8.8.13

Escrever


– pra que viver? o importante é navegar e escrever.

Júlio e suas frases de efeito. Manuela andava meio de saco cheio. o grande intelectual. o cara que pensa. que sabe. affffff.... podia fazer isso longe dela. quer dizer. não. Manuela não queria se separar. não agora. mas queria que Júlio fosse mais parecido com o Júlio que existe quando estão só os dois. o Júlio que conversa e fica desarmado, deita a cabeça no seu colo pedindo cafuné. não conseguia entender porque cargas d'água Júlio em sociedade tinha de ser tão importante. tão... pedante. 

ai... Manuela ficou chateada de novo. Júlio não sabia mais como lidar. como que a mulher independente, cheia de si, até pedante, por quem ele tinha se apaixonado se transformava nessa boba, meio competitiva. não, pera. não era sempre. quando estavam só os dois, ela era a águia de sempre. respondia, lia, conhecia, e brincava. mas ali, na frente dos amigos, ele ficava até meio sem graça, como se agredisse ela falando. saco. 

os dois se conheciam desde.... desde sempre, parecia. mas nem era. foram amigos por muito tempo. as gracinhas de sabichão dos dois, as piadas internas, foram cultivadas em anos de praia. sempre no verão depois do trabalho. aos sábados pelo menos no fim de semana. sempre na praia. saindo depois pra beber. vez em quando no maracanã (raramente. ele era vascaíno. ela flamenguista. melhor não). se conheceram por amigos em comum. fizeram a turma de praia, como dizia Paulo. vc vai na praia pq tem com quem ir, ele dizia. e não deixa de ser verdade. praia, no rio, é um acontecimento social. é O acontecimento social. 

ele fazia matemática na UFRJ quando se conheceram. ela mudava de curso mais do que de biquíni, ele achava. e vivia reclamando com ela. um dia, da galera toda que sempre ia, só os dois foram. por acaso (acaso nada, os amigos meio que marcaram de deixar os dois sozinhos naquela tarde de janeiro). um calor insuportável. foram ficando na praia depois do sol se por, caminharam pro arpoador e ficaram bebendo cerveja na areia. uns meninos mais novos faziam luau ali do lado. eles dividiram a canga. onde já se viu homem lembrar desse detalhe? e foram percebendo q os amigos tinham tentando dar uma forcinha. e não acharam ruim. 

tudo parecia natural, engraçado. era o esperado. dois espécimes comuns do rio de janeiro. que passavam suas tardes na praia. que pulavam carnaval. que não fugiam muito de nenhum estereótipo (daí ele largou tudo e foi fazer filosofia, pra desespero dos pais dele, e ela conseguiu terminar RI e começou a ganhar dinheiro, mais que ele, claro). um dia, pareceu natural ir morar juntos. ela podia pagar pelo apê, ele podia ajudar com alguma coisa, claro. e ele tinha grana de família. e apartamento próprio, na verdade. parecia não só gostoso como prático. e daí eles pareciam um casal perfeito. complementar em todos os aspectos. 

três anos. e tudo parecia bem. e nunca brigaram em público. Manuela tava viajando fazia horas pensando nisso tudo, acordou com aquela frase....

– o importante é navegar e escrever.

– Júlio, amanhã eu saio de casa.

28.5.13

pedaço

um dia vc se parte. é rápido. um grito. um baque. e uma parte caiu e quebrou. a parte doce. a parte mais loura. a que era só abraço e sorriso. e a parte que fica tem de lidar com isso. acordar e saber que a outra não existe mais.

e a gente vai e faz. e vai e vive. mas vez em quando algo lembra a gente do que era. aquele pedaço que era mais novo, que ia viver mais. que ia estar do nosso lado. o magrelo, louro, agitado. o que fazia tudo que eu não faço. e eu tento lembrar dele e aprender com ele. sempre.


26.4.13

entranhado

tem gente que fica entranhado. que come por dentro o nosso fígado e a gente não repara. e um dia acorda e tenta olhar porque. e não tem porque nenhum. uma vez leu sobre quem trabalha em matadouro. e o cheiro de gordura entranha. gordura animal, não tratada. não solta da nossa pele. entranha.

especialista em ficar com gente entranhada. mariana andava com caraminholas na cabeça. as pessoas entranham fácil, pensou. como se ela não soubesse deixar as pessoas de fora. não, não era isso. as pessoas eram a gordura? não, também não. pera. 

no momento estava bom ter alguém entranhado. mariana conheceu joão meio por acaso. não tinham amigos em comum. não trabalhavam juntos. nada. estavam no mesmo bar. ela, voltando do banheiro, esbarrou nele. a cerveja dele caiu no chão (parando pra pensar, como assim?) ela pediu desculpas. quis pagar outra pra ele. começaram a conversar. moravam na mesma rua. ele era mais novo. não muito. mas parecia mais bem resolvido na vida do que ela. como se fosse difícil. mariana estava sempre por um fio em qualquer trabalho. sempre meio em crise.

joão era calmo. era um antípoda. e as coisas pareciam simples. estranho aquilo. mariana nunca tinha tido calma na vida. nunca tinha nem procurado, na verdade. joão era a calma em tudo. no dia a dia. nas conversas. na cama. tudo tinha seu tempo, tudo era tranquilo. tudo era em paz. e ela foi deixando aquilo ser parte dela. entranhar nela. tudo em calma.

e daí que mariana, sempre tão mal humorada. mariana, que nunca via o lado bom das coisas. mariana estava em paz. e entranhada de joão. e aquilo tudo ali podia não acabar nunca.

