12.11.13

Biscoitos

joana acordou com o cheiro. Cheiro de cookies de chocolate. Com nozes, por favor. Fazia anos que aquele cheiro não invadia a casa. Mentira. Fazia anos que ela não estava ali. Fugia sempre. Era incapaz de chegar e falar pra família que simplesmente não queria passar o natal com eles. Cada ano arranjava um trabalho, uma viagem, algo que impossibilitava a sua volta. Naquele ano, não arranjou nada. Não sabia se tinha sido sem querer. Ou se eram saudades simples. Mas tinha pego o avião. E tava ali. Com irmãos, mãe, primos... E com o cheiro. Sua mãe tinha essa mania. de acordar cedo, cozinhar pra um batalhão. Como se fosse resolver a fome da África com seus biscoitos. Ou toda a dor das pessoas queridas. O que viesse primeiro.

Engraçado que morava na mesma cidade. Mas era doloroso estar ali naqueles dias. Já tinha morado fora. E daí as desculpas eram simples. Falta de grana pra passagem. Acontece. Mas nos últimos anos tinha simplesmente saído. Passou dois na casa de um namorado. Se sentiu peixe fora d'água. Aquela pouca comida tinha incomodado tanto. Vontade de entrar ela na cozinha e fazer os mil pratos da família. Daí começou a achar que era hora de voltar pra casa. Percebeu que, mais do que a eterna preguiça de estar em família, estava com saudades de estar em família. E com a família dela. Tava passando da idade de voltar, na real.

Depois da morte do irmão, não conseguiu mais. Doía aquela mesa com um buraco. Aqueles presentes que ninguém queria abrir meia noite. O presépio montado meio sem paixão. O irmão amava natal. Dava prazer ajudar ele ali. Joana ainda não sabia lidar. Nunca soube lidar. Com essa falta enorme. De tudo. Na falta de saber lidar, a fuga. A fuga ano passado tinha sido espetacular. Talvez porque soubesse que era a última. Pegou o avião dia 24. Foi visitar uns amigos em Paris. Emendou com Madri. Londres. Lisboa. Verdadeira volta ao mundo. Torrou as economias. Trouxe presentes. E lá em Paris, na verdade, lembrou do bacalhau. E da mousse. E dos cookies. E do banquinho do lado da cama da avó. Sentiu saudade das asneiras do tio chato.

Então voltou pra casa depois da viagem. E aquele namoro que já ia mal das pernas (onde já se viu, dar tchau pro namorado dia 24, avisar que vai fazer isso dia 20, e só voltar mês e meio depois?) terminou mesmo. Era insuportável pra ela a família dele. O cheiro dele. Como caralhos tinha namorado alguém que cheirava tão mal? E lembrou que amava estar solteira. E foi pros shows com as amigas. E se pegou simplesmente conversando. Pés na areia. Até o sol raiar. Falando sobre o futuro. Que ainda podia vir. E percebeu que ainda tinha futuro. Talvez pela primeira vez em dez anos. E decidiu que tava tudo bem. E que não ia mais fugir.

Entrou no shopping num dia de dezembro. Sem perceber, foi direto pra loja predileta do irmão. Sentou num daqueles bancos de shopping e chorou. Chorou o que não tinha mais sido. E se percebeu frágil. E ligou pra mãe.

– Mãe, nem perguntei, tá faltando algo pra ceia?

Nenhum comentário: