15.7.25

tirando teias

 em oito anos, de novo, tudo pode mudar.

eu então...

não sei onde estou, mas sei que escrever, como respirar, como comer, é preciso. é uma função fisiológica, como tá na moda dizer. vocês não acham bacana tudo ser fisiológico? até conversar com amigo? eu acho ótimo. fisiologicamente eu preciso mandar tomar no cu quem fala isso. melhor não. pode ser bom. 


hoje eu fui num médico e a experiência foi estranha. fui com minha mãe pra simplificar. as duas tinham de ir em um ortopedista. as duas nos aborrecemos. cada uma uma hora.

o senhor achou que ela tinha quadris largos. e repetiu isso vezes demais. ele queria saber que exames eu fazia pro meu coração.

eu queria saber que cisma é essa. com meu coração, quem cuida é meu cardio, caraio.

e o consultório. ele falou que está ali faz 41 anos sem reformas. pelo banheiro. eu diria uns 70. Nelson Rodrigues não saberia descrever aquele consultório. madeiras escuras. umas luminárias erradas. e só ele no consultório. 

depois eu pensei que ninguém conseguiria trabalhar com ele.


pelo menos o almoço com o amigo foi bom. 

1.6.17

acolhimento

ah, mas você tá mais incomodada com vida simples que com o choque cultural. me falaram isso. e bom. a vida simples não é simples. é pobre. simples é não usar tanta cortina. simples é comer só feijão com arroz. água enferrujada e falta de luz é pobre mesmo. demos os nomes. não dói, acho.
daí é uma meia verdade. eu demorei a me habituar com a vida pobre, sim. com não existir máquina de lavar. nem sempre ter água no chuveiro. faltar luz sempre que chove. demorei a me acostumar com as faltas todas. com o transporte público inexistente, com tudo isso.
mas a outra parte. o conforto real. é assim: eu quero comida 3x ao dia. aqui não há. comem besteiras ao longo do dia. uns acará, uns dodô, amendoim. mas não fazem uma refeição. eu vou de manhã comer. vazio o restaurante. descobri que é isso mesmo. eles vez em quando comem de manhã, mas nem sempre. de tarde? comem besteiras por ali. de noite, sim. um jantarzão. meu estômago sofre. a outra função da comida é ostentar. se você dá uma festa, para mostrar que pode, faz panelas e mais panelas de jollof rice. mesmo não gostando de arroz. o correto numa festa é jollof rice.
eu pergunto uma coisa. a resposta vem pela metade. eu sigo sem saber como me comportar. as respostas são sempre pela metade. e meio ríspidas, como se eu precisasse saber de antemão. seja ríspido e se dê bem na nigéria, eu diria. é um pouco a frança, talvez. não há acolhimento.
então, o choque cultural, ele me deixa mais desconfortável com a vida pobre. porque não há um local em que eu me sinta bem. a comida é mais um deles. eu me acostumei agora. parei de desmaiar. parei de chorar de fome. mas demorei dois meses pra isso. e quando voltar ao brasil. quero meu ocidente de 3 refeições ao dia mais do que qualquer outra coisa. comida é conforto pra mim. é carinho. e aqui me sinto bem pouco acarinhada. mesmo com os enormes pratos de jollof entregues nas defesas de tese.

29.5.17

endurecer

talvez a batalha mais difícil, mais diária, seja pra não endurecer com as pancadas que a vida dá. pra manter o sorriso. o peito aberto. o passo pronto pra tentar de novo. depois de tanto não. de tanto erro. de tanta porrada. talvez o mais difícil seja poder se abrir. poder sentir. uma vez, me falaram que eu tinha vocação para a felicidade. nunca entendi o que seria isso. não tenho vocação para nada, pensei. nem pra ser eu. hoje em dia, eu acho que entendi o que a pessoa queria dizer. depois da pancada. o sorriso, a gargalhada. depois do choro, a leveza. de quem sabe que a vida é essa que veio. a vida é essa que virá. e que a gente pode e deve tentar achar esse momento sem sofrimento. esse momento de felicidade. com uma banana frita se der. ou com uma conversa. ou uma cerveja. a felicidade tenta escapar sempre. mas ela é tão nossa. que só posso oferecer um ombro amigo a quem esquece. eu já apanhei da vida mais do que parece. eu nasci com coração doente. eu perdi irmão. eu perdi pessoas queridas que foram antes da hora. de diversas formas. tem uma hora em que a gente tem de virar pra vida e falar "pode bater. eu volto." pela felicidade de um elogio do rapaz bonito. de um chocolate. de um abraço de um amigo querido. eu volto.

