29.4.14

escuro

aquele cantinho escuro era só dela. era confuso. era escuro. mas era dela. as pessoas não entendiam aquele prazer em voltar pro cