12.12.16

luto

quando meu irmão morreu. eu tinha 22 anos e estava saindo da faculdade. e estava sem emprego e sem nenhuma perspectiva. e sinceramente querendo jogar tudo para o alto e sei lá. não, eu só queria jogar tudo para o alto. enfim. no meio daquilo tudo. minha mãe decidiu que a gente precisava trabalhar. era o jeito dela de encarar o luto e eu concordei. e eu fiz com ela o livro sobre ele. diagramei, imprimi, encadernei. chamei os amigos. ficávamos no jardim da casa da tia colando e costurando o livro. e aquilo por muito tempo ficou sem que eu entendesse o propósito. eu fizera pela minha mãe, mas não entendi. luto pra mim era o que eu tava fazendo com o fim da faculdade e das certezas da adolescência: ficar trancada no quarto calada.

daí eu perdi avó, outra avó, amigos. e segui meio sem entender. mas fazendo. luto se trata quieto, em outros momentos, o trabalho leva a gente. a comunidade leva a gente. depois eu lido com isso. e ia segurando a mão dos que pediam. estando longe do que pediam. porque eu ia entendendo que luto era isso individual. que cada um consegue fazer ou não.

daí hoje eu tô aqui olhando pras perdas e ganhos de uma vida. e entendendo. luto é trabalho. é poder elaborar e seguir adiante. é carregar nas pernas os que vieram antes. é ter na cabeça os que me antecederam. luto é parte integrante da vida. desde sempre. e é importante pra mim esse andar mesmo que. não me peçam mais para parar. eu entendi que. se eu parar e for ali pra dentro do quarto. dali eu não saio nunca mais. cada um elabora do seu jeito. se permitam elaborar. mas permitam a comunidade ao seu redor. permitam o cuidado que os outros querem ter. permitam estar com os outros. porque só daí. só dos outros. podemos criar de novo a nossa vida.

8.12.16

Mãos

Maria estava enlouquecida de trabalho. Com o golpe (gente, não dá pra respirar com o golpe). Com estudo. Maria estava cansada e não conseguia nem pensar em nada. Sobretudo não em rapazes, como tinha perguntado uma tia na festa de natal.

Foi no trabalho porque precisava ir. Falou com os colegas porque precisava falar. E daí de repente olhou pras mãos de um colega que veio falar com ela. Mãos de velho. Pensou. E não pensou mais nada depois.

6.12.16

desgarrada

talvez me defina. porque não é que eu não tenha grupos. é que ativamente eu não participo deles. eu saio pela tangente. em alguns eu fico triste de ter sido colocada na berlinda. normalmente eu fico. mas eu reconheço. que quem faz o primeiro movimento de ir ali ver outra coisa. sou eu. lembro quando eu brigava com ex marido. "como assim eu saí e você ficou o dia inteiro sozinha em casa? e aqueles seus mil amigos?" e eu respondia "seguem estando ali. sigo amando eles. não gosto de ver gente quando eu não estou bem" isso segue sendo verdade. sigo sendo alguém que só pode ver gente se eu começo o movimento. que preciso me esforçar para aceitar um convite e ver gente. mas eu gosto de grupos.

eu ainda falo com o grupo da escola. o da faculdade. o da pós. o do mestrado. eu tenho amigos da internet discada. da internet de hoje. eu faço grupos. eu viro o centro. outro dia uma professora me chamou de "agregadora". eu chamo e coloco debaixo da asa. e tomo cuidado pra não virar uma protetora dos frascos e comprimidos com os meus. mas tem um egoísmo meu insano de precisar ser tudo no meu tempo. e eu preciso estar bem. quando eu estou mal o número de vezes que a palavra eu é falada por mim é desnecessário. o tanto que eu exijo do outro é impossível. o que eu quero nem eu sei. eu preciso estar pronta para doar. porque eu não sei receber.

o texto se alonga. eu sigo desgarrada. amando cada um dos grupos. e me reconhecendo como parte deles. eu estou ali. eu participo ali. eu sei. mas eu sou desgarrada. eu sou a borboleta que aparece vez em quando. que bordeja. que some. e que volta. eu volto. e daí eu posso até ouvir que eu sou desgarrada e escapo deles. mas eu sei que é amor.

4.12.16

noite

eu sempre gostei de boîte. de noite. lembro de ter tentado entrar na kitschnette. não consegui. tentei na dr. smith. não consegui da primeira vez. eu era uma moleca quando pedi pra ir com a prima no barão com joana. sempre fui novidadeira. é aquariana, as amigas horóscopo diriam. enfim entrei na dr. na smith, decidam. eu tinha acabado de fazer 17. ia direto. depois eu fui na sweet home, bang, bunker, nas 3 casas da matriz, no bukowski original, no kalesa, num outro treco que tinha ali na zona portuária. eu ia no baile charm da fundição e ia tanto que o segurança me punha pra dentro sem a fila. eu sempre gostei de noite. ia em todos os forrós da cidade. no ballroom, no malagueta, em santa tereza. enfim. novidadeira.

nessa da novidade, eu nunca passei muito tempo num pouso só. me enjoa. só volto pro samba. pro samba eu volto sempre, não se preocupem. eu sou novidadeira em samba também. cato onde tem um novo, procuro com os amigos quem conhece samba novo. enfim. mas no samba eu fico. no maracatu, nos tambores. é como achar meu lugar. tô bem aqui. é o que curto mesmo. pra que buscar mais novidade? e daí tem a coisa. que eu achei que nunca ia acontecer. das coisas que eu gosto do samba é que pode ser de dia. eu, que sempre fui da noite. enfim. a gente muda vez em quando.

e daí ontem a amiga fez aniversário e me chamou pro bukowski. e é amiga, eu vou. e eu não lembrava porque eu tinha desistido do circuito de boîtes e similares. gente. eu me incomodo com. a música alta. com tocar as mesmas músicas de quando eu tinha vinte anos (apesar de dançar absolutamente todas aos berros. tocou sweet dreams, o que sempre é motivo pra comemorar). mas né? o bukowski nesse sentido é ok. o  bar é limpo. comida decente. espaço amplo. tem até jardim (não se enganem, não é mais a casa da matriz no começo, ou o próprio bukowski no começo, com tudo improvisado mas a um preço acessível, é caro. bastante caro. um drinque 30 reais caro).

daí tem as pessoas. um rapaz beudo com uma camiseta amarrada no braço (não entendi até agora o acessório, gente) me disse que me amava depois de puxar as amigas todas para dançar. agradeci. e ele nem era feio. mas foi rápido demais, acho. uma moça, que nem todas as outras, de cabelo em chapinha e roupa curta, justa e decotada (queria eu ainda usar isso, mas hoje em dia eu fico com pudores) vira pra mim e fala "eu sempre quis ter cabelo assim, eu admiro tanto quem tem coragem de cortar" e fiquei eu olhando e agradeci. mas ela precisava falar. e falou uns minutos sobre o meu cabelo. colocando em mim coisas que eu não quero. simplesmente por ter cortado o cabelo. enfim. as pessoas.

daí que eu irei sempre que as amigas me chamarem. mas evito. locais onde me param para falar do meu cabelo. não me sinto muito à vontade onde não me misturo mais na multidão. não, eu não me iludo. eu sei que sou branca demais, cabelo curto demais, roupa estampada demais. eu sei que não me misturo normalmente. mas ali. com todo mundo de preto e cinza. com todo mundo de chapinha. me senti mais deslocada ainda. e não foi legal. um amigo me perguntou o que eu ia fazer num lugar tão hétero. lembrei a ele que eu sou hétero. então teoricamente faria sentido. mas parece que ele que estava com a razão.