10.5.17

mudada

faz tempo que não escrevo aqui. as pessoas falam que voltarei mudada para casa. eu concordo sempre. eu não sei o que isso quer dizer. voltar mudada. a gente muda quando dá mais um passo, não? a gente muda o tempo todo. eu mudei já umas 3x hoje, acho. aquela frase velha do não podemos mergulhar 2x no mesmo rio. eu tendo a discordar, ainda cito langston hughes e luandino. em algum momento mergulhei na diáspora. tanto que precisei ver de onde ela começou. e daí estou aqui olhando para isso. e não consigo. nada. estou como folha em branco, muda e sem conseguir organizar um pensamento. e logorreica, preencho espaços vazios. aqui, no facebook, no word, no evernote, num caderno. as palavras precisam sair para eu tentar uma produção de sentido com tudo que li a vida inteira e o que estou vendo. a produção de sentido ao se ler hugo e chegar em paris é imediata. ou eça e lisboa. até machado e rio de janeiro. a cidade é uma força em si de sentido da literatura. eu entendi achebe ao reler aqui. as palavras ganharam mais força. se isso é possível. a destruição ficou mais patente. mas não consegui produzir sentido nenhum. só compreender. quero uma mão que me guie e diga "aqui, segue esse caminho" mas eu sei que nesse caminho só tem espaço para mim. como de resto o caminho que me fez chegar até aqui. pegando sonhos dos outros com as mãos e trançando os meus. e agora eu me vejo olhando pronde cheguei. pronde quero ir. e a vontade única é de pedir ajuda. como tantas vezes, na verdade. a vontade única é de ter alguém pra ir junto. eu tenho tido vontade de casar. de ter filhos. coisas que nunca tinha pensado de verdade. nem quando casei. eu casei porque gostava dele. e achava que devia. agora eu acho que de repente. eu queria não ter um caminho tão sozinho nessa vida quanto o que eu trilhei. eu sei, eu sei. os amigos estão todos aqui. mas a coisa bonita da amizade é esse perto-longe. essa similitude sem andar pelo caminho. essa compreensão. hoje, como de resto nessa viagem, hoje, que eu parei de chorar por nada e por saudades. hoje eu entendo. que só o que eu queria era não estar sozinha. mas eu estou. e isso é bom. porque é o que eu sei ser. é o que eu busquei e trilhei. mas talvez. não sei. acho que não é mais o que eu quero. aqui eu tô aprendendo a me olhar.

7.4.17

Pergunta

A mãe de santo disse que estou solteira e bem assim. Alguém disse a ela. Acho que xangô. Mas não lembro. Sei que não deixa de ser verdade. Me perdi olhando uns textos meus e achei um ou dois falando de braços e pernas e línguas. E percebi que até o sonho de outro dia isso estava adormecido em mim. E o sonho puxou de volta e eu tô indo viajar e não sei o que fazer. Com braços e pernas e línguas e corpos. Nem todo prazer provém do corpo, acho. O corpo existe, gera afeto e prazer. Mas nem só. O corpo pode ficar de lado. O corpo dorme. E quando acorda eu fico perdida. Tô aqui olhando pra ele e pensando como fazer. O corpo não em forma. O corpo não usado. Enferruja e cansa. E agora quero voltar na mãe de santo e perguntar o que fazer com ele.

6.4.17

Correto

o mundo em que conquista nenhuma pode ser comemorada porque não veio do jeito certo. o mundo em que existe jeito certo. e que o jeito certo é medido na régua de quem fala. que define também quem é bom o suficiente para andar ao seu lado. esse mundo daí. é um mundo excludente e infeliz. fantasiado de inclusivo, porque jura que quer o melhor de todos. desde que seja do jeito certo. a gente volta sempre praquela crítica, né? ao que acreditam que seja o pós moderno. ao problema em se relativizar as coisas que é visto. nada pode ser dependente de pinto de vista, tudo é definido e definitivo. na verdade as pessoas morrem de medo de não saberem em que chão pisam. de precisarem ir definindo o caminho ao caminhar. e a melhor forma de não precisar definir o caminho ao caminhar. de não precisar rever e reorientar o caminho. de não precisar ficar escovando a contra pêlo pra ver o que vai surgindo. é definir o pelo. o caminho. a origem. o correto. e seguir excluindo todos que não seguem a cartilha. inclusive os da outra cartilha que não é a nossa. porque só a nossa cartilha é boa, correta e justa. só o nosso caminho é possível. 

