29.12.14

Senta

- Não João. Senta, me escuta. Não. Não tô discordando de você só pra discutir. Não. Não deixei de gostar de você porque não concordo. João. Ouve. Por favor. João. Eu não acho isso porque não li as coisas certas. João. Não esquece que a gente estudou junto. Que a gente nunca parou de estudar. Ouve, João. Eu discordo só porque sou sujeito João. Porque apesar dessa nossa vida que cansa de ser entrelaçada e grudada existir, eu existo antes e depois de você. Nai só durante. João. Eu sei que você não percebe. Eu sei que você acha que é desamor. João. Não é. Eu te amo mais do que um dia vou poder explicar com palavras. Não João. A gente não é um só. Eu não sou radical. Você pesquisa isso, devia usar melhor as palavras. João. Eu só sou. E em si isso carrega diferença. João. Escuta. Entende, João. Discordar também é amar. Deixar o outro ali, naquela alteridade toda e apoiar isso também é amar. Não tentar manipular o outro pra mudar. Entender o limite do outro João. Sim. É o meu limite. Eu sei que é o seu. Posso conviver com isso. Você pode?

8.12.14

20 anos


Aos vinte anos a gente usa flor nas costas. A gente sabe onde tem aquela festa bacana na praia, puxando energia do poste pro som. A gente fica na praia desde de manhã até essa festa começar. Porque aos 20 anos a gente não tem obrigação. Quer dizer, a gente já paga as contas. Mas não tem de voltar pra casa quando o sol se põe porque o filho tá cansado, e aguenta não dormir e ir trabalhar no dia seguinte. Aos 20 anos nossos fígados são imbatíveis.

Agora, quase fazendo 40, eu não sei mais onde é a festa. E se vou pra praia, mesmo sem ter filhos, volto quando o sol se põe pra dormir, porque a lombeira me consome as energias. Aos 20 anos a gente é sexy. Porque não tem nada mais sexy que a pele de uma pessoa de 20 anos. Aos 20 anos tem um brilho nisso daí.

Aos 20 anos a gente chama as amigas e vai lá pra festa e paga mico dançando até o chão e caindo no chão. E ri disso como só aos 20 anos a gente consegue. Porque, a pouca idade nos ensina, isso não tem nenhum problema. E a gente vai lá e continua achando que tá dançando pra pegar o gatinho que (não) sabe tocar o saxofone. Mas aos 20 anos isso não tem a menor importância.

Em algum momento a gente cresce e essa leveza vai se desfazendo. E a gente vai achando que mesmo no fim de semana a gente tem de saber o que vai fazer. E que a gente não pode cair no chão dançando. Ou não pode paquerar o rapaz porque ele toca mal o saxofone. Ou precisa resolver umas paradas de trabalho no domingo. Eu queria uns dias. Só uns dias. Uma máquina do tempo interna. E ser capaz de voltar pra calma e pro tempo dos 20 anos. Pra andar por aí de canga e achando graça do nariz da amiga com espinha. Pra rir três dias com as coisas mais improváveis. E não achar que não posso.  Envelhecer é perceber os limites.