde que demorou a sarar? o luto pela morte de alguém querido? tudo isso vai passar. tudo isso vai de repente ser uma lembrança. uma narrativa como a de qualquer livro. um carinho sobra. uma nostalgia do que a gente efetivamente viveu. uma felicidade de se perceber, apesar de tudo, viva.

até lá. até passar. a gente esperneia. corta cabelo. pinta cabelo. deixa as pernas cabeludas. depila mais do que devia. vê filme no netflix 4 dias seguidos. malha feito louca todos os dias. não sai dos livros. chora. bebe. mas passa. e quando passa. a gente se sente bem de ter feito tudo isso. porque tudo isso. o choro, a tinta, a cera, o filme... tudo isso ajudou a passar.

e isso daí, amore. isso daí também vai passar. e a gente vai se abraçar e rir vendo o pôr do sol no arpoador. dar um mergulho no mar de verão. e ir pra casa dormir o sono dos anjos. sonhando com coisas que ainda não passaram.

1.7.16

mel

hoje eu tomei iogurte com mel.

não sei se é a lua. se é algum conhaque. mas ando nostálgica e um pouco comovida. lembrando de quem não está mais comigo. iogurte com mel me lembra a minha avó. pra quem não conheceu. ela era linda. mais bonita que a ingrid bergman. linda. ela ria e a sala parecia mais leve. não era de riso frouxo, era uma pessoa séria sobretudo.

ela gostava de algumas coisas. e se vocês me verem comendo ou fazendo elas. podem saber que faço em homenagem. em memória. ela gostava de iogurte com mel. de caldinho de feijão antes do almoço. de pimenta. até chorar com a comida. gostava de silêncio. e eu tive muito ciúme quando vi que os netos mais novos podiam fazer barulho. a idade a deixou mais suave. ou cansou de ralhar conosco, não sei.

ela gostava de roupas. extravagantes. o que é bonito tem de ser visto, ela dizia. não nascemos para nos esconder. para passar desapercebidos. ela gostava de chopp. isso eu só descobri depois. eu achava que ela gostava de beber só o vinho, só em família. um dia ela reclamou que eu nunca a chamava para beber com ela. e lá fomos nós num boteco. comer bolinho de bacalhau e beber chopp e conversar besteiras. eu com 20, ela com 70. algo assim. conversando sobre moda. sobre cinema. ela gostava do bergman e de cinema iraniano (eu detesto cinema iraniano).

avó todo mundo tem duas, eu sei. e avô também. eu sei que eu tive os 4 de praxe. um morreu muito cedo. o marido dela, que ela amou tanto, amor que conheceu nas cartas. os outros dois eu nunca tive tanta proximidade. ela era a Avó em caixa alta. e eu tive o prazer dela perto muito tempo. mas ela ainda faz falta. tinha coisas que eu penso. que eu sei que só ela entenderia.