17.2.17

desejo

quando eu era mais nova. diziam que eu conseguia o que queria. que eu tinha força. que eu ia atrás. que... enfim. eu me sentia culpada. eu me sentia buscando o que não era meu. eu me sentia forçando a barra. e ficava essa voz na minha cabeça. você buscou o que não era seu. você atropelou as pessoas. você não respeitou as pessoas. ficava ali ruminando. e eu parei. não corri atrás. fui tentando me esgueirar.

daí a tal da idade chega e você lembra. eu não sei me esgueirar. eu sou atrapalhada, atolada, grandalhona (ok, nem tanto, mas definitivamente espaçosa), eu sou extravagante e talvez um tico assertiva demais. se eu tentar me esgueirar. eu fico sem nada.

então eu lembrei disso daí: eu consigo o que eu quero. e voltei a exigir. pedir. correr atrás. claro que eu me importo com as pessoas. mas eu tenho o direito ao meu desejo. é só tentar um meio termo daí. só não dá pra tentar ser o que não sei ser.

15.2.17

obsessão

isso daqui não é sobre a obsessão de sempre. não. nem é tão pessoal quanto outros textos. apesar de ser desabafo. isso daqui é sobre outras obsessões. a ver onde elas nos levam.

a primeira vez que ouvi alguém falar que não comia glúten foi uma amiga minha. a essas alturas, ex amiga. que diziam que parecia comigo. eu chega fico assustada com como devo parecer tonta e ansiosa pra quem disse isso. mas enfim. essa amiga parou de comer glúten. ela é uma flor. muito querida. mas muito ansiosa e um pouco obsessiva. bom. quis emagrecer. a dieta previa não comer glúten e lactose. perdeu muitos quilos. num aniversário meu fui insistir para ela ir no bar. era um bar novo, com cerveja especial. ela me respondeu que não. porque não ingeria mais glúten e guardava os dias de tomar cerveja para ocasiões especiais. bom. eram meus 35 anos. eu jurava que era especial pra quem me conhecia fazia 10 anos e sabia de toda a minha vida até então.

ela perdeu 10kg, ficou certamente se achando mais gostosa, e perdeu ao menos uma amiga. não por não sair mais pra beber. pelamor, eu tomo café, eu ando na praia, eu bebo água, eu como salada com suco, eu faço qualquer programa com amigos. mas perdeu porque entre a obsessão dela pela dieta e a amiga, ela ficou com a obsessão. pena. a gente perde pessoas pelas razões mais bobas. e vez em quando é só lamentar e seguir adiante. e sim. mesmo sendo saudável, mesmo ela nunca tendo sido magra demais, mesmo assim, era uma obsessão. como antes foram outras. e na verdade, sendo obsessiva – quem eu quero enganar, não é mesmo? – eu tendo a ter amigas também obsessivas e normalmente isso não é o problema. o problema é quando a obsessão me joga pra escanteio de uma forma que não sei mais contornar. eu não soube dessa vez. lembro até hoje. muda. parada. na rua, indo pro bar. já era um dia complicado. o então marido tinha dito que não iria. eu já tinha tido um momento muda na frente dele. ele apareceu antes de mim. entendi nada. e ele ainda ficou zangado porque comemorei pouco a ida dele.

os dias naquela época eram nublados na minha cabeça. nada andava. e aparentemente as obsessões de todos se voltaram contra mim naquela semana. e eu fiquei muda. quando eu perco a voz. é a hora de mudar tudo. não falei antes. sou obcecada em mudar tudo. o tempo todo. só não mudo de casa. e agora vou mudar. e tô desesperada e sem voz. esperneando aqui.

10.2.17

choro

quem me conhece sabe que burocracias me angustiam. descobri hoje que não tinha mudado meu endereço no banco do brasil. a senha não funcionava fazia meses e eu ignorava por preguiça. papéis tinham de ser mudados e assinados e eu ficava olhando como se olhar fosse mudar todas as datas e informações. não é que eu seja informal em si. ou que seja falta de atenção. é um problema neurótico que eu preciso conseguir resolver e não consigo. sou capaz de chorar meia hora antes de mexer uma data em um documento, preencher um formulário. como se a pergunta "nome" fosse impossível de responder.

daí eu quero coisas que dependem de burocracias. e fico angustiada, represada, paralisada. chorando olhando para a tela do computador, como se nada pudesse ser resolvido jamais por mim. incapacitante a paralisia. como não sou mais criança, chorando preencho papéis. chorando tomo conta do que preciso fazer. chorando engulo e resolvo ligando e falando no telefone – outra dificuldade angustiante – uma semana pra resolver o que podia ser feito em um dia. 41 anos o que podia ter feito em 20.

a vida cobra da gente as nossas falhas e neuroses. eu não vou mais deixar a conta ser tão alta. mas sem o choro. ah, sem o choro, não vai, não.

13.1.17

Tempo de estio

Essa é uma postagem sobre música e cidade. sobre uma música e uma cidade.

fazia tempo que eu não ouvia tempo de estio. e eu sou uma dessas malucas que ama o verão do rio. amo a cidade lotada, infernal, barulhenta, quente. eu nunca soube explicar com algo além do incerto "amo o frisson" e sigo sendo a maluca que acha divertido e espera o verão. como se ele fizesse alguma diferença, diriam alguns. faz, eu digo. toda. tem um sorriso na cidade. nos turistas fascinados. nas praias lotadas. no mar transparente e gelado. tem um sorriso nos sambas no fim da tarde e nos botecos que ainda cobram 7 reais a garrafa. andar de chinelo e short 3 meses. (ok, eu trabalho em casa/na faculdade). é tudo muito além do que eu posso pedir.

daí eu fui ouvir o disco novo da Mart'nália. e eu acho ela maravilhosa e fantástica herdeira de tudo que é isso daqui também. do calor, do chão, do samba, da praia, do português chiado, do chinelo. e ela canta tempo de estio. e o tempo de estio é o verão do rio de janeiro. a letra. define exatamente como é o amor pela cidade. eu vim pela rua ouvindo nos fones. e dançando feito maluca pelas laranjeiras. com sorriso aberto. (e certa saudade da praia, nesse dia de chuva)

Quero comer, quero mamar
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas
O Rio está cheio de sol, Solanges e Leilas
Flavias e Patrícias e Sônias e Malenas,
Anas e Marinas e Lúcias e Teresas,
Glórias e Denises e luz eterna, Veras
Rio, tempo de estio, eu quero tuas meninas
Eu quero tuas meninas

Quero comer, quero mamar
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, tempo de estio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas


https://open.spotify.com/track/7sBdYYQxdjkXzlqJ1n7NDq

9.1.17

pele

– você não parece a sua idade

teimo em não saber que diabos isso quer dizer. acho que é falado como elogio. suponho que a intenção seja associar beleza a juventude. ou juventude a algo bom. e eu não devo mais ser jovem. eu não aguento mais fisicamente o mesmo tanto. o rapaz ontem dizia que ele se sentiu velho quando eu disse que precisava ir. ele não entendeu que ele sustentou até meia noite. eu voltei nove da noite pra casa com alguma insolação e muita dor de cabeça. mas eu não pareço a minha idade.

eu não pareço a minha idade e as pessoas acham que eu sou só mal humorada. eu sou ótima. uso do sarcasmo como defesa quando não quero intimidade e não me importo com os bolos que levo, porque sou igual. eu não sei ter raiva de algo dois dias depois que aconteceu. não é que eu esqueça. é que sinceramente eu tenho mais o que fazer – literalmente também. tô aqui cheia de papel pra preencher e perdendo meu tempo escrevendo isso.

tudo isso pra dizer que me assusto quando vejo mil tratamentos de pele, de cabelo, de celulite, de sei lá que cacetes. eu não consigo passar remédio que a dermato manda todo dia. eu tenho espinhas como uma adolescente e as poucas rugas não se criam. ter cara de menina, como dizem, associando a juventude ao bom, parece que tá mais ligado a ser quem eu sou que a um suposto remédio contra a idade.

eu aceito a idade, apesar de resmungar. resmungo porque queria voltar meia noite do carnaval e sem dor de cabeça. resmungo porque queria dormir duas horas por noite e dar conta do trabalho. porque queria ter força física e talvez meu corpo dos 20 anos. talvez eu estivesse magra demais. não lembro ao certo. lembro da força e resistência. eram maiores. resmungo. mas a idade me traz um bando de coisa que eu não tinha. ela me traz planos, que eu não tinha aos 20. me traz calma, que eu não tinha nem aos 30. os 40 me trouxeram um futuro. que eu não tinha antes, e daí tanta ânsia.

talvez, apenas talvez, a pele só se adeque aos planos da pessoa. enquanto a gente tá aí pensando e criando o futuro. ela tenta estar do nosso lado. experimenta desistir....

12.12.16

luto

quando meu irmão morreu. eu tinha 22 anos e estava saindo da faculdade. e estava sem emprego e sem nenhuma perspectiva. e sinceramente querendo jogar tudo para o alto e sei lá. não, eu só queria jogar tudo para o alto. enfim. no meio daquilo tudo. minha mãe decidiu que a gente precisava trabalhar. era o jeito dela de encarar o luto e eu concordei. e eu fiz com ela o livro sobre ele. diagramei, imprimi, encadernei. chamei os amigos. ficávamos no jardim da casa da tia colando e costurando o livro. e aquilo por muito tempo ficou sem que eu entendesse o propósito. eu fizera pela minha mãe, mas não entendi. luto pra mim era o que eu tava fazendo com o fim da faculdade e das certezas da adolescência: ficar trancada no quarto calada.

daí eu perdi avó, outra avó, amigos. e segui meio sem entender. mas fazendo. luto se trata quieto, em outros momentos, o trabalho leva a gente. a comunidade leva a gente. depois eu lido com isso. e ia segurando a mão dos que pediam. estando longe do que pediam. porque eu ia entendendo que luto era isso individual. que cada um consegue fazer ou não.

daí hoje eu tô aqui olhando pras perdas e ganhos de uma vida. e entendendo. luto é trabalho. é poder elaborar e seguir adiante. é carregar nas pernas os que vieram antes. é ter na cabeça os que me antecederam. luto é parte integrante da vida. desde sempre. e é importante pra mim esse andar mesmo que. não me peçam mais para parar. eu entendi que. se eu parar e for ali pra dentro do quarto. dali eu não saio nunca mais. cada um elabora do seu jeito. se permitam elaborar. mas permitam a comunidade ao seu redor. permitam o cuidado que os outros querem ter. permitam estar com os outros. porque só daí. só dos outros. podemos criar de novo a nossa vida.

8.12.16

Mãos

Maria estava enlouquecida de trabalho. Com o golpe (gente, não dá pra respirar com o golpe). Com estudo. Maria estava cansada e não conseguia nem pensar em nada. Sobretudo não em rapazes, como tinha perguntado uma tia na festa de natal.

Foi no trabalho porque precisava ir. Falou com os colegas porque precisava falar. E daí de repente olhou pras mãos de um colega que veio falar com ela. Mãos de velho. Pensou. E não pensou mais nada depois.

6.12.16

desgarrada

talvez me defina. porque não é que eu não tenha grupos. é que ativamente eu não participo deles. eu saio pela tangente. em alguns eu fico triste de ter sido colocada na berlinda. normalmente eu fico. mas eu reconheço. que quem faz o primeiro movimento de ir ali ver outra coisa. sou eu. lembro quando eu brigava com ex marido. "como assim eu saí e você ficou o dia inteiro sozinha em casa? e aqueles seus mil amigos?" e eu respondia "seguem estando ali. sigo amando eles. não gosto de ver gente quando eu não estou bem" isso segue sendo verdade. sigo sendo alguém que só pode ver gente se eu começo o movimento. que preciso me esforçar para aceitar um convite e ver gente. mas eu gosto de grupos.

eu ainda falo com o grupo da escola. o da faculdade. o da pós. o do mestrado. eu tenho amigos da internet discada. da internet de hoje. eu faço grupos. eu viro o centro. outro dia uma professora me chamou de "agregadora". eu chamo e coloco debaixo da asa. e tomo cuidado pra não virar uma protetora dos frascos e comprimidos com os meus. mas tem um egoísmo meu insano de precisar ser tudo no meu tempo. e eu preciso estar bem. quando eu estou mal o número de vezes que a palavra eu é falada por mim é desnecessário. o tanto que eu exijo do outro é impossível. o que eu quero nem eu sei. eu preciso estar pronta para doar. porque eu não sei receber.

o texto se alonga. eu sigo desgarrada. amando cada um dos grupos. e me reconhecendo como parte deles. eu estou ali. eu participo ali. eu sei. mas eu sou desgarrada. eu sou a borboleta que aparece vez em quando. que bordeja. que some. e que volta. eu volto. e daí eu posso até ouvir que eu sou desgarrada e escapo deles. mas eu sei que é amor.

4.12.16

noite

eu sempre gostei de boîte. de noite. lembro de ter tentado entrar na kitschnette. não consegui. tentei na dr. smith. não consegui da primeira vez. eu era uma moleca quando pedi pra ir com a prima no barão com joana. sempre fui novidadeira. é aquariana, as amigas horóscopo diriam. enfim entrei na dr. na smith, decidam. eu tinha acabado de fazer 17. ia direto. depois eu fui na sweet home, bang, bunker, nas 3 casas da matriz, no bukowski original, no kalesa, num outro treco que tinha ali na zona portuária. eu ia no baile charm da fundição e ia tanto que o segurança me punha pra dentro sem a fila. eu sempre gostei de noite. ia em todos os forrós da cidade. no ballroom, no malagueta, em santa tereza. enfim. novidadeira.

nessa da novidade, eu nunca passei muito tempo num pouso só. me enjoa. só volto pro samba. pro samba eu volto sempre, não se preocupem. eu sou novidadeira em samba também. cato onde tem um novo, procuro com os amigos quem conhece samba novo. enfim. mas no samba eu fico. no maracatu, nos tambores. é como achar meu lugar. tô bem aqui. é o que curto mesmo. pra que buscar mais novidade? e daí tem a coisa. que eu achei que nunca ia acontecer. das coisas que eu gosto do samba é que pode ser de dia. eu, que sempre fui da noite. enfim. a gente muda vez em quando.

e daí ontem a amiga fez aniversário e me chamou pro bukowski. e é amiga, eu vou. e eu não lembrava porque eu tinha desistido do circuito de boîtes e similares. gente. eu me incomodo com. a música alta. com tocar as mesmas músicas de quando eu tinha vinte anos (apesar de dançar absolutamente todas aos berros. tocou sweet dreams, o que sempre é motivo pra comemorar). mas né? o bukowski nesse sentido é ok. o  bar é limpo. comida decente. espaço amplo. tem até jardim (não se enganem, não é mais a casa da matriz no começo, ou o próprio bukowski no começo, com tudo improvisado mas a um preço acessível, é caro. bastante caro. um drinque 30 reais caro).

daí tem as pessoas. um rapaz beudo com uma camiseta amarrada no braço (não entendi até agora o acessório, gente) me disse que me amava depois de puxar as amigas todas para dançar. agradeci. e ele nem era feio. mas foi rápido demais, acho. uma moça, que nem todas as outras, de cabelo em chapinha e roupa curta, justa e decotada (queria eu ainda usar isso, mas hoje em dia eu fico com pudores) vira pra mim e fala "eu sempre quis ter cabelo assim, eu admiro tanto quem tem coragem de cortar" e fiquei eu olhando e agradeci. mas ela precisava falar. e falou uns minutos sobre o meu cabelo. colocando em mim coisas que eu não quero. simplesmente por ter cortado o cabelo. enfim. as pessoas.

daí que eu irei sempre que as amigas me chamarem. mas evito. locais onde me param para falar do meu cabelo. não me sinto muito à vontade onde não me misturo mais na multidão. não, eu não me iludo. eu sei que sou branca demais, cabelo curto demais, roupa estampada demais. eu sei que não me misturo normalmente. mas ali. com todo mundo de preto e cinza. com todo mundo de chapinha. me senti mais deslocada ainda. e não foi legal. um amigo me perguntou o que eu ia fazer num lugar tão hétero. lembrei a ele que eu sou hétero. então teoricamente faria sentido. mas parece que ele que estava com a razão.

15.11.16

fraca

me impressiona. seguir buscando, como um farejador. e me impressiona. eu ser fraca e frágil e não resistir a olhar de volta. e me incomodar com o que foi feito para me incomodar. me impressiona a forma como é feito. a diligência de buscar um a um. me impressiona que eu não me sinta bem para falar e me incomode ao ver um a um buscando. me cercando como se fosse me deixar sem saída. eu saí duas, eu saí três, eu saio quatro vezes. eu saio quantas vezes eu precisar.

falando isso assim, a tosse parece que quer me abandonar. o corpo parece que não quer mais brigar comigo. falando assim eu posso aparentemente retomar o controle. o controle. ele não existe. eu preciso lembrar que o controle não existe. e que o que busca não vai ser encontrado. e eu vou seguir buscando o caminho que não é mais controlado. e eu vou seguir andando e seguir fazendo. e um dia eu vou olhar pra trás e rir. e falar com leveza do peso todo que ainda sinto hoje.

a você, obrigada pela ajuda quando foi. obrigada por me fazer perceber. e vai pelo seu caminho. eu sigo aqui. fraca de vez em quando. é uma das minhas qualidades.

14.11.16

aposta

uma vez eu ganhei uma aposta que queria perder. amigo disse que leu meus posts. leu o que eu escrevia. e que eu ia me apaixonar. eu ri horrores. e disse que gostaria que ele estivesse certo. mas num levava fé nenhuma nisso. até porque, né, gente? pra se apaixonar a gente precisa conhecer gente. e eu não sou a pessoa mais conhecer gente que existe. vivo bem no meu buraco.

ele deu um prazo. 90 dias, acho. 3 meses. ao fim de 3 meses eu tava encerrando o semestre do doutorado. dormindo talvez 5 horas por dia. andando com amigos muito queridos. mas nenhuma paixão. nem sombra disso. eu gosto do que eu faço e não é muito comum presença masculina na minha vida. sabe aquela frase que geral fala que os homens são homoafetivos? que só se encontram com mulheres para sexo? pois anotem aí: eu ando homoafetiva. e nem ando encontrando com homens para sexo.

esse texto é uma exposição, eu sei. eu me exponho bastante na vida, sempre. mas na verdade é uma brincadeira. arthur, amigo. ajuda aí. vão fazer 180 dias. e nada de eu me apaixonar.

6.11.16

cachorro

sobre as mazelas da vida. como o cabelo que não para de sair da máquina: no prédio tem  dois cachorros que moram, acho, no terceiro andar. no prédio não tem elevador. moro no primeiro. os cachorros, todo dia por volta das 8h e das 20h, descem e sobem as escadas, uma hora depois, latindo. latindo todos os 3 andares para descer. latindo todos os 3 andares para subir.

eu adoro bicho. adoro cachorro, especialmente. tive bicho em casa a minha vida quase toda. quase todos os 40 anos. cachorros grandes, pequenos, de raça, viralatas, adotados, ganhos. gatos de todos os tamanhos. de todas as idades. periquitos. eu coloco garrafas de água pra passarinhos virem beber na varanda e fico sentada nela esperando as borboletas quando o tempo volta a esquentar. eu amo bichos. não do tipo que ama mais bichos que seres humanos. nada é mais legal que um ser humano, gente. nadica de nada. um ser humano dança. e pensa. e vem na sua casa no sábado de tarde cozinhar com você e falar de trabalho, de vida, de filme, de música. um ser humano crê e concorda, e discorda, e divide a cadeira e a vida. a gente ri com os outros seres humanos de uma maneira que mesmo a entrega dos bichos não pode substituir. enfim. tergiverso. eu amo bichos.

mas eu não aguento mais, gente. todo dia. chova ou faça sol. na mesma hora. dez minutos de latido. o barulho se escuta na casa inteira. outro dia esbarrei com ela. os cachorros latindo e descendo a escada. saí do caminho "não, eles só latem" cara. minha senhora. descer uma escada de pedra com eco e dois cachorros latindo enlouquece sem nada acontecer. outro dia minha mãe esbarrou com ela. "eles só latem porque não gostam do cachorro do vizinho" o cachorro do vizinho é quase mudo, gente. quase mudo. é um labrador pastel, sabe? mas aparentemente esses dois cachorros dos infernos são lindos e fofos. sou eu. é o vizinho. o meu irmão. o cachorro do outro vizinho. é a chuva. o sol. o porteiro. são os outros que fazem eles latirem. eu disse que ela berra em resposta pedindo silêncio? pois berra.

tudo isso pra perguntar a vocês uma coisa: tem algum floral. alguma pedra. algum reiki. algum cheiro no corredor. qualquer coisa. pra fazer esses cachorros se acalmarem? faz mais de ano que tô aqui, acho que ainda são jovens e terei ainda muitos anos deles latindo todo dia, de 12 em 12 horas.