23.4.13

debaixo d'água


respirou fundo e mergulhou. abriu os olhos, lembrou que dessa vez tinha pego a máscara. e olhou em volta. azul. com peixinhos. uma estrela do mar no chão. pensou se queria ir até o fundo pra pegá-la. a cura, sempre com água e sal, pensou. e foi.

a graça de mergulhar de apneia é essa tensão. será q vai dar. que o pulmão aguenta. é uma aposta. e vez em quando a gente precisa desistir no meio. mas não dessa vez. pegou a estrela do mar e subiu feito criança. subiu na lancha. ficou olhando praquela conquista. como quando era criança. uma familiaridade. uma felicidade. riu de si mesma. depois ficou com pena da estrela. mergulhou e devolveu pra areia.

debaixo d'água a apneia é a única tensão. não tem ninguém. não tem trabalho. não tem peso. não tem tempo. uns dias até achava bom nunca ter aprendido a mergulhar com cilindro. nunca mais voltava, certeza. era o lugar dela. sem mais ninguém. olhou em volta. ninguém. dizem que é perigosa essa brincadeira. mas parte da graça era essa, né? tensão. voltou pra água.

quando ficou exausta, quando o corpo não aguentou mais, voltou pra casa. a casa, enorme, estava vazia. era meio de semana. ninguém na casa de praia que normalmente abrigava a família e meia dúzia de amigos. nenhum colchonete no chão. nenhuma confusão na cozinha. as pernas doíam. os braços. cabelo parecia uma palha de tanto sal. meio queimado de tanto sol. se olhou no espelho. vermelha feito pimentão. não conseguiu deixar de rir.

entrou no banho. a água escorria pelo seu corpo. pelas costas. pelos ombros. pelas pernas. deixou o sal escorrer pelos braços, pelas tatuagens. shampoo, sabonete. a espuma descia fazendo desenhos nos azulejos. sentou no box. deixou a água escorrer mais. olhava para seus pés e pareciam tão estrangeiros. os dedos das mãos tão exóticos a ela mesma. esfregou com mais força. o que o mar não tira, nada tira, pensou. desistiu. e passou a se permitir desistir mais das coisas depois disso.

14.3.13


...


arrumou diligentemente todos os papéis. reorganizou calmamente todos os arquivos no computador. e olhou praquele chaveiro. coisa cafona. chaveiro de duas metades. cafona. como a gente é cafona apaixonado. mas era isso. chaveiro de yin yang. affe. coisa cafona. mas era aquilo. na época deve ter feito sentido. agora, nenhum. nem o chaveiro, nem as chaves.

tava tudo bem, paula não parava de repetir. tudo direito. tudo inteiro. faltava metade nenhuma. e de repente, ver aquele chaveiro colocou ela inteira no passado. inteira longe. inteira pela metade. era estranho voltar a estar pela metade. como se tudo que estava ali antes tivesse sumido. ela tinha esquecido essa sensação. de vazio.

lembrou da história toda. do se conhecer. do namorar. e de repente, sem perceber, do morar com ele. morar só, não. casaram. pompa e circunstância. igreja. amigos. festa. até hoje tentava entender porque. acho que nunca ia entender. quem quis aquilo primeiro. se ele, se ela ou se alguma mãe. enfim, fizeram a festa. e paula, a louquinha. paula, a boêmia. paula, a esquerdista. ela mesma, entrou de branco na igreja.

pra que tanto, nunca soube. a mãe dele achava ela difícil. de repente ela quis agradar. e foram pra europa em lua de mel, claro. pra que pensar? paris. clichê. tudo clichê. yin yang. lembrava do dia em que compraram aquilo. claro, não era bem um yin yang. ela precisava de um verniz pra dizer para si que não era comum. que não era igual ao resto das pessoas. era um yin yang de grife.

enfim, voltaram pro rio. e márcio não sabia como lidar com estar casado. a verdade é essa. nem ela. nenhum dos dois queria ceder meio palmo. de nada. e foram levando aquilo, tentando aquela queda de braço. até que não deu. um dia acordou e percebeu.

saiu de casa (onde já se viu, mulher sair de casa) outro apartamento. outra vida. sozinha. vivia cheia de amigas em casa. achou que márcio tinha ficado ali. no passado. como um disco antigo. ou um ex-namorado de escola, sabe? passado. nunca mais soubera nada sobre ele. se estava bem. se tinha casado de novo...

foi a joana quem pediu. uns negativos de umas fotos antigas. foi arrumar os papéis pra procurar. arrumou as pastas. e achou a chave. o chaveiro. e agora tava ali. esperando a outra metade.

2.2.13

falando com amigas, reparei hoje que nunca escrevi o final da história do bisavô.

chegou no brasil e veio pro rio (claro). não encontrando castelos para alugar e falsificar quadros, decidiu falsificar selos. olho de boi e tal. falsificava e vendia pra filatelistas como cópias. eram perfeitas, dizem. um dia, uma pessoa que tinha comprado um olho de boi de terceiros resolveu retirar o olho de boi do envelope (sim, amigos, ele se dava à pachorra de colar o selo em um falso envelope e falsificar o carimbo dos correios). pra tirar selo de envelope, se mergulha o envelope em água morna. o selo sumiu, a tinta dissolveu. era uma falsificação, descobriram. mandaram bisavô para o méxico. novamente, era difícil de se provar.

meu pai foi visitá-lo uma vez, quando competiu no panamericano de natação. não lembro a cidade. talvez península de yucatan. meu bisavô, o velho thuin, morava numa casa que ocupava um quarteirão inteiro. com umas oito mulheres. meu pai foi com o irmão mais velho, que já era casado na época. meu bisavô tentou convencer a mulher do neto a ficar ali com ele. não colou.

reza a lenda (a lenda sendo a filha mais velha dele, a bastarda, que tinha fotos dele pela casa em copacabana e ia em cruzeiros para namorar aos 90 anos) que ele depois foi expulso do méxico e acabou seus dias na arábia saudita. mas olha. lenda familiar não começa a descrever isso daí...