mas isso é mentira. pessoas podem ter morais diferentes e uma não ser melhor que a outra. caminhos e vidas diferentes. claro que acho a minha melhor. porque é a minha. foi o caminho que eu fui trilhando que me trouxe aqui. é muito complicado achar que a conquista do outro não me representa porque não é como eu faria. se há algo que busco é o copo meio cheio. porque a vida me esvaziou copos demais até aqui pra eu não buscar as pequenas coisas. pequenas como um grupo imenso de mulheres se unir em menos de uma semana e conseguir uma desculpa afobada e bastante mal escrita de um galã e de uma emissora. não, a emissora não mudou tudo. mas houve união e é um começo. pequenas como fora do que se espera. inclusive de espectros políticos, porque são lutas por dignidade mínima, e isso foge ao escopo da direita ou da esquerda. ou deveria fugir. os começos são tímidos. as narrativas são longas. os caminhos são difíceis. ninguém chegou lá achando que cada passo era uma derrota. a gente chega lá se fortalecendo com os passos do caminho e crescendo com eles.

19.3.17

imperativo

os imperativos das redes sociais, pensou alessandra. faça, pense, coma, leia. a linguagem da publicidade contaminou o mundo. tudo é uma ordem. andou com o dedão pra cima e pra baixo e desistiu. fechou o celular e pegou uma roupa. riu, pensando que era outro imperativo "saia do facebook e vá viver" nem querendo escapava disso. saia. corra. ande. beije. use. beba. não beba. ela só queria ver os amigos e tava se sentindo obedecendo alguém. obedecer nunca tinha sido algo de que gostasse. saia.

saiu. de saia. tinha um post falando sobre não usar saias. alguma explicação qualquer que escapava agora. usou. tinha um contra bebida alcóolica. pediu uma cerveja. um contra sair sozinha. ela tava sozinha. não. mentira, tava esperando uns amigos. mas tinha um post, certamente, ensinando a não esperar. e outro a esperar. ela ficou com raiva. e tinha um post mandando não sentir raiva. algo sobre o corpo não físico. se beliscou. para ter certeza do que sabia. que corpos são físicos, são presença e ela mesmo estava ali. 

o amigo chegou. ela riu. tinha um post que descrevia como mulheres não devem sorrir. ela começou a conversa e daí ficou na dúvida. tinha um post mandando não dormir com caras, e um mandando dormir. a qual desobedecer? considerando que o amigo é legal e bonito e tava tentando alguma chance faz um tempo. escolheu desobedecer o primeiro. pera. isso significa que obedeceu o post lá de cima e pensou? agora ela não curtiu.

mas riu da própria bobagem e ficaram ali sentados na praça mauá, olhando o mar. os outros amigos não foram. ela começou a desconfiar que joão tinha inventado que iam. mas se achou meio paranóica. e pensou que post tava obedecendo ou desobedecendo naquele momento. achou que era aqueles imperativos de "seja feliz". segue a conversa. segue a noite. segue o dia. segue o joão. ela não via joão fazia uns anos. ainda estava querendo entender de onde ele tinha surgido. curiosidade mata a gente.

curiosidade faz a gente viver. curiosidade faz a gente mudar. alessandra andava precisando de uma mudança mesmo. era bom largar os imperativos de lado um pouco

2.3.17

carnaval

é. acabou. mais um. todos foram absolutamente lindos. mentira. uns eu tava bem ruim. mas todos foram lindos. talvez não pra mim. carnaval. essa coleção de histórias. pela rua da moeda de madrugada. pelo cais. pela praça mauá. pelo meio do cacique. vendo os bate bola, achando graça dos periquito, tentando aprender frevo e sambando até o tênis efetivamente furar.

carnaval é quando a gente olha tudo e aprende que vai virar aquilo. daí eu tenho a minha história de como eu me descobri feita pro carnaval. eu tinha 5, 6 anos e precisei seguir a mangueira. azucrinei mãe, pai, parentes todos que detestam carnaval. que são senhores sérios e intelectuais. e expliquei que eu tinha. precisava. era absolutamente vital. ver a mangueira. fui ver. passei a noite em pé sambando, ganhei pilhas de adereços. aquele cotoco louro animadíssimo merecia, afinal. sambei. sorri. cantei. dormi 48h depois. passei a só usar verde e rosa durante janeiro e fevereiro. pintava as unhas. ouvia os sambas. era parte da minha vida aquilo.

daí eu cresci e virei parte dos intelectuais e até ia ao cinema durante o carnaval. juro por deus. mas eu seguia ouvindo os sambas. e usando verde rosa nos 4 dias. e enfim. tem aí o que me apaixona no carnaval até hoje. eu gosto de andar no centro da cidade. e a minha razão de andar no centro da cidade é a sensação que tenho completa e absoluta de solidão. ninguém ali me vê. me olha. sabe quem eu sou. eu amo essa sensação. ela me tranquiliza.