5.11.16

love matters

love matters, babe. a gente anda a vida inteira tentando. ser independente. dar conta. família. amigos. trabalho. estudos. a gente vai dando conta aos trancos e barrancos e coisas vão ficando pelo caminho. e um dia, no meio do que devia estar no escaninho de estudos. a gente consegue uma coisa que parecia que não ia mais conseguir. porque tem gente que acha que passou da hora e nunca passou.

e a gente cozinha de novo pra muita gente como fazia muito tempo que não cozinhava. e abre a casa. e ri e dança. e pode abraçar e rir e ficar bem. esquecer até que tá com a roupa errada. que não gosta da roupa que tá usando. porque love matters. e se sentir bem como fazia tempo que não se sentia. porque em casa. porque no meio da confusão toda. achou outra casa. como já foi em outros lugares. e agora tá aqui. porque a casa muda. e mesmo depois dos quarenta. a gente pode descobrir o novo lugar e ser outra, de novo.

3.11.16

referências

– mas você já se acostumou?
– com que, gente?
– com esses olhares atravessados
– ih, menino, nem percebo...

eu queria dizer que é porque sou elevada. é só que eu não percebo se olham pra mim. se olham atravessado pra um amigo meu eu sou capaz de virar bicho. comigo? não olho. não vejo. não quero. tô bem. talvez isso explique minha incapacidade para o flerte. isso e o fato da cabeça estar raspada. não, pera.

ainda tem cabelo na máquina. ainda e sempre tá tudo uma zona. eu curto a zona, já disse? mas enfim. nem era sobre isso. era sobre eu não perceber. eu não vejo os olhares tortos. eu sobrevivi a roupas curtas demais, barrigas de fora demais, piercings demais. tatuagem. cabelo curto. cabelo vermelho. cabelo comprido. cabelo branco. maquiagem vermelha. boot. eu uso anéis demais. pulseiras demais. brincos enormes. o único jeito de sobreviver é não ver pra mim. a cara é feia? a cara deve ser feia. e o problema é da pessoa. desculpa. 

a gente aqui. que não quer ter o cabelo da capa de revista. o comportamento da capa da revista. o corpo da capa da revista. a gente vai levar cara feia. é um fato. cada um se defende como pode. eu me defendo não vendo. 

ainda insisto: os homens que me interessam acham mais bonito.

2.11.16

cabelo

eu sou dessas caricaturas. algo não foi bem. corto cabelo. pinto cabelo. mudo cabelo. algo foi bem. corto cabelo. pinto cabelo. mudo cabelo. meu cabelo funciona, então, como uma espécie de anel do humor. lembram disso, dos anos 90? era um anel que mudava de cor com a temperatura. em formato de smiley (que hoje em dia chama emoticon, acho) ou de yin/yang. eu tinha um de cada. eu sou uma árvore de natal de tanto enfeite.

bom. isso foi a introdução. acontece que no dia da eleição eu tinha prometido raspar se freixo ganhasse. não ganhou, mas eu resolvi raspar. pra gastar o mau humor. e deixar ele lá, enterrado, junto com a tristeza e a desesperança. a vida precisa ser leve ou não acontece. eu faço umas coisas sem metas. porque eu desisti do mba faz é tempo. a vida não é mba. não tem plano de negócios. enfim. tergiverso. eu passei máquina 4 mesmo com s. judas não tendo entregue a causa impossível. não precisava. posso dar a ele a careca. e ele me dá o que puder depois. vai que me dá vida amorosa?

daí pra não sujar a casa, pus um pano debaixo da cadeira e passei a máquina. eu falei que eu tenho uma quantidade brutal de cabelo? e que isso é ligado ao fato de eu não ter medo de fazer merda com ele? ele cresce de novo em quantidades brutais. com um fio de cada cor entre o branco, o louro e o castanho. então, né? pra que ter medo. e passei a máquina e montes de cabelo ficaram no pano. e no vestido e na cadeira. e o que eu fiz? enrolei o pano e o vestido e deixei na varanda. passei aspirador em mim e na sala.

no dia seguinte. eu não avisei a diarista, que veio aqui em casa, de como eu tinha raspado a cabeça. o que ela fez? colocou o pano para lavar na máquina, sem desdobrar. me pareceu um raciocínio até simples, na real. o erro estúpido foi meu, claro, de não informar a uma pessoa. paga para limpar as coisas. que aquela coisa tinha uma sujeira específica. pessoas não são adivinhas.

daí estou eu até hoje. com cabelo saindo da máquina de lavar roupa. tirei e limpei o filtro. minha mãe quis colocar o filtro sozinha na máquina enquanto eu tomava banho. saí do banho e tinha água até na sala (a casa é toda de um piso só, sem batente). e toma secar cozinha. secar área. tirar cabelo. o lençol lavado depois. tem cabelo. as roupas. tem cabelo. cara. nunca desejei tanto ser realmente careca.