2.1.13

a água


Tava quase dormindo em casa quando ligaram. Na verdade, mandaram DM. Trocou de roupa e foi pro bar. Fazia cinco dias que não saia de casa, acabara de reparar. Aliás, não tomava banho desde ontem. Melhor tomar banho. Voltou, melhor.

As amigas andavam preocupadas. Não tinha nenhuma razão pra isso. Ana estava bem. Ensimesmada, calada, trancada em casa. Mas bem. Só que reconhecia que não devia estar tão bem assim. Olhou pro cabelo. Ensebado. Não devia ver água fazia uma semana. Gente. A pele. Nossenhora. Entrou debaixo d'água pensando como diabos tinha chegado naquele ponto de descaso consigo, achando que  tava tudo bem. Santas amigas.

O Daniel tinha saído de casa fazia uns três meses. Na verdade, tava tudo uma merda muito antes. mas foram empurrando com a barriga. Normal, né? Ela contava essa história pra ela mesma mais vezes do que deveria. De normalidade. De que estava só trabalhando muito. Santas amigas.

A água escorria pelo corpo e Joana pensava como fazia tempo que não sentia prazer. Simples, como aquele da água escorrendo. Nem isso ela andava se permitindo. Fechar os olhos e fantasiar com a água. O prazer do corpo. Água escorrendo pelos seios, pela barriga, entrando pelas pernas. Os olhos fechados e só a água. Foi lembrando que estava viva. Foi lembrando o quanto tinha se esquecido nos últimos meses com o Daniel.

Ficaram juntos pouco tempo, na verdade. Tinha sido uma dessas paixões fulminantes. Conhecera Daniel em um bloco de carnaval. Amigo de uns amigos. Quando viram, o bloco tinha passado e eles pra trás, conversando. Falaram sobre tudo. Passado, futuro, família, carnaval, sexo... Dali a três meses, estavam morando juntos. Na casa dela, ali em Santa Teresa mesmo. Vista pro mar, ela gostava de dizer. Lá do alto, mas vendo o mar. De noite frequentavam os bares dali do Largo das Neves. Ou se aventuravam descendo o morro pra ver os amigos. Mas passavam muito tempo dentro do ninho. Ela trabalhava em casa. Ele não. Se viam muito pouco, na verdade. Nos fins de semana. Ele viajava muito a trabalho. Mas ela estava acostumada a ficar sozinha naquela casa.

Um dia, na volta de uma viagem dessas dele, tudo pareceu estranho. Na verdade, devia estar estranho há muito. Desde que se conheceram. Os amigos, mesmo os amigos em comum, não apoiavam muito aquilo. Achavam meio fora do personagem dos dois. Achavam que tinha algo de estranho naquela sofreguidão. Mas enfim, nunca brigaram ou sumiram. E ela também entendeu a preocupação deles. Claro que depois de brigar com todos, cortar relações com meia dúzia... Mas isso era passado. Agora eles tavam lá, na sala, cobrando dela sair da cama. E ela, que tanto reclamara, agora estava adorando. Esse banho...

Enfim, depois da tal viagem eles perceberam. Os três anos, aquela sofreguidão, ânsia, desespero. Tudo aquilo tinha acabado. E não tinha nada no lugar. Nada. Eles quase não se viam. Quando se viam, só sobrava sofreguidão. E quando a sofreguidão acabou, ficou aquele vazio. Ele entrou pela porta da viagem e ela sabia. Quase não falaram nada. No dia seguinte, ele fez as malas e saiu. E o apartamento ficou igual a antes dele chegar. Um não tinha interferido em nada no outro. Muito estranho.

Ficou só trabalhando. Mal saía. Mentira, foi nos aniversários, visitar a mãe vez em quando, todo o mínimo protocolar. Mas nas últimas três semanas, só saiu pra comprar comida. E nos últimos dias, só pediu comida, quando acabou o que tinha na despensa. E os amigos perceberam. E vieram tirar ela dali. Nem perguntou pra onde iriam. Mas tinha certeza de que ia sair dali. Saiu do banho. Um pente no cabelo pela primeira vez em um tempo. Um sapato, um rímel. Uma cara de quem tá viva. Saiu do quarto, os amigos todos ali. Respirou fundo. Apertou a mão de uma amiga. Abraçou outra. Saiu da casa. E acabou o interlúdio.

20.11.12

na areia


a mafalda já dizia, o mar é um indeciso. mas enfim. melhor remédio pra ressaca, né? sentar ali e olhar o indeciso. se jogar naquela água gelada. não adiantava o resto do mundo dizendo que melhor é o mar do nordeste. o pacífico e morno mar do nordeste. joana não gostava. quer dizer, gostava. mas não era a mesma coisa. aquilo ali era gelado, era forte, era quase uma declaração apaixonada. não era calmo. ela precisava daquilo. meio que se identificava com as ondas. era bom isso, não estar tranquila no mar. tinha suas virtudes. deixa a gente alerta, ela pensou.

na verdade, pra joana, o mar andava sendo metáfora demais, mas não podia fazer nada. marcos continuava naquela nhanha de sempre. tinha aparecido na noite anterior, o infeliz (ou feliz, vai saber). com outra menina. no bar em que ela sempre ia com os amigos, claro, do lado da casa dela. ele morava do outro lado da cidade. deve ter gasto uma fortuna de táxi. neurótico e caxias daquele jeito, carro que não ia pegar com medo da lei seca. novamente. pra que do lado da casa dela? não era nenhum lugar badalado, especial. enfim. foi um certo mau estar causado ali, absolutamente desnecessário. até por causa da menina. ela não tinha nada a ver com a história deles. fernanda, parece. bonita. inteligente. simpática. e se enfiou na roubada sem nem saber, tadica.