volta pro carnaval, que um dia deu um clique. acho que foi um dia bobo em que resolvi ir no suvaco, ou no barbas. fui, dancei, cantei, lembrei. passei a ir pro recife. pro rio. pra tudo. no carnaval eu uso a máscara. eu pinto o rosto. me banho em purpurina. enfio 3 saias de filó. peruca. shorts coloridos. no carnaval eu faço igual aos outros ali na rua. eu me misturo a eles. e de tarlatana rosa eu sou mais uma na multidão. no carnaval eu não sei se é açafata ou se é um tango. no carnaval eu sou absolutamente sozinha ali por 4 dias no meio da multidão eu sou um nada. um nada entre todos os outros. ouvindo histórias e produzindo elas. no carnaval. eu sou a tarlatana. eu sou a suíça. a índia. o muro do dória. no carnaval eu não sou ninguém por 4 dias. e não ser ninguém. é absolutamente delicioso.

17.2.17

desejo

quando eu era mais nova. diziam que eu conseguia o que queria. que eu tinha força. que eu ia atrás. que... enfim. eu me sentia culpada. eu me sentia buscando o que não era meu. eu me sentia forçando a barra. e ficava essa voz na minha cabeça. você buscou o que não era seu. você atropelou as pessoas. você não respeitou as pessoas. ficava ali ruminando. e eu parei. não corri atrás. fui tentando me esgueirar.

daí a tal da idade chega e você lembra. eu não sei me esgueirar. eu sou atrapalhada, atolada, grandalhona (ok, nem tanto, mas definitivamente espaçosa), eu sou extravagante e talvez um tico assertiva demais. se eu tentar me esgueirar. eu fico sem nada.

então eu lembrei disso daí: eu consigo o que eu quero. e voltei a exigir. pedir. correr atrás. claro que eu me importo com as pessoas. mas eu tenho o direito ao meu desejo. é só tentar um meio termo daí. só não dá pra tentar ser o que não sei ser.

15.2.17

obsessão

isso daqui não é sobre a obsessão de sempre. não. nem é tão pessoal quanto outros textos. apesar de ser desabafo. isso daqui é sobre outras obsessões. a ver onde elas nos levam.

a primeira vez que ouvi alguém falar que não comia glúten foi uma amiga minha. a essas alturas, ex amiga. que diziam que parecia comigo. eu chega fico assustada com como devo parecer tonta e ansiosa pra quem disse isso. mas enfim. essa amiga parou de comer glúten. ela é uma flor. muito querida. mas muito ansiosa e um pouco obsessiva. bom. quis emagrecer. a dieta previa não comer glúten e lactose. perdeu muitos quilos. num aniversário meu fui insistir para ela ir no bar. era um bar novo, com cerveja especial. ela me respondeu que não. porque não ingeria mais glúten e guardava os dias de tomar cerveja para ocasiões especiais. bom. eram meus 35 anos. eu jurava que era especial pra quem me conhecia fazia 10 anos e sabia de toda a minha vida até então.

ela perdeu 10kg, ficou certamente se achando mais gostosa, e perdeu ao menos uma amiga. não por não sair mais pra beber. pelamor, eu tomo café, eu ando na praia, eu bebo água, eu como salada com suco, eu faço qualquer programa com amigos. mas perdeu porque entre a obsessão dela pela dieta e a amiga, ela ficou com a obsessão. pena. a gente perde pessoas pelas razões mais bobas. e vez em quando é só lamentar e seguir adiante. e sim. mesmo sendo saudável, mesmo ela nunca tendo sido magra demais, mesmo assim, era uma obsessão. como antes foram outras. e na verdade, sendo obsessiva – quem eu quero enganar, não é mesmo? – eu tendo a ter amigas também obsessivas e normalmente isso não é o problema. o problema é quando a obsessão me joga pra escanteio de uma forma que não sei mais contornar. eu não soube dessa vez. lembro até hoje. muda. parada. na rua, indo pro bar. já era um dia complicado. o então marido tinha dito que não iria. eu já tinha tido um momento muda na frente dele. ele apareceu antes de mim. entendi nada. e ele ainda ficou zangado porque comemorei pouco a ida dele.

os dias naquela época eram nublados na minha cabeça. nada andava. e aparentemente as obsessões de todos se voltaram contra mim naquela semana. e eu fiquei muda. quando eu perco a voz. é a hora de mudar tudo. não falei antes. sou obcecada em mudar tudo. o tempo todo. só não mudo de casa. e agora vou mudar. e tô desesperada e sem voz. esperneando aqui.

