31.5.16

conceitos

sobre diferenças na verdade. conceito pode partir de generalização, mas não é a mesma coisa. conceito é construído após análise, discurso, debate, construção. conceito não é tão vazio quanto parece. talvez seja difícil acessar um conceito sem conhecer o debate que o antecede. mas é pra isso que seguimos aqui. sendo acadêmicos chatos. tentando explicar. repassando. estudando. relendo. debatendo. tô aqui falando dos conceitos todos. com amigos. comigo. para poder depois explicar. repassar, sair do mundo da academia.

dito isso. o erro é meu e dos meus se um conceito é mal compreendido. é tratado como mera generalização. é tratado com raiva. com desprezo. o erro é meu e dos meus quando a intelectualidade é vista como um entrave a algo. quando nós somos o problema que atrapalha a vida. e não a chave que ajuda a entender.

deixa que o pensamento abra a porta. que o conceito te mostre outra forma de ver a vida. que as palavras possam ter mil significados. que a ressignificação te faça ver outros arco íris. deixa que a provocação da palavra te faça trilhar outro caminho e que isso seja bom. tão bom quanto falar com um amigo. quanto beber uma cerveja. quanto malhar ou ir na praia. deixa que o raciocínio e a dúvida te coloquem em contato com o que você não conhece. que o mundo seja maior. o mundo é sempre maior do outro lado, acredite. acredita que reler e tentar entender o ponto de vista de quem criou a teoria pode te fazer até seguir discordando. mas entender de onde veio. e entender é libertador. saber as regras deixa a gente vendo a estrutura do mundo. tenta ver. é meio como a escolha do neo. a gente quer a azul ou a vermelha? não precisa ver toda a estrutura do mundo. ninguém vê toda. mas é bacana saber que ela existe.

30.5.16

família

detesto família. não sei lidar. sou uma pessoa de amigos. aquariana, alguns diriam. chata, digo eu mesma. nem sempre tenho o que falar. nem sempre me sinto muito à vontade. mas era casamento do meu irmão. e nem sempre eu caso um irmão. alguns vão dizer que, com sete irmãos, isso nem é verdade. mas tergiverso. é meu irmão. e é caçulinha, sim. apesar de ele ser o mais velho, pra ele mesmo. mas é mentira. a mais velha sou eu. e caçulinhas são eles todos. pra vida inteira, amém. darei bronca, abraçarei e direi que são lindos. podem se acostumar, se não se acostumaram ainda. mesmo que bissexta, num desisti não desse papel. apesar do outro irmão ter dito "na verdade família pra você é só a nuclear. você ignora o resto, apesar de entender. tem mais ligação com os amigos"


voltei pro aquariana. e pior que é verdade o estereótipo aqui. os amigos que carreguei pro dia a dia. os que me conhecem o meu trabalho. os que eu seguro a mão se achar que precisam. os que eu não deixo de ver por nada. são meu porto seguro muito mais do que a minha família. vejam bem. eu gosto deles. eu só não tenho essa ligação atávica. eu acho lindo eles terem. enchem meus olhos de lágrimas com tanto carinho. eu percebo que o afeto entre eles e comigo é muito real. e eu quero poder retribuir. só não sei fazer isso. 

e daí eu que nem ia falar tanto. queria só dizer que. as diferenças nunca cessaram. mas elas são boas. e eu posso ser capaz de um amor que não é o que eles esperam. não é derramado. tátil. de riso frouxo e corpo aberto. essa não sou eu. eu acho isso lindo. eu admiro isso neles. eu vivo dentro da cabeça e pelos dedos nos teclados. meu derramamento é aqui. escondido. sem avisá-los, inclusive, idealmente (a timidez, gente, a timidez vez em quando supera tudo, menos essa exposição daqui)

eu posso te amar. e não sei se você algum dia vai saber. porque o mundo é bom aqui. no meu ninho. nos meus dedos. 

27.5.16

manda uma mensagem

outro dia me falaram. na verdade, faz é tempo. e eu perdi um pouco de carinho por muita gente. mas passou, porque eu tendo a tentar seguir e sacudir o mal estar pela vida em sociedade. enfim. me falaram dos grupos de whatsapp só de moços. homens ficam trocando. fotos de moças nuas. impressões sobre as moças que já viram nuas. impressões sobre seus times de futebol.

a gente fica ali. entre um jogo do vasco e um do botafogo. a gente é. nitidamente. tão importante ou tão gente quanto uma boa defesa. ou um enorme frango. a fala ainda veio com a informação de que comentaram que uma menina não era boa. de cama, digo. atire a primeira pedra quem nunca disse que deixou de sair com uma pessoa porque era ruim, eu pensei.