o marcos tinha sido um amor de adolescência. de começo de faculdade. desses que a gente não chama de namorado pra não dar errado. mas virou uma bagunça. meteram, os dois, os pés pelas mãos. brigaram no meio da rua. cobraram o que não era pra cobrar. e enfim, ela resolver pegar suas trouxinhas e sair dessa. não andava sendo fácil. saia com os amigos e ele aparecia. ia pro trabalho e ele mandava um sms "por engano, desculpas". ele, que tanta independência quis. ele, que falava tanto de liberdade. o marcos andava era enchendo o saco mesmo. surtou, de repente. e tinha umas meninas bonitas com quem ele saia, como essa fernanda...

joana ficava incomodada. não sabia se eram exatamente ciúmes. sabia que ficava uma nhanha. assim, ficava. não saía do lugar, não deixava de existir, nenhum dos dois ia pra diante. e ela acabou bebendo mais do que queria na véspera. pra não cair do salto, por incrível que pareça. bêbada nada a incomodava. ficava uma fortaleza. e enfim. ontem mais uma vez tinha segurado a onda. puxado papo com fernanda. tadica. se meteu a ser terceira de uma relação sem nem saber. a ser o espinho no pé dela. o marcos tava se mostrando era um grande babaca, né? pelamor, gente. se o problema dele era com ela, joana, viesse falar com ela. nem que fosse pra brigar no meio da rua de novo. se estapear na frente dos seguranças do metrô, que devem estar até hoje pensando se levavam pra delegacia, e quem denunciavam pra maria da penha.

enfim. os amigos também ajudaram, claro, e marcos acabou se dando conta da merda e indo embora com fernanda. que pediu o telefone de joana pra saber aonde comprava aquele sapato. cacete. podia ser menos simpática, hein? se bem que fernanda, tadica, não era o problema, nem a questão aqui. era marcos, ela sabia. como aquilo tudo, aquela paixão toda, tinha virado isso? como ela tinha deixado. claro, não era ingênua de achar que o marcos tinha inventado e surtado sozinho. não era bem culpa de ninguém (mentira, essa de enfiar as desavisadas no meio era culpa dele). eles saíram e joana ficou ali, olhando pro chopp e pensando porque cargas d'água tinha se comportado tão bem. deve ter ficado com pena da retardada da menina que nem reparou que tinha algo de errado ali.

e enfim, os meninos sobretudo ajudaram. ficaram conversando até de madrugada. a conta veio surreal. mais de 15 chopps por cabeça. um maço de cigarros. joana estava conseguindo parar de fumar, mas o filho da puta tinha desestabilizado tudo. tipos, fudeu. o que ela ia fazer agora. porque o que ela não tinha dito pra ninguém. nem pensado em voz alta, na verdade, depois do ocorrido. marcos tinha ido fumar quando ela foi. só os dois ali fora. a mesa do povo era nos fundos do bar. não dava pra ver. ou pelo menos ela queria acreditar que não. marcos veio, o filho da puta veio e falou pra ela: "eu te amo. sempre. só você". bem na hora em que apagou o cigarro. e voltou pra mesa. e ela ficou ali. cigarro na metade ainda. sem saber o que fazer. engoliu o choro. voltou pra mesa. não deu dez minutos, marcos puxou fernanda pelo braço e saiu. tinham combinado de ir na cachoeira no dia seguinte com o irmão dela. gente. 15 chopps era o mínimo, vamos combinar.

os meninos não queriam, mas ela fez questão de ir sozinha para casa. dormiu até bem. mas acordou de ressaca. não sabia agora se por causa do chopp, do cigarro, ou do amor. amor não devia dar ressaca, ela pensou. amor devia ser bom. devia dar borboletas no estômago. e vontade de viajar. e ser outro tipo de montanha russa. aquele dali não era legal. joana acordou e foi pra praia. e ficava olhando aquele mar e pensando no filha da puta do marcos. precisava complicar tanto, tudo? e ela, precisava? putaqueopariu. como doía a cabeça.

"você pode olhar minhas coisas enquanto eu dou um mergulho?" falou com o casal ali do lado. uma criança linda eles tinham. foi andando devagar, meio sem saber o que ia fazer. olhou pras ondas. e se jogou.

6.11.12

a terceira pessoa, essa inexistente.