10.2.17

choro

quem me conhece sabe que burocracias me angustiam. descobri hoje que não tinha mudado meu endereço no banco do brasil. a senha não funcionava fazia meses e eu ignorava por preguiça. papéis tinham de ser mudados e assinados e eu ficava olhando como se olhar fosse mudar todas as datas e informações. não é que eu seja informal em si. ou que seja falta de atenção. é um problema neurótico que eu preciso conseguir resolver e não consigo. sou capaz de chorar meia hora antes de mexer uma data em um documento, preencher um formulário. como se a pergunta "nome" fosse impossível de responder.

daí eu quero coisas que dependem de burocracias. e fico angustiada, represada, paralisada. chorando olhando para a tela do computador, como se nada pudesse ser resolvido jamais por mim. incapacitante a paralisia. como não sou mais criança, chorando preencho papéis. chorando tomo conta do que preciso fazer. chorando engulo e resolvo ligando e falando no telefone – outra dificuldade angustiante – uma semana pra resolver o que podia ser feito em um dia. 41 anos o que podia ter feito em 20.

a vida cobra da gente as nossas falhas e neuroses. eu não vou mais deixar a conta ser tão alta. mas sem o choro. ah, sem o choro, não vai, não.

13.1.17

Tempo de estio

Essa é uma postagem sobre música e cidade. sobre uma música e uma cidade.

fazia tempo que eu não ouvia tempo de estio. e eu sou uma dessas malucas que ama o verão do rio. amo a cidade lotada, infernal, barulhenta, quente. eu nunca soube explicar com algo além do incerto "amo o frisson" e sigo sendo a maluca que acha divertido e espera o verão. como se ele fizesse alguma diferença, diriam alguns. faz, eu digo. toda. tem um sorriso na cidade. nos turistas fascinados. nas praias lotadas. no mar transparente e gelado. tem um sorriso nos sambas no fim da tarde e nos botecos que ainda cobram 7 reais a garrafa. andar de chinelo e short 3 meses. (ok, eu trabalho em casa/na faculdade). é tudo muito além do que eu posso pedir.

daí eu fui ouvir o disco novo da Mart'nália. e eu acho ela maravilhosa e fantástica herdeira de tudo que é isso daqui também. do calor, do chão, do samba, da praia, do português chiado, do chinelo. e ela canta tempo de estio. e o tempo de estio é o verão do rio de janeiro. a letra. define exatamente como é o amor pela cidade. eu vim pela rua ouvindo nos fones. e dançando feito maluca pelas laranjeiras. com sorriso aberto. (e certa saudade da praia, nesse dia de chuva)

Quero comer, quero mamar
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas
O Rio está cheio de sol, Solanges e Leilas
Flavias e Patrícias e Sônias e Malenas,
Anas e Marinas e Lúcias e Teresas,
Glórias e Denises e luz eterna, Veras
Rio, tempo de estio, eu quero tuas meninas
Eu quero tuas meninas

Quero comer, quero mamar
Quero preguiça, quero querer
Quero sonhar, felicidade
É o amor, é o calor
A cor da vida, é o verão
Meu coração, é a cidade
Rio, tempo de estio, eu quero suas meninas, eu quero suas meninas


https://open.spotify.com/track/7sBdYYQxdjkXzlqJ1n7NDq

9.1.17

pele

– você não parece a sua idade

teimo em não saber que diabos isso quer dizer. acho que é falado como elogio. suponho que a intenção seja associar beleza a juventude. ou juventude a algo bom. e eu não devo mais ser jovem. eu não aguento mais fisicamente o mesmo tanto. o rapaz ontem dizia que ele se sentiu velho quando eu disse que precisava ir. ele não entendeu que ele sustentou até meia noite. eu voltei nove da noite pra casa com alguma insolação e muita dor de cabeça. mas eu não pareço a minha idade.

eu não pareço a minha idade e as pessoas acham que eu sou só mal humorada. eu sou ótima. uso do sarcasmo como defesa quando não quero intimidade e não me importo com os bolos que levo, porque sou igual. eu não sei ter raiva de algo dois dias depois que aconteceu. não é que eu esqueça. é que sinceramente eu tenho mais o que fazer – literalmente também. tô aqui cheia de papel pra preencher e perdendo meu tempo escrevendo isso.

