7.9.16

o sul

o sul é o meu país. não essa coisa fria do sul do país. não o sur mítico da américa. mas o sul dos subalternos. do negro. do que não é ocidental. no sul não somos iguais todos. no sul podemos mudar sempre. no sul os caminhos não são cartesianos. eu renego a lógica cartesiana que me criou. é complicado falar isso assim, eu sei. é difícil. não é lógico. mas eu aprendi faz muito tempo que a lógica. ela é superestimada. sobretudo aqui. nesse espaço que, queiramos ou não, não se curva ao cartesiano. não temos ruas quadriculadas. não temos acontecimentos lógicos. não temos sucessão histórica. a pergunta que fica pra mim é: qual a necessidade de buscar isso? se podemos construir esse outro a partir do que temos aqui?

temos aqui, no sul, o ocidente e a sua negação em convivência. podemos seguir tendo. precisamos seguir negando. porque o ocidente, aqui, entra como violência e como negação de cultura. como brutalidade. não precisamos repetir eternamente essa brutalidade. nada disso é exatamente o que eu queria dizer. tudo isso é um pouco do que eu quero ser. do que eu busco. novas formas. novas coisas. novos eus. novos nós. muito mais bacana do que buscar ser o que não somos. o que não querem que sejamos. o que não seremos jamais. fora do ocidente. fora do cartesianismo. podemos muito mais. muito. nossos corpos podem muito mais.

5.9.16

ser guiada

quando eu era pequena. desde que eu me lembre. eu não queria ser menina. quer dizer. eu amava ser menina. eu amava coisas de menina. cores. saias. bonecas. unhas coloridas. cabelos longos. batom. eu nasci achando divertida a vaidade. detesto todo o resto. não gosto de cuidar de casa. não sei arrumar uma cama. não gosto de lavar a louça. só cozinho pra não morrer de fome. e, e isso é real, não faço carne porque tenho nojo. se morar sozinha, viro ovo-lacto vegetariana no mesmo dia. não gosto de passar o dia no salão e brigo no meio da rua. nunca fui uma boa mocinha. mas aprendi a ser mulher. me ensinaram. na verdade. eu gosto. fora a tal da menstruação. eu gosto. de usar as saias, as unhas, os enfeites, as tintas. claro que isso não é ser mulher. mas como nada define exatamente o que é. eu falo que é o que se aproxima dos signos considerados femininos.

tô definindo aqui. os que eu tenho. os outros eu não tenho. eu não sou delicada. não sou pequena. me recusei de forma bastante consciente e sistemática aos signos da mulher delicada. aos signos que me fechariam em uma definição. também me recusei aos da mulher intelectual, que deixa a vaidade de lado e não se penteia, e não faz as unhas. eu fui tentando achar os meus signos. e é sempre complicado buscar isso. um caminho e um espaço em que estamos, na verdade, sozinhos, porque ninguém está com a gente dentro da nossa cabeça, né?

e o meu caminho acabou sendo mais perto do pensar, da política, do questionar. e daí que não. eu não sei ser guiada. pode parecer que tem nada a ver. mas tem. e sabe o que é o pior? eu adoro dançar. eu tentei fazer aulas. eu tentei de tudo. eu sigo não deixando quase ninguém me guiar. e talvez essa seja a frustração da minha vida. não poder dançar.

1.9.16

pensar demais

eu penso demais. eu vivo na cabeça. eu narro o mundo porque pra mim ele só existe na narrativa. se eu estou calada. é porque eu queria estar falando. porque na produção de fala eu encontro sentido. não aquele sentido primordial que faz tudo parecer encaixado. eu deixo esse pros teóricos da conspiração e pros adolescentes que sabem o que fazem. mas sentido como em parecer que eu posso. não sei o que. mas posso. 

nesse pensar demais, nessa fala, nessa pasmaceira de elefante, eu me aflijo e entendo quem precisa fazer o tempo todo. e eu uso e gosto dessas pessoas para poder agir. eu preciso dessa amizade. da pessoa que faz. eu preciso desse contraponto. eu falo. eu penso. eu crio. eu não sei agir. eu sozinha não saio daqui. exatamente de onde estou. sentada na cadeira com o computador e meus livros. eu poderia jamais na vida sair daqui. eu não ajo por mim. eu fico. estacionária como um elefante (eu adoro elefantes.

como eu amo saber que tem gente que vira pra mim e fala: vamos? porque eu vou. sempre. a sensação do corpo de que eu posso ser guiada. de que eu posso sair do sofá. de que alguém pode me falar o simples. dar o empurrão que eu, sozinha, não me dou. agradeço a todos os amigos que estão junto e me chamam pra ir. me dizem que devo ir. me sorriem e me falam o que preciso ouvir, fora da minha cabeça e dos livros tão amados. o mundo não é isso aqui.

tudo isso pra dizer que. o que se repete é o sintoma, é a forma do trauma. tá tudo errado mesmo. foi golpe. não posso ficar em casa agora. preciso sair para poder estar em conjunto e elaborar junto o que é que posso fazer no futuro. a elaboração individual, no mais das vezes, é só isso mesmo: elaboração individual. resolve com o analista, com o rabino, com o padre. cura culpa e dizem, até lumbago. mas não tenho agora nem culpa, nem lumbago. tenho pressa, tenho medo, tenho melancolia. essa. essas. eu vou curar com os amigos, com o junto, com o comum. não é o momento da minha cadeira.