acordou no meio da noite e percebeu. Ele não tinha voltado. Isso virava rotina. Estava perto do insuportável. Esse casamento a três não ia dar certo. Pior. Ela sabia que ele não estava com ninguém na cama. Que não era uma traição em si o que estava acontecendo. Ou pelo menos, ela não achava que era. Mas ela não tinha entrado nessa pra dormir sozinha. E jantar sozinha. E se sentir sozinha. Pra ficar sozinha, cacetes, ela ficava sozinha.
dessa vez, não voltou a dormir. Sentou-se na sala. A vista do apartamento sempre fora bonita, né? Ela nunca olhava pela janela, a verdade era essa. E ficou olhando. Praquela nesga de mar ao longe. Acendeu um cigarro. Pegou um livro. Pensou se ia dar uma volta. Melhor não. Iam achar que estava a trabalho. Melhor ficar ali na semi-varanda, olhando o mar. Não sabia o que fazer. Quando ele resolvesse aparecer, o que falar. Essa solidão invadindo a sala. Ele queria ter filhos. Ela não. E ficava sempre esse mal estar no meio da sala. E toda vez, a mesma coisa. Devia ter saído com os amigos pra reclamar dela. Discutiam e era isso. Fingia que era solteiro. Nunca soube ser casado, na verdade. Ela não entendia essa tara com ter filhos. De repente era pra ver se pegava no tranco, aprendia a casar na marra. Dava uma certa preguiça ouvir aquele discurso sempre. Ir dormir, depois de aparentemente tudo resolvido. E aturar essa palhaçada no dia seguinte. Não adiantava ligar, a besta não ia atender. Liberdade, independência, essas palavras bonitas todas. Ainda não tinha entendido que tinha casado. Saco. Agora não ia mais dormir. De repente tinha alguma coisa pra beber. Pelo menos a noite ficava mais agradável. E a briga de igual pra igual. Achou vodka. Achou whisky. Achou gin. Achou que tinha bebida demais na casa. Se serviu do whisky. Puro. Sempre melhor puro. Sentou de novo no sofá. A areia da praia mal aparecia ali, de tão longe. Pensou se descia e dava um mergulho. Talvez depois do whisky. De repente tomava coragem. Coragem líquida.
Pegou o tal texto que precisava trabalhar. Essa coisa de estudar e trabalhar também acabava com a saúde dela. Dormia cada dia menos. E hoje, que tinha conseguido deitar cedo, aprontavam essa. Na verdade, não sabia o que fazer. Se continuava ali. Se avisava que, afinal, era aquilo mesmo, era melhor cada um buscar outra pessoa. Que quisesse as mesmas coisas. Sempre achou isso cafona, mentira mesmo. Mas de repente nem era. Afetos não resolvem tudo. Merda. Não ia dormir essa noite. Pior que amanhã ainda tinha um dia cheio. Reunião desde cedo. Aula no mestrado. Caralho. Justo hoje, não podia esperar o fim de semana pra dar defeito?

Ela dormiu na sala. Como achava que não conseguiria jamais. Lendo o trabalho do mestrado. Copo de whisky na mão. O cigarro apagou no cinzeiro. Por pouco não tacou fogo em tudo. Ele entrou na casa. Rosto inchado de tanto chorar. Tentando pensar o que fazer com aquela merda daquele casamento. Pegou ela no colo, com toda delicadeza. Ela acordou e sorriu. Ele não quis contar. Que tinha passado a noite no carro. Sentado. Com uma cerveja. Pensando o que ia fazer. E tinha dormido ali. E acordou e subiu pra conversar. E quando olhou pra ela. Deitada, com aquela camisola rasgada. Como detestava aquela camisola. Naquele sofá. O cigarro apagado no cinzeiro. O cheiro do whisky derramado no chão. Os papéis por cima dela. Quando viu aquela cena toda. Lembrou porque tinha entrado naquele apartamento com ela ao seu lado da primeira vez. Pensou que amar podia ser o suficiente. Ou pelo menos que amava demais pra ter outra alternativa. E sorriu. E ela estava no seu colo. E ele estava em casa. E deitaram.

4.11.12

tentando falar dela. tentando perder eu.

ela acordou e percebeu que estava sozinha. Completamente sozinha. Aquela casa, que um dia fora dos dois, agora só tinha ela. E olhou em volta. Pra metade da cama. Pra estante vazia. Pra metade do armário sem as camisas dele. E quis deitar e ficar ali. Mas a vida segue, não era opção. Entrou no banho e saiu. Vestida como se fosse encontrar com ele pela primeira vez. Como se nunca tivessem se perdido um do outro. E foi pro trabalho. maquiada. Engraçado, justo ela que tanta preguiça tinha de se maquiar de manhã. Mas hoje era necessário. Pra conseguir seguir com o dia precisava se saber bonita.
na hora do almoço, como de costume, saiu com as colegas. Andaram um pouco mais, foram num lugar um pouco melhor. As colegas sabiam, queriam estar ao seu lado. No meio do almoço falou o que lhe afligia: ia vender o apartamento. Sair dali. Ninguém entendeu. Era ótimo o apartamento. Tinha tido sorte porque João não tinha pedido sua parte. Sorte nada, ela pensou. Sorte nada.
Estava decidida. Ia se livrar da sensação de vazio se livrando do vazio. Ia ser simples. vendia, comprava um parecido. Ou punha o dinheiro numa conta com rendimentos e ia viajar. Quando o vazio passasse, voltava. O problema era o emprego. Precisaria não gastar tudo. Mas realmente não se incomodava em voltar e morar de aluguel um tempo. Foi ver quanto tempo teria de férias. Se ainda teria férias esse ano, né? Providências práticas pra tentar ir adiante com o plano. A gente muda tudo de uma vez, pensou. Melhor do que a conta-gotas. Tem de puxar o curativo de uma vez só, essas coisas todas meio clichê que a gente adora falar. Ela tinha puxado o curativo. Mas tava ali, em carne viva, de que adiantava? Ainda por cima naquela casa, enorme pra ela sozinha (por menor que fosse, parecia enorme agora). Ia conseguir, pensou. Era bem localizado o apartamento. De repente...

Passaram-se alguns meses. O apartamento, vendido. Encontrara um apartamento exatamente como queria. Menor. com jardim. Desses de primeiro andar, sabe? O jardim era meio tão pequeno que nem contava. Mas era jardim. Tinha sobrado um troco, ainda, já que o bairro era menos nobre. Mas ainda não tinha viajado. Continuava ali em carne viva. Tinha melhorado, não, essa coisa de se mudar. Olhava pro jardim e sentia falta. Daquele enorme apartamento (que nem era tão grande). Da padaria do bairro. Dele. Tantos anos juntos. Era um pouco inércia, achava. Mas ia conseguir esquecer. Um dia, pensava. Um dia acordaria, olharia pro lado e nem perceberia que faltava metade da cama. E esse dia nunca chegava. Não conseguia tirar as tais férias. O chefe já estava incomodado. As colegas também. Fazia mais de dois anos que ela não tirava férias, daqui mais um pouco.

Comprou a passagem. Um mês de férias. Péra, quatro semanas viajando? Será que aguentava sozinha? É, tinha decidido ir sozinha. Sem ninguém para tentar consolá-la. Pra lembrar a razão da viagem. Estava indo meio obrigada, é verdade. Mas tanto falaram, tanto buzinaram no seu ouvido que precisava deixar tudo pra trás que estava indo. Se duvidar, nem voltava. Claro, isso não contou pra ninguém. Melhor não. Fez as malas. O máximo possível, no menor espaço possível. Mas aconteceu uma coisa. Quando tava saindo pro aeroporto. Ele ligou...

Claro que ela embarcou assim mesmo. A vida precisa sempre seguir em frente, né? E seguiu. E olha. A melhor coisa do mundo. Melhor do que sexo. Do que sorvete. Do que passar a tarde na praia. O maior prazer do mundo foi atender aquele telefonema. E reparar que. Podia viajar. Podia sair. Não ia mais olhar pro jardim e achar que faltava algo. Obrigada.

3.11.12

abri os olhos e não tinha nada. nada. de olhos fechados, tanta coisa me acontecia. mas abertos, toda uma realidade me toma e tudo some. quero fechar os olhos. e me jogar na irrealidade. nas pernas que me vêm em sonhos. nas mãos que me tocam no meio da noite. mas hoje não posso. a vida não deixa. hoje, nada de pernas entrelaçadas. nada de me sentir desprovida de peso. nada de boca, mão, língua, sexo. hoje a realidade sou eu e a tela do computador. os olhos abertos. hoje o prazer precisa estar só nas palavras. e não quer estar. o desejo sobe pelos dedos. passa pelas pernas, coxas, por todo o corpo. e eu quero fechar os olhos. e me deixar levar. e eu não posso, e sou lembrada disso. e abro os olhos. e a tela. e o texto. mas o que eu queria. era fechar os olhos...
um dia me somem as interrogações. será? acho que só no dia em que conseguir sair da primeira pessoa. me apeguei à primeira pessoa faz muito tempo, sabe? como se fosse me perder se saísse dela. não deve ser verdade. mas ainda não sei. olha ela aqui. me prendendo. me segurando. quantos "eu" podem ser escondidos em um só parágrafo? quantos "eu" preciso para não sair voando? ou ao contrário: como me livrar de todos esses "eu" e conseguir voar?

26.10.12

o salto. deixa o pé bonito, né? as pernas. o tornozelo parece torneado. a bunda fica mais arrebitada. pena que dói o pé. eu sei. eu sei. não deveria me curvar ao que os outros pensam. eu sei. mas vou te contar um segredo: eu gosto de me vestir para os outros. sinceramente amo ver que me olham. não me interessa porque me olham. veja só, me chamaram de caricata outro dia. acho q é porque saí de saia roxa e camisa amarela. mas juro, fica lindo, e claro, uso sabendo que chama atenção. ainda mais com o saltinho amarelo que eu tava usando... me perco. não, péra. eu tava falando de sapatos. o salto. agulha. do tipo que parece que machuca. é meio fetiche mesmo. eu sei. porque, claro, não é confortável. mas eu ponho o salto. me olho no espelho. e acho que o resto da roupa pode ser qualquer coisa. uma calça jeans. camiseta branca. o salto é tudo que eu preciso. pra estar bem. segura. feliz.

22.10.12

eu tenho medo de trovões. não, mentira. hoje eu tive medo deles. não é sempre. tem uns dias piores. uns dias em que eu sinceramente queria um abraço na hora em que o barulho fica mais forte. uns dias em que eu queria tomar banho de chuva. sentir o cheiro de chuva. e pensar em quando eu era mais nova. e passava as férias no sítio. e o cheiro de chuva era a hora de entrar. e sair da lama. e tirar a roupa molhada. e sentar debaixo do candeeiro pra poder ler. eu gostava da hora de poder entrar. de não ser mais obrigada a ficar do lado de fora. eu adoro essa hora até hoje. em que posso estar do lado de dentro.

17.10.12

o corpo tem memória. eu fecho os olhos e lembro do torpor. da agulha entrando na mão. de contar de trás pra frente. horas perdidas sem memória. lembro de acordar. ardência. enjôo. frio. corpo tremendo. cansaço mortal. o corpo tem memória. ele lembra das 7horas que passou aberto, cortado. sente até hoje o pedaço que foi tirado. uma memória do membro amputado muito estranha. porque o pedaço saiu de dentro, nunca vi. nunca verei. mas o corpo tem memória. acordo suada, cansada no meio da noite. e o corpo lembra. de ser cortado, apertado, remexido. o corpo não me deixa esquecer. cicatriz, quelóide, aderência. o corpo mostra a sua memória. refaz ela pra que eu possa ver. o tempo todo. sabe que depois disso, tudo é controle. tudo é medido. e mostra que pode fugir. que é mais forte. o corpo me mostra o tempo todo que eu não sou quem eu acho que sou.