10.10.16

já mudei

na verdade. eu quero saber o problema. em ser radical. em ser petista. em ser vadia. eu quero saber o problema. em não ser essa caixinha daí que você considera aceitável. porque eu não sou. eu tenho 40 anos e uso minissaia. e fui a reunião do pt, e fiz campanha desde 89. eu acredito em estudar e procurar entender as coisas. radicalmente. no sentido etimológico da palavra. porque eu não tenho raiz, mas as coisas tem. eu quero saber qual é o problema. porque a gente fica se desculpando e tentando dizer que não fala as coisas por ter lado. eu falo por ter lado, sim. e ter lado não significa estar errado. todo mundo tem seu lado. a maior falácia do mundo é a existência de um ser sem ideologia. de um ser sem lado. isolado. não estamos. escolhe aí. ou assume aí. mas para de tentar se colocar nesse papel puro. porque isso não te faz um pensador. te faz uma pessoa que não tem coragem. e quem não tem coragem tem medo do outro que tem coragem. porque é insuportável falar com quem faz o que a gente quer e não consegue fazer. a gente se sente diminuído. sai dessa. ouve o outro. conversa. tenha coragem. e tira as suas caixinhas dos meus pés. ou terei de trocar de biografia. pra por todas as etiquetas que tentaram me colocar na vida. vai ser longa. terão muitas. eu arranco todas. feito band aid. nem que pra isso eu me foda no caminho. eu não fico com elas. o meu caminho sou eu que faço. eu que determino. não me coloca no seu. não me diga que coisas eu devo me orgulhar ou sentir vergonha. não é você.

9.10.16

radical

eu tenho alguma noção de que esse texto não deve chegar a quem eu queria que chegasse. esses que acham que eu sou isso daí de radical. esses que acham que ser radical é algo ruim. algo que prevê quebras e perdas de todas as formas. esses que morrem de medo de mudança. eu sei disso. e acho uma pena. de algum jeito, eu queria falar com eles. segurar a mão e falar: cara. você me conhece. me vê na rua. é da minha família. estuda comigo. você sabe que eu não quebro nada (no máximo tropeço e caio). que eu sou uma ermitona um tanto tímida e de voz baixa. você sabe que eu escolho as brigas e já deixei na adolescência as brigas de bar e discussões na rua. você sabe que eu sou turrona mas me calo pra ouvir o outro. mas enfim. eu queria ser ouvida hoje. pra falar disso daí, dessa ideia do radical. do outro como fonte do medo.
eu posso falar que isso é filosoficamente estudado. a alteridade como fonte de medo e ódio. que isso é parte da engrenagem que gera o racismo. e parte da engrenagem que mantém o capitalismo. eu posso falar que um bando de coisa que eu não sei se você conhece. mas eu vou tentar falar sem ser assim. falar mostrando que não somos, todos, o outro do outro. os infernos dos outros. a gente não precisa eleger o outro assim com tanta força. o outro pode mudar. a gente pode mudar.
vem comigo aqui que eu te ajudo. mudar pode ser delicioso. a gente é mais forte como grupo. isso não é ser radical. é tentar acreditar no homem como medida de todas as coisas. no homem. acreditar que a gente pode. que a gente tem poder. o que eu busco, e tantos como eu, aqui, na caixa de ressonância e fora dela, não é uma quebra radical de tudo. é uma mudança, talvez radical, que permita que existam menos outros amedrontadores no mundo. é tirar de quem tem esse medo todo. mas me diz. por que você quer ter esse medo? acho que no frigir dos ovos, o que eu quero saber é isso: o que esse medo tem que as pessoas querem ele ao seu lado? ele é constituinte delas? tem gente que diz que sim. eu queria acreditar que não. que esse medo pode ser tirado. que podemos conversar aqui. e no mundo. para tentar entender. porque nesse instante. nessa hora. eu entendo muito pouco e busco muita coisa.

mas deixa. eu sou a maluca que gosta de roupa extravagante. que raspa a cabeça. que não entende você. mas eu quero entender. me explica. por que eu e os meus te ameaçamos? eu quero entender, porque eu não me sinto ameaçada pelos outros.