mas com esses acontecimentos eu tenho pensado. você tem quantas fotos de gente pelada no seu celular? que te entregaram elas em confiança? você mostra? a gente pode? onde a gente tá nisso? eu ando insistindo na banalização. não é banal a confiança que a gente deposita no outro na hora do sexo. não devia ser.

não estou dizendo aqui que sou santa. que nunca errei. mas a gente pode sentar e pensar. em estruturas. em por que eu fazer isso soa a uma subversão e um homem soa a uma manutenção de status quo. porque de qualquer jeito é uma ruptura e uma banalização da intimidade. e deveria ser combatido e não incentivado.

então. sabe o grupo? apaga. sai de lá. para com isso. percebe que é manutenção de estrutura de opressão, sim. respeita. acarinha. o outro. o que você quer ou quis perto. mesmo que por uma noite. a noite inteira. o dia. duas horas. uma semana. cuida sim. não expõe. não quebra o acordo. cada quebra de acordo é um passo pra toda essa coisa absurda que tá tão em pauta, que a gente chama de cultura do estupro. é a banalização do corpo do outro como coisa. não é coisa não. é gente.

pimenta

quando eu era pequena. tinha empregada em casa. é, eu sei. eu hoje em dia discuto isso e tudo. mas eu era pequena. e minha mãe tinha 4 filhos. e era separada do meu pai (que era rico, coisa que ele ainda é vez em quando, não sempre que é pra não enjoar, acho). e era isso. fazia parte do pacote, acho. enfim. eu conversava com ela. via televisão. conheço os filhos. na verdade, até hoje ligo nos aniversários vez em quando, apesar de não ter mais relação de trabalho. ficaram de alguma forma na vida da gente. mas esse não é um texto sobre relações de trabalho e o problema da herança escravocrata nem sobre casa grande e senzala e o brasileiro cordial. talvez seja perto disso.
um dia, numa conversa (que minha mãe jura que acha que eu era mais velha. minha mãe esquece que meu pai faliu eu tinha 12 anos. depois disso, não tinha empregada), ela começou a contar causos do bairro onde morava (engraçado, não lembro qual? sei que hoje ela mora em jacarepaguá. taquara). daí. um deles, que eu nunca, jamais, esqueci, era sobre uma moça que foi traída. e foi traída e contratou dois rapazes. e fez um vidro de pimenta. e os dois rapazes colocaram o vidro de pimenta na vagina da moça que teve um caso com o marido da primeira. e eu, pequena, perguntava “mas e o útero dela? levaram pro hospital? isso deve doer? e por que não mandou fazerem isso com o marido que traiu?” e desfiava mais mil perguntas. que deixaram ela sem graça, sem saber responder.
a violência está entranhada na sociedade da gente (falei que não ia comentar casa grande e senzala nem colonialismo. menti). faz escadinha. quem pode um pouco mais economicamente ou socialmente faz questão de sadismo com quem pode menos. a gente naturalizou isso e acha que faz parte. não faz. não deveria fazer. o colonialismo, dizem, é fundado na violência. a única linguagem que conhecemos.
a menina. que foi violentada por 30 rapazes. foi porque podem, porque estão um pouco acima. a menina. que levou pimenta na vagina. também foi porque a outra podia. estava um pouco acima. é tudo sintoma da mesma sociedade que se baseia na violência e não sabe andar depois dela. são histórias com 30 anos de distância. uma particular, até onde eu saiba, nem saiu no jornal que a moça teve seus órgãos reprodutores queimados por pimenta. é tão banal que não saiu no jornal. a violência pode ser filmada hoje em dia para ser mais banalizada. 
quero crer, porque sou das que busca copos meio cheios, que hoje em dia podemos ainda, apesar da tentativa de guinada a um não falar, discutir e falar sobre essa violência. tentar ao menos explicar que não. que não temos direito sobre o corpo das mulheres. de nenhuma mulher. que o corpo de cada uma é de cada uma, que não podemos violá-lo. e que isso não é e não pode ser banal.
quero crer. que 30 anos depois. preciso crer. que nós mulheres estamos começando a entender isso. que somos uma. que estamos juntas contra as violências que nos colocam por baixo de tudo. quero crer que a pimenta hoje não seria dirigida a outra mulher. que a luta é por todas. sem diferença. que a violência pode ser instrumento e não mais única linguagem conhecida.
eu até hoje tenho pesadelos com essa história da pimenta. e não foi comigo. não consigo sequer imaginar como seria se fosse comigo. quando é.