15.10.12

ali ficava um bar. era meio mexicano. isso daqui tudo era o baixo gay. mas foi fechado. teve um problema de violência, de homofobia, foi perdendo os clientes, fechou. eu costumava vir no café pacífico quando era mais nova. era um ambiente mais misturado, o primeiro mexicano do rio e tal. depois tiveram outros aqui perto. era um quarteirão animado. é triste. pensar que era tão vivo faz uns 20 anos (ok, eu tô ficando velha. fecharam os bares faz uns 15 anos). mas é isso, botafogo era um bairro mais legal. agora tá voltando. ali na frente tem o meza, do lado tem outros bares. o baixo ali do aurora nunca fechou, decaiu, mas não fechou. era mais animado ir no plebeu quando eu era adolescente. mas talvez porque eu não tivesse tantos problemas com higiene. achasse normal as baratas, sei lá. hoje em dia boteco tá na moda, né? tem tantos mudernos por aí. cada um arranja sua especialidade, me impressiona a criatividade. mas pera, era pra ser uma memória afetiva da minha cidade.

e tô me perdendo. outro dia, conversando com o marido de uma amiga, descobri que tivemos infâncias parecidas. éramos levados pros bares pra conversar se nossos pais não arranjassem avós pra ajudar. é engraçado. a gente conhece uns lugares que fecharam quando a gente era criança. lembro de beber guaraná. ao menos parecia cerveja. porque tinha isso. bando de ator, de intelectual, uma meia dúzia de perseguidos pela ditadura e tal. mas a menina não podia jamais tomar álcool. eram bons pais. caretas. normal, né? enfim, meu pedaço nunca foi a zona sul mais vista nas fotos. aquilo lá era passeio de fim de semana. ida ao dentista, que ficava em ipanema. ali perto do quartier lacan (dizem, tem tanto lacaniano ali naqueles prédios que dá pra analisar a cidade inteira). meu pedaço, tão querido, era esse pedaço da zona sul meio que sem praia. tem o aterro do lado, né? mas cair na praia do flamengo...

eu cresci nisso. você se habitua. os mesmos cinemas. os mesmos bares, depois de certa idade. pelo menos eu fui mudando de bares com a idade. se eu dependesse de comer no mamma rosa hoje em dia... mas ficava na frente da cal. a galera fazia cal. eu mesma devo ter feito alguma coisa ali. pelo menos frequentei o suficiente pra conhecer a escadinha do lado do funicular, que nunca funcionava. e enfim, chopp no mamma rosa. eu era café com leite. cara de bebê, não era sempre que me serviam chopp. vez em quando ficava na coca-cola mesmo. ganhei fama de sóbria. fama que matei virando uma garrafa de vodka. não recomendo. mas enfim, passou a fama, né?

aqui na esquina, onde hoje tem um restaurante ruim, o varanda's, era outro restaurante ruim. parece ser a única constante do lugar. nunca ter comida boa. mas era uma parmê. igual a da tijuca ou a do largo do machado. dava pra ir. ou sei lá, eu tinha 15 anos. andava por aqui pela rua das laranjeiras por hábito. e porque normalmente eu pegava qualquer carona pra descer de santa teresa. nem sempre iam pro mesmo lado que eu. eu descia aqui e ia a pé pro flamengo, vez em quando. ali no largo do machado, na galeria condor, tinha um cinema. duas salas. grandão. fui ver de volta pro futuro 2 ali. minha amiga me matou de vergonha. berrou "gostoso" pro michael j. fox. depois eu que gosto de baixinho. o s. luiz ainda existe. reformado, mudado, virou multiplex. mas existe. seguindo pela marques de abrantes, a gente passa pelo lamas. que hoje em dia não tem aquela fumaça de cigarro saindo. mas tem umas mesinhas pra gente fumar do lado de fora. e ainda tem aquele corredor que parece filme de terror de tão baixo que é o teto. e ainda tem um ótimo oswaldo aranha. seguindo ali, a gente passa pela escola dos meus irmãos. o caminho era esse sempre. se a gente for até na praia, tem ainda o castelinho, que só fui conhecer adulta.

na outra grande rua do bairro, a senador vergueiro, eu ia na majórica com meus tios. churrascaria à moda antiga, sem rodízios. e mais adianta, já sozinha, tem o picote. o picote era o lugar aonde sem querer eu encontrava conhecidos e sem querer tomava um chopp em cima dos barris. buteco de antigamente. deram uma arrumada. mas acho que os barris continuam lá. indo pra praia, a gente ia no la mole quando eu era criança. ainda tá ali, no edifício argentina. um enorme la mole. com filar enormes. acho q era o único restaurante "de levar criança" da cidade. algo tem de explicar aquelas filas. seguindo na praia, tinha a sears. virou shopping. era sears. tinha uma escada rolante velhona, e um setor de camping. adorava aquele prédio.

andando pela praia de botafogo ainda, a gente chega na voluntários, chega no cinema. era um só, o estação. com os garotos mais velhos, darks, sempre na porta. e a gente entrava meio de penetra, e ficava com eles ali, assistindo de um tudo. e continuando pela praia, quase chegando na urca, tinha o cine veneza. era enorme o cine veneza. fechou. assalto a carro nas redondezas. abriu como igreja. fechou. hoje em dia é uma casa de espetáculos que vive de aluguel.

o baixo botafogo, ali perto do humaitá, é sempre parecido. voltando ao começo do texto, o baixo gay nunca voltou a ser ali. foi pra farme e lá ficou. ali hoje em dia tem uns bares modernos. mas ainda tem o botequim, o plebeu... todos ali com seus pés-sujos e seus adolescentes bebendo cerveja de garrafa. dá uma sensação de conforto, acho. eu gosto disso. de me sentir em casa. quase tanto quanto gosto de me sentir fora de casa. mas esse é outro texto.
fecho novamente os olhos. a boca. a língua passa pelos lábios. mordo os lábios dele. e sinto as mãos em meu rosto. elas descem pra cintura. não consigo refazer o caminho delas. um puxão. sinto o corpo inteiro grudado ao outro corpo. suor. sinto os pelos roçando em minha barriga. as mãos apertam minhas costas e me levantam. abro os olhos e vejo, meio enviesado, um sorriso. sorrio também. sei exatamente aonde estou indo. mesmo carregada, mesmo de olhos fechados, sei aonde estou indo. e me deixo levar. a língua passa pelo meu ombro, pelo meu pescoço. sinto um arrepio. os olhos abrem. respiro. estou sozinha. deitada. mas o cheiro ainda está do meu lado. respiro. fecho os olhos e sinto o impacto das costas na cama. as mãos que passam por todo o corpo. a língua. os dentes na minha coxa. o calor. cada vez maior o calor. sua boca sobe entre as minhas coxas. sorrio. os olhos se abrem. nada novamente ao meu redor. paro, respiro. sorrio e fecho os olhos. os dentes mordem minha barriga. puxo sua boca para a minha. as mãos descem pelas minhas costas, e me puxam os quadris. sinto minhas unhas em suas costas. sinto você. o calor abre os olhos, e me vejo novamente sozinha. o quarto escuro. os livros. água. bebo um gole. deito novamente e fecho os olhos. sinto você novamente. o cheiro. o suor, salgado, em seu ombro. os dentes em meu pescoço. sorrio. aperto suas costas, como se aquele momento pudesse durar para sempre. o ritmo. as pernas sobem, como se fossem alcançar o teto. suas mãos em minhas coxas. o ritmo. suas costas entre meus dedos. o calor. o ritmo. o suor.

