23.4.14

ilha


Alice passou a infância naquela ilha. O pai tinha uma casa ali no canto, sabe? Agora voltava sempre que podia. A casa do pai era meio caindo aos pedaços. Quase uma casa fantasma. Enorme e vazia. Ela ia por vezes sozinha. Por vezes com amigas, ou com algum cara com quem estivesse saindo. Era o caso. Mas era estranho. Porque se conheciam fazia pouco, e Cláudio meio que tinha se convidado. Ela queria estar sozinha.

Mas tudo bom, também. Ele era bacana. Ela também não podia ficar nessa de nunca mais deixar ninguém ir ali. Enfim. Era hora de abrir alguma porta, essas coisas cafonas de autoajuda e tals. Depois, era só um dia sozinha com ele. No dia seguinte chegariam os amigos. Nem um dia. Chegaram no fim da tarde, começo da noite ali. Ele estava com frio e não parava de perguntar que ideia de jerico era aquela de ir pra Angra naquele frio. Ventava. Não tinha aquecedor. Era úmido pra danar.

Alice riu. Angra no frio era melhor. Era só dela. Era sem multidão. E a multidão de Angra é das coisas mais desagradáveis. hordas de pessoas disputando pela melhor lancha, o biquíni da moda, o corpo mais em forma. Ela não se sentia muito confortável. Na chuva, não. Era ela a maluca que pegava o barco na chuva. que chegava encharcada na ilha. Que punha um moletom velho (e só em Angra ela se vestia largada assim) e ficava lendo naquele salão enorme. Frio com o vento entrando, já que nenhuma janela fechava direito.

Cláudio tentou. Fez jantar. Lavou tudo. Arrumou a cozinha. Alice na verdade continuava incomodada com ele ali. Acabou de jantar e fez o velho ritual da vida. Um chá. Um livro. No vento. Na varanda. Cláudio riu. Percebeu que era um intruso ali. Na verdade, nem sabia muito bem explicar porque tinha decidido ir na véspera, não com o resto do povo. Com Joana, sua amiga. Sabia que Alice tinha feito ele voltar a pensar em sair com alguém. Sabia que queria estar com ela. Meio que sabia porque tinha ido. Mas percebeu, que não era idiota, que estava ali ocupando um espaço estranho. Que de certa forma ela não queria ocupar. Simplificando, ele forçou a barra. Daí tanto cuidado com o diacho da cozinha. Com camarões (ela adora frutos do mar, inda mais na ilha). E ele queria conhecer Alice. E entendeu que de algum jeito aquilo ali também era ela. Um lado meio errado dela.

Olhou pra ela encolhida naquele sofá na varanda. Como se tivesse sei lá, cinco anos. Esperando alguém ali. Pegou um chá pra ele também. Um livro. Sentou ao lado dela. Cuidadosamente sem invadir o espaço. Alice olhou. Riu dele tentando ser invisível. Daquele tamanho todo. Se aconchegou nos braços dele. Percebeu como ele era confortável. Dormiram ali. Acordaram com os amigos berrando felizes com o sol brilhando no mar. Ainda do barco ao longe.


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