28.9.12

a gente não estava no rio. era uma viagem. não lembro porque, mas um povo foi pra são paulo. era algo da faculdade, mas não lembro o que. um hotel mequetrefe perto da são joão, acho. todos hospedados por lá. e enfim, combinamos todos de sair de noite, claro. estávamos em são paulo, afinal, éramos jovens. o amigo de uma amiga que estava morando lá ia nos buscar, pra irmos no aeroanta, que agonizava, mas ainda existia. nos arrumando, me mandaram chamar os meninos. eu sempre ficava pronta horas antes das amigas. ainda fico. detesto perder horas no espelho. só demoro se não consigo escolher a roupa. daí capaz de desistir de sair. mas esse dia, viajando, só tinha uma opção. o vestido, novo inclusive. preto, de lamê dourado. meio decotado. meio justo. meio curto. meio jamais usaria hoje em dia. mas enfim, éramos jovens. lá fui eu, com o vestido, descer os andares do hotel. acho q tava de meia calça. cabelo na época era bem curto, ainda não tinha raspado inteiro, mas era bem curto. maquiagem pesada, como eu gostava. uma vibe meio punk de butique. acho. bati na porta do quarto dos meninos. ele veio abrir. parou. olhou. ficou mudo. falei com ele. mudo. dali a pouco solta um uau. e volta a falar. eu fingi que não foi nada. eu queria muito fingir que não era nada. ele era só um amigo, não? fomos pro tal do aeroanta. não lembro por nada do show. lembro que fez frio. e que ele me emprestou a jaqueta de couro dele. fiquei com ela meses. e eu ainda achava que ele queria ser só meu amigo...

25.9.12

feito uma mão que entra pela boca e arranca tudo. e parece que fica tudo vazio por dentro. não. fica apertado. como se o braço, passando, espremesse tudo contra a pele. e tudo quer sair de dentro. mas tem a pele. daí não tem pra onde sair. daí vem as lágrimas. não, eu não sei porque estou chorando. acho que falei isso mais que tudo na minha vida. ou sei. tô chorando porque parece que tem uma mão dentro de mim empurrando tudo pra sair, e a sensação é muito ruim. tô chorando porque falta ar. ele não entra porque não tem espaço. tô chorando porque falta alguma coisa. e eu não sei o que é. e eu sei que não adianta procurar. porque não falta nada. tá tudo certo. tudo certo. e eu sei que o choro vai passar, e eu vou continuar sem saber sua razão. não, isso não é a definição de loucura. talvez de tpm. talvez de angústia. mas é verdade que, assim como a mão aparece rasgando as vísceras e me deixando sem sono, ela some. como que fica cansada. e me deixa em paz. não, não é preciso nada pra isso. só esperar. e eu espero, pacientemente. que o dia passe. que ela se canse. e uma hora, sem aviso, acaba.

21.9.12

a primeira vez que amei são paulo, eu amei uma foto. que agora eu não acho na internet. deve ser mentira. era uma desfile de um teatro (teatro do ornitorrinco, se não me engano), e na frente, liderando, ia um homem de saias e meia arrastão. também foi a primeira vez que amei meia arrastão. são paulo era longe ainda. eu devia ter uns 10 anos. qualquer coisa era longe se precisasse de mais de um ônibus.
são paulo virou aquilo. um lugar aonde homem podia usar meia arrastão. aonde as pessoas podiam ser diferentes. explica-se. no libertário rio de janeiro, onde, diz-se, mário de andrade veio para poder viver sua vida, homem não usa saia. só no carnaval. adulta eu descobri que em são paulo também não. mas era arte. e era aquilo. blusa verde. saia rosa de preguinhas. meia arrastão, sandália. depois eu descobri também que o original era mais antigo. que um cara tinha andado assim pelas ruas em 1932.

a segunda vez que amei são paulo, eu amei um museu. eu entrei no masp e fiquei encantada. e lembro de jantar no america, e achar o milkshake o máximo. eu devia ter uns 12 anos... e foram passando os anos e são paulo foi sendo amada em partes. eu ouço tomzé quando penso em são paulo hoje em dia. eu aprendi parte da geografia da cidade com as músicas. um amigo não acreditava que eu sabia andar em alguns bairros. mas eu sei. ou sabia e tô reaprendendo. porque eu tô amando são paulo de novo. as pessoas acham graça. mas eu posso tentar explicar. são paulo é como um amante. aonde você procura o que não tem em casa.