abro os olhos. ainda no escuro. ainda sozinha. olho para o lado, e a cama, engraçado, a cama parece ocupada por outra pessoa na metade que eu demorei a voltar a usar. mas hoje, eu sei. hoje não tem ninguém enquanto os olhos ficarem abertos. bebo mais um gole d'água. e fecho os olhos, te esperando...

13.10.12

acordo suada. sem ar. não dá pra dormir de volta. não lembro do sonho. mas deve ter tido um sonho. algo precisa explicar. algo tem de explicar essa inquietude. falta de ar. não tô com bronquite, nem pneumonia. dessa vez, não. me cuidei. mas a sensação de falta de ar não some. nunca some, na verdade. só finjo bem. deito e dessa vez, o sonho aparece. eu apanho. e tento fugir. e apanho. e estou na cama. e não reconheço o quarto. e vou fugindo, e continuam atrás de mim. um casal. e eu de fora. não consigo berrar. não consigo pedir ajuda. e acordo de novo. e olho em volta. e nenhum casal me acompanha. e ninguém está no quarto. olho pro meu braço. inteiro roxo. e isso, parece, me acalma. como se me dissesse que o sonho foi real. que não estou maluca. fecho os olhos e finalmente durmo bem. respirando.

12.10.12

eu não gostava de fazer as unhas. e tenho mãos de menino. grandes. com calo de quem já tocou algum instrumento. com calo de quem faz exercício. sabe aqueles calinhos na base dos dedos? unhas pequenas. dedos compridos. a única coisa que torna a mão feminina é o punho. razoavelmente fino. parei de tocar o cavaquinho, confesso, em parte por causa dos calos. me incomodavam. mas hoje em dia me incomoda o cavaquinho mudo. ando pensando o que farei. provável que volte a tocar. mas me perdi. as mãos. piorava porque eu mexia com tintas e quetais. acabam com o esmalte. e eu gosto de cor, sabe? se vou perder meu tempo, quero que seja visível. mas enfim. vaidades bestas.

com o tempo, fui gostando de fazer as unhas. disfarça os calos. e o tamanho da mão. e o fato delas (as unhas) serem absolutamente minúsculas. no pé, então... o pé, na verdade, eu sempre gostei de fazer. fica com cara de limpo. eu gosto disso. cara de limpo, de cuidado. a mão, não durava dois dias. me cansava isso. porque a verdade é que eu amo a cor que fica. adoro olhar pra pedacinhos de cor nas minhas mãos. me sinto com 7 anos. tinha um esmalte de purpurina que eu amava. aquelas micro-unhas eram quase do tamanho de uma purpurina, né? tinha um esmalte que brilhava no escuro também. não devia ser atóxico. explica muita coisa.

tudo isso pra dizer que. acho que não vivo mais sem as unhas vermelhas. continuo achando meio sacal o ato de fazer as unhas. ficando chateada quando tenho mais trabalho braçal pra fazer e o esmalte descasca todo rápido. mas olha. unhas vermelhas pra mim são um fim em si. olho pra elas e me sinto bem. me sinto inteira. faltava isso. me deixar olhar pros pedacinhos de cor de novo.

28.9.12

a gente não estava no rio. era uma viagem. não lembro porque, mas um povo foi pra são paulo. era algo da faculdade, mas não lembro o que. um hotel mequetrefe perto da são joão, acho. todos hospedados por lá. e enfim, combinamos todos de sair de noite, claro. estávamos em são paulo, afinal, éramos jovens. o amigo de uma amiga que estava morando lá ia nos buscar, pra irmos no aeroanta, que agonizava, mas ainda existia. nos arrumando, me mandaram chamar os meninos. eu sempre ficava pronta horas antes das amigas. ainda fico. detesto perder horas no espelho. só demoro se não consigo escolher a roupa. daí capaz de desistir de sair. mas esse dia, viajando, só tinha uma opção. o vestido, novo inclusive. preto, de lamê dourado. meio decotado. meio justo. meio curto. meio jamais usaria hoje em dia. mas enfim, éramos jovens. lá fui eu, com o vestido, descer os andares do hotel. acho q tava de meia calça. cabelo na época era bem curto, ainda não tinha raspado inteiro, mas era bem curto. maquiagem pesada, como eu gostava. uma vibe meio punk de butique. acho. bati na porta do quarto dos meninos. ele veio abrir. parou. olhou. ficou mudo. falei com ele. mudo. dali a pouco solta um uau. e volta a falar. eu fingi que não foi nada. eu queria muito fingir que não era nada. ele era só um amigo, não? fomos pro tal do aeroanta. não lembro por nada do show. lembro que fez frio. e que ele me emprestou a jaqueta de couro dele. fiquei com ela meses. e eu ainda achava que ele queria ser só meu amigo...