13.7.16

o primo

precisamos falar sobre o primo. o primo que tá na sala e todo mundo finge que não existe. chama áfrica. ele tá aqui faz muito tempo. ele é parte do que nós somos, para o bem ou para o mal. e muita gente finge que não tá aqui. finge que não precisamos falar disso. afinal, temos negros na sociedade, é um fato. pra que falar sobre isso?

fui apresentar trabalho na argentina e me impressionei com a alvura da população. com a tentativa de ser ocidente. e me choquei com isso e me incomodei com não falarem. sobre a herança. sobre o genocídio deles. sobre o branqueamento.

mas na verdade mais verdadeira, o que tenho percebido cada vez mais é como nós, aqui, brasil, país que tem salvador. que tem enormes contingentes de adeptos de religiões de matriz afro. que tem carnaval. samba e axé. como nós fingimos que não temos nada a ver com a áfrica. não precisamos falar. tá resolvido.

não tá nada resolvido. não tem nenhuma ligação feita. tentamos apagar e branquear uma por uma. tentamos ainda efetivar o genocídio. no fundo no fundo, acho que muitos invejam a argentina, por ter sido bem sucedida no que falhamos. branqueamos a cultura. branqueamos a história. só falhamos em branquear a população. mas seguimos tentando.

não, cara. a áfrica é parte da nossa história. tem que ser. porque é dali que nós viemos. a europa não é e não deve ser o centro do nosso mundo. temos essa sorte. de não sermos ocidentais. precisamos aproveitar isso. precisamos levar adiante o nosso devir negro. precisamos saber o que se passa fora da europa. é urgente. é urgente porque precisamos interromper o genocídio. e isso faz parte dessa interrupção. faz parte olhar pra trás e saber de onde viemos. você já olhou hoje? é importante saber. quem a gente é. eu canso de falar que não sou planta pra ter raiz. mas eu sei de onde eu vim. e isso me ajuda a saber pra onde eu vou.

o brasil veio disso daí. da escravidão. da áfrica. de um sistema cruel e desumano. não só utilizamos, como fomos mercadores de escravos, e fomos escravos. entreposto. o porto do rio, o cais do valongo, foi o maior porto escravagista do mundo. o primo tá na sala. a gente precisa falar dele. sob a pena de jamais podermos saber pra onde vamos.

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