no rio eu tenho muita coisa. é meu marido, minha mulher. é o amor e a cidade onde vou morrer, quase certeza disso. eu saio, mas eu volto, sempre. no rio eu fui adolescente e ia no circo voador deus sabe como. no rio eu conhecia as boîtes e a boêmia na hora em que ficava na moda. ia dar um mergulho em ipanema antes de voltar pra casa. isso tudo nunca vai sair de mim. aprendi a ser uma "carioca de caricatura", como diz um irmão. mas eu preciso de respiro do rio. das modas do rio. da leveza falsa do rio. e, estranho que seja, o peso de são paulo me ajuda a lidar. com a vida. com o rio. pensando bem, amo outras cidades. fui criança em fortaleza. apaixonada em paris e roma (indico). chorei mágoas em lyon. mas volto pras duas. preciso das duas. acho que se complementam, por mais clichê que isso pareça e seja.

e fico nessa rotina, e ouço meu tomzé quando o avião pousa em são paulo, sem a ajuda de fones de ouvido. assim como ouço bossa nova voltando. e nem sou fã de bossa nova. mas o rio, confesso, vez em quando me vem com ares de zé mujica...

20.9.12

longas discussões. marx. lacan. foucault. ai, me deixa não pensar hoje? só hoje? me deixa falar de esmalte? querer comprar um vestido? não ser livre? só hoje? eu sei, eu sei... a gente fica preso, a gente pertence ao sistema, não pode atuar em cima do desejo de verdade. mas hoje eu não quero. deixa eu não querer desejar hoje? não, eu não sei o que é isso. mas eu preciso de um tempo. a pele precisa de um tempo. a cabeça precisa de um tempo. eu não sei desejar sem intervalo. mentira, eu sei. mas é outro desejo. não, eu não sei qual é o esquema de lacan. não, não me interessa o grande outro hoje. hoje não me interessa nenhum outro. eu sei. eu sei que não preciso me interessar. eu sei. ele não some porque eu não quero pensar nele. mas eu preciso de um tempo. eu preciso deitar. e ler. e dormir. e trepar. e comer. e não pensar um pouco. e depois eu posso pensar. juro. mas não sei. de repente o meu lugar de falar do grande outro não seja aqui. não com você. não, com você eu nunca quis falar do grande outro. mas você me enganou, né? melhor, eu me enganei. o tal do desejo. o meu tava cobrindo tudo, mudando tudo. e de repente ele não dava conta. não dava pra sustentar mais. não, não foi de repente. foi aos pouquinhos. e eu não percebi que, na verdade, se não sustentava é porque não tava mais ali. mas nossa. eu não queria isso assim. mas eu não sei mais falar de outro jeito. e olha só: você achou que eu não te ouvia.
longos anos. as coisas ficam debaixo da pele. grudadas. como sebo, sabe? já experimentou entrar num lugar onde mexem com sebo? entranha. o cheiro gruda na gente. um dia a gente percebe o cheiro de sebo. semanas. meses depois de ter se afastado da fonte do cheiro. e parece que precisamos limpar ele. daí compramos sabonetes. e creminhos. tentamos ir à praia. primeiro sozinhas. depois com os amigos. sair de noite. dançar. beber. tudo, tudo, pra ver se o cheiro sai. se o cheiro troca.

daí um dia você acorda. toma banho, como todos os dias. olha no espelho. e o cheiro. aquele mesmo que tanto incomodava. o cheiro sumiu.

19.9.12

o corpo tem memória. fecho os olhos e sinto de novo. o cheiro. o calor. a língua. abro e tudo some. a memória do corpo é exclusiva. mas fecho os olhos de novo. e sinto as pernas sobre minhas pernas. as mãos apertando minhas costas. não, pera, abre os olhos. apaga. volta. os lábios. encostando no meu rosto. na esquina da boca, sabe? o riso visto de canto de olho. o corpo tem memória. melhor que a da cabeça. o peso do quadril. pera. os olhos viram um riso. as mãos. a memória das mãos se fechando. da carne entre os dedos. a cama. o lençol enrolando na perna. fecho os olhos e sinto de novo o atrito das pernas. o suor. sinto o suor em meu peito, minhas mãos deslizando pelas costas. para. abre os olhos. olha em volta. uma sala. um sol escaldante do lado de fora. respira. o corpo tem vontade própria.

fecho os olhos novamente e sinto. dentro de mim. suor. ritmo. pele. as pernas se retesam. a barriga sente seu peso. suor. cheiro. ritmo. não abro mais os olhos. a memória do corpo toma conta. os braços sobem atrás da cabeça procurando algo...

5.9.12

eu bebo, eu fumo, eu falo palavrão. eu passo vexame. eu caio de quatro. eu me levanto. eu falo demais na primeira pessoa. eu tomo café demais. eu leio história em quadrinhos. eu leio poesia grega. eu bebo de novo. eu estudo pouco. eu rio muito. eu sou dada a excessos. eu tenho dificuldade com limites. eu durmo no meio da boîte. eu leio no ônibus. eu gasto dinheiro demais com roupas. eu uso vestidos. eu prefiro calça jeans. eu me endivido com viagens. eu como pouco (dizem). eu tento escrever.