4.10.16

os pontos

hoje acordei querendo entregar os pontos. e vou dormir do mesmo jeito. hoje o dia foi cansativo, improdutivo, foi dar murro em ponta de faca. hoje de quem eu quis ajuda eu tive conflito. de quem eu queria apoio, eu tive nada. hoje eu fui sozinha, eu fui cansada, eu fui brigando. hoje eu quero dormir e esquecer o hoje. quero ir pra cama e que todos os hojes se apaguem e todos os amanhãs possam aparecer. quero chorar até dormir sem ter de explicar nada. quero me exaurir e não saber mais nem porque eu comecei a chorar. porque eu não sei. se eu soubesse, talvez eu estivesse louca. eu choro porque hoje, porque amanhã, porque confusa, porque nada. choro porque não passa, não anda, não resolve. choro porque cada minuto do dia foi lutado, porque nem o pokémon me quis, porque eu tô cansada. porque eu tô cansada demais. porque eu não aguento mais e ainda falta muita estrada pra andar. e a sensação de que sempre falta muita estrada e que a estrada não vai acabar e eu tô cansada. hoje eu vou dormir e amanhã a estrada pelo menos vai ter flor. espero.

7.9.16

o sul

o sul é o meu país. não essa coisa fria do sul do país. não o sur mítico da américa. mas o sul dos subalternos. do negro. do que não é ocidental. no sul não somos iguais todos. no sul podemos mudar sempre. no sul os caminhos não são cartesianos. eu renego a lógica cartesiana que me criou. é complicado falar isso assim, eu sei. é difícil. não é lógico. mas eu aprendi faz muito tempo que a lógica. ela é superestimada. sobretudo aqui. nesse espaço que, queiramos ou não, não se curva ao cartesiano. não temos ruas quadriculadas. não temos acontecimentos lógicos. não temos sucessão histórica. a pergunta que fica pra mim é: qual a necessidade de buscar isso? se podemos construir esse outro a partir do que temos aqui?

temos aqui, no sul, o ocidente e a sua negação em convivência. podemos seguir tendo. precisamos seguir negando. porque o ocidente, aqui, entra como violência e como negação de cultura. como brutalidade. não precisamos repetir eternamente essa brutalidade. nada disso é exatamente o que eu queria dizer. tudo isso é um pouco do que eu quero ser. do que eu busco. novas formas. novas coisas. novos eus. novos nós. muito mais bacana do que buscar ser o que não somos. o que não querem que sejamos. o que não seremos jamais. fora do ocidente. fora do cartesianismo. podemos muito mais. muito. nossos corpos podem muito mais.

5.9.16

ser guiada

quando eu era pequena. desde que eu me lembre. eu não queria ser menina. quer dizer. eu amava ser menina. eu amava coisas de menina. cores. saias. bonecas. unhas coloridas. cabelos longos. batom. eu nasci achando divertida a vaidade. detesto todo o resto. não gosto de cuidar de casa. não sei arrumar uma cama. não gosto de lavar a louça. só cozinho pra não morrer de fome. e, e isso é real, não faço carne porque tenho nojo. se morar sozinha, viro ovo-lacto vegetariana no mesmo dia. não gosto de passar o dia no salão e brigo no meio da rua. nunca fui uma boa mocinha. mas aprendi a ser mulher. me ensinaram. na verdade. eu gosto. fora a tal da menstruação. eu gosto. de usar as saias, as unhas, os enfeites, as tintas. claro que isso não é ser mulher. mas como nada define exatamente o que é. eu falo que é o que se aproxima dos signos considerados femininos.

tô definindo aqui. os que eu tenho. os outros eu não tenho. eu não sou delicada. não sou pequena. me recusei de forma bastante consciente e sistemática aos signos da mulher delicada. aos signos que me fechariam em uma definição. também me recusei aos da mulher intelectual, que deixa a vaidade de lado e não se penteia, e não faz as unhas. eu fui tentando achar os meus signos. e é sempre complicado buscar isso. um caminho e um espaço em que estamos, na verdade, sozinhos, porque ninguém está com a gente dentro da nossa cabeça, né?

e o meu caminho acabou sendo mais perto do pensar, da política, do questionar. e daí que não. eu não sei ser guiada. pode parecer que tem nada a ver. mas tem. e sabe o que é o pior? eu adoro dançar. eu tentei fazer aulas. eu tentei de tudo. eu sigo não deixando quase ninguém me guiar. e talvez essa seja a frustração da minha vida. não poder dançar.