tudo isso pra dizer que me assusto quando vejo mil tratamentos de pele, de cabelo, de celulite, de sei lá que cacetes. eu não consigo passar remédio que a dermato manda todo dia. eu tenho espinhas como uma adolescente e as poucas rugas não se criam. ter cara de menina, como dizem, associando a juventude ao bom, parece que tá mais ligado a ser quem eu sou que a um suposto remédio contra a idade.

eu aceito a idade, apesar de resmungar. resmungo porque queria voltar meia noite do carnaval e sem dor de cabeça. resmungo porque queria dormir duas horas por noite e dar conta do trabalho. porque queria ter força física e talvez meu corpo dos 20 anos. talvez eu estivesse magra demais. não lembro ao certo. lembro da força e resistência. eram maiores. resmungo. mas a idade me traz um bando de coisa que eu não tinha. ela me traz planos, que eu não tinha aos 20. me traz calma, que eu não tinha nem aos 30. os 40 me trouxeram um futuro. que eu não tinha antes, e daí tanta ânsia.

talvez, apenas talvez, a pele só se adeque aos planos da pessoa. enquanto a gente tá aí pensando e criando o futuro. ela tenta estar do nosso lado. experimenta desistir....

12.12.16

luto

quando meu irmão morreu. eu tinha 22 anos e estava saindo da faculdade. e estava sem emprego e sem nenhuma perspectiva. e sinceramente querendo jogar tudo para o alto e sei lá. não, eu só queria jogar tudo para o alto. enfim. no meio daquilo tudo. minha mãe decidiu que a gente precisava trabalhar. era o jeito dela de encarar o luto e eu concordei. e eu fiz com ela o livro sobre ele. diagramei, imprimi, encadernei. chamei os amigos. ficávamos no jardim da casa da tia colando e costurando o livro. e aquilo por muito tempo ficou sem que eu entendesse o propósito. eu fizera pela minha mãe, mas não entendi. luto pra mim era o que eu tava fazendo com o fim da faculdade e das certezas da adolescência: ficar trancada no quarto calada.

daí eu perdi avó, outra avó, amigos. e segui meio sem entender. mas fazendo. luto se trata quieto, em outros momentos, o trabalho leva a gente. a comunidade leva a gente. depois eu lido com isso. e ia segurando a mão dos que pediam. estando longe do que pediam. porque eu ia entendendo que luto era isso individual. que cada um consegue fazer ou não.

daí hoje eu tô aqui olhando pras perdas e ganhos de uma vida. e entendendo. luto é trabalho. é poder elaborar e seguir adiante. é carregar nas pernas os que vieram antes. é ter na cabeça os que me antecederam. luto é parte integrante da vida. desde sempre. e é importante pra mim esse andar mesmo que. não me peçam mais para parar. eu entendi que. se eu parar e for ali pra dentro do quarto. dali eu não saio nunca mais. cada um elabora do seu jeito. se permitam elaborar. mas permitam a comunidade ao seu redor. permitam o cuidado que os outros querem ter. permitam estar com os outros. porque só daí. só dos outros. podemos criar de novo a nossa vida.

8.12.16

Mãos

Maria estava enlouquecida de trabalho. Com o golpe (gente, não dá pra respirar com o golpe). Com estudo. Maria estava cansada e não conseguia nem pensar em nada. Sobretudo não em rapazes, como tinha perguntado uma tia na festa de natal.

Foi no trabalho porque precisava ir. Falou com os colegas porque precisava falar. E daí de repente olhou pras mãos de um colega que veio falar com ela. Mãos de velho. Pensou. E não pensou mais nada depois.

6.12.16

desgarrada

talvez me defina. porque não é que eu não tenha grupos. é que ativamente eu não participo deles. eu saio pela tangente. em alguns eu fico triste de ter sido colocada na berlinda. normalmente eu fico. mas eu reconheço. que quem faz o primeiro movimento de ir ali ver outra coisa. sou eu. lembro quando eu brigava com ex marido. "como assim eu saí e você ficou o dia inteiro sozinha em casa? e aqueles seus mil amigos?" e eu respondia "seguem estando ali. sigo amando eles. não gosto de ver gente quando eu não estou bem" isso segue sendo verdade. sigo sendo alguém que só pode ver gente se eu começo o movimento. que preciso me esforçar para aceitar um convite e ver gente. mas eu gosto de grupos.

eu ainda falo com o grupo da escola. o da faculdade. o da pós. o do mestrado. eu tenho amigos da internet discada. da internet de hoje. eu faço grupos. eu viro o centro. outro dia uma professora me chamou de "agregadora". eu chamo e coloco debaixo da asa. e tomo cuidado pra não virar uma protetora dos frascos e comprimidos com os meus. mas tem um egoísmo meu insano de precisar ser tudo no meu tempo. e eu preciso estar bem. quando eu estou mal o número de vezes que a palavra eu é falada por mim é desnecessário. o tanto que eu exijo do outro é impossível. o que eu quero nem eu sei. eu preciso estar pronta para doar. porque eu não sei receber.

o texto se alonga. eu sigo desgarrada. amando cada um dos grupos. e me reconhecendo como parte deles. eu estou ali. eu participo ali. eu sei. mas eu sou desgarrada. eu sou a borboleta que aparece vez em quando. que bordeja. que some. e que volta. eu volto. e daí eu posso até ouvir que eu sou desgarrada e escapo deles. mas eu sei que é amor.

4.12.16

noite

eu sempre gostei de boîte. de noite. lembro de ter tentado entrar na kitschnette. não consegui. tentei na dr. smith. não consegui da primeira vez. eu era uma moleca quando pedi pra ir com a prima no barão com joana. sempre fui novidadeira. é aquariana, as amigas horóscopo diriam. enfim entrei na dr. na smith, decidam. eu tinha acabado de fazer 17. ia direto. depois eu fui na sweet home, bang, bunker, nas 3 casas da matriz, no bukowski original, no kalesa, num outro treco que tinha ali na zona portuária. eu ia no baile charm da fundição e ia tanto que o segurança me punha pra dentro sem a fila. eu sempre gostei de noite. ia em todos os forrós da cidade. no ballroom, no malagueta, em santa tereza. enfim. novidadeira.

nessa da novidade, eu nunca passei muito tempo num pouso só. me enjoa. só volto pro samba. pro samba eu volto sempre, não se preocupem. eu sou novidadeira em samba também. cato onde tem um novo, procuro com os amigos quem conhece samba novo. enfim. mas no samba eu fico. no maracatu, nos tambores. é como achar meu lugar. tô bem aqui. é o que curto mesmo. pra que buscar mais novidade? e daí tem a coisa. que eu achei que nunca ia acontecer. das coisas que eu gosto do samba é que pode ser de dia. eu, que sempre fui da noite. enfim. a gente muda vez em quando.

e daí ontem a amiga fez aniversário e me chamou pro bukowski. e é amiga, eu vou. e eu não lembrava porque eu tinha desistido do circuito de boîtes e similares. gente. eu me incomodo com. a música alta. com tocar as mesmas músicas de quando eu tinha vinte anos (apesar de dançar absolutamente todas aos berros. tocou sweet dreams, o que sempre é motivo pra comemorar). mas né? o bukowski nesse sentido é ok. o  bar é limpo. comida decente. espaço amplo. tem até jardim (não se enganem, não é mais a casa da matriz no começo, ou o próprio bukowski no começo, com tudo improvisado mas a um preço acessível, é caro. bastante caro. um drinque 30 reais caro).

daí tem as pessoas. um rapaz beudo com uma camiseta amarrada no braço (não entendi até agora o acessório, gente) me disse que me amava depois de puxar as amigas todas para dançar. agradeci. e ele nem era feio. mas foi rápido demais, acho. uma moça, que nem todas as outras, de cabelo em chapinha e roupa curta, justa e decotada (queria eu ainda usar isso, mas hoje em dia eu fico com pudores) vira pra mim e fala "eu sempre quis ter cabelo assim, eu admiro tanto quem tem coragem de cortar" e fiquei eu olhando e agradeci. mas ela precisava falar. e falou uns minutos sobre o meu cabelo. colocando em mim coisas que eu não quero. simplesmente por ter cortado o cabelo. enfim. as pessoas.

daí que eu irei sempre que as amigas me chamarem. mas evito. locais onde me param para falar do meu cabelo. não me sinto muito à vontade onde não me misturo mais na multidão. não, eu não me iludo. eu sei que sou branca demais, cabelo curto demais, roupa estampada demais. eu sei que não me misturo normalmente. mas ali. com todo mundo de preto e cinza. com todo mundo de chapinha. me senti mais deslocada ainda. e não foi legal. um amigo me perguntou o que eu ia fazer num lugar tão hétero. lembrei a ele que eu sou hétero. então teoricamente faria sentido. mas parece que ele que estava com a razão.

15.11.16

fraca

me impressiona. seguir buscando, como um farejador. e me impressiona. eu ser fraca e frágil e não resistir a olhar de volta. e me incomodar com o que foi feito para me incomodar. me impressiona a forma como é feito. a diligência de buscar um a um. me impressiona que eu não me sinta bem para falar e me incomode ao ver um a um buscando. me cercando como se fosse me deixar sem saída. eu saí duas, eu saí três, eu saio quatro vezes. eu saio quantas vezes eu precisar.

falando isso assim, a tosse parece que quer me abandonar. o corpo parece que não quer mais brigar comigo. falando assim eu posso aparentemente retomar o controle. o controle. ele não existe. eu preciso lembrar que o controle não existe. e que o que busca não vai ser encontrado. e eu vou seguir buscando o caminho que não é mais controlado. e eu vou seguir andando e seguir fazendo. e um dia eu vou olhar pra trás e rir. e falar com leveza do peso todo que ainda sinto hoje.

a você, obrigada pela ajuda quando foi. obrigada por me fazer perceber. e vai pelo seu caminho. eu sigo aqui. fraca de vez em quando. é uma das minhas qualidades.

14.11.16

aposta

uma vez eu ganhei uma aposta que queria perder. amigo disse que leu meus posts. leu o que eu escrevia. e que eu ia me apaixonar. eu ri horrores. e disse que gostaria que ele estivesse certo. mas num levava fé nenhuma nisso. até porque, né, gente? pra se apaixonar a gente precisa conhecer gente. e eu não sou a pessoa mais conhecer gente que existe. vivo bem no meu buraco.

ele deu um prazo. 90 dias, acho. 3 meses. ao fim de 3 meses eu tava encerrando o semestre do doutorado. dormindo talvez 5 horas por dia. andando com amigos muito queridos. mas nenhuma paixão. nem sombra disso. eu gosto do que eu faço e não é muito comum presença masculina na minha vida. sabe aquela frase que geral fala que os homens são homoafetivos? que só se encontram com mulheres para sexo? pois anotem aí: eu ando homoafetiva. e nem ando encontrando com homens para sexo.

esse texto é uma exposição, eu sei. eu me exponho bastante na vida, sempre. mas na verdade é uma brincadeira. arthur, amigo. ajuda aí. vão fazer 180 dias. e nada de eu me apaixonar.

6.11.16

cachorro

sobre as mazelas da vida. como o cabelo que não para de sair da máquina: no prédio tem  dois cachorros que moram, acho, no terceiro andar. no prédio não tem elevador. moro no primeiro. os cachorros, todo dia por volta das 8h e das 20h, descem e sobem as escadas, uma hora depois, latindo. latindo todos os 3 andares para descer. latindo todos os 3 andares para subir.

eu adoro bicho. adoro cachorro, especialmente. tive bicho em casa a minha vida quase toda. quase todos os 40 anos. cachorros grandes, pequenos, de raça, viralatas, adotados, ganhos. gatos de todos os tamanhos. de todas as idades. periquitos. eu coloco garrafas de água pra passarinhos virem beber na varanda e fico sentada nela esperando as borboletas quando o tempo volta a esquentar. eu amo bichos. não do tipo que ama mais bichos que seres humanos. nada é mais legal que um ser humano, gente. nadica de nada. um ser humano dança. e pensa. e vem na sua casa no sábado de tarde cozinhar com você e falar de trabalho, de vida, de filme, de música. um ser humano crê e concorda, e discorda, e divide a cadeira e a vida. a gente ri com os outros seres humanos de uma maneira que mesmo a entrega dos bichos não pode substituir. enfim. tergiverso. eu amo bichos.

mas eu não aguento mais, gente. todo dia. chova ou faça sol. na mesma hora. dez minutos de latido. o barulho se escuta na casa inteira. outro dia esbarrei com ela. os cachorros latindo e descendo a escada. saí do caminho "não, eles só latem" cara. minha senhora. descer uma escada de pedra com eco e dois cachorros latindo enlouquece sem nada acontecer. outro dia minha mãe esbarrou com ela. "eles só latem porque não gostam do cachorro do vizinho" o cachorro do vizinho é quase mudo, gente. quase mudo. é um labrador pastel, sabe? mas aparentemente esses dois cachorros dos infernos são lindos e fofos. sou eu. é o vizinho. o meu irmão. o cachorro do outro vizinho. é a chuva. o sol. o porteiro. são os outros que fazem eles latirem. eu disse que ela berra em resposta pedindo silêncio? pois berra.

tudo isso pra perguntar a vocês uma coisa: tem algum floral. alguma pedra. algum reiki. algum cheiro no corredor. qualquer coisa. pra fazer esses cachorros se acalmarem? faz mais de ano que tô aqui, acho que ainda são jovens e terei ainda muitos anos deles latindo todo dia, de 12 em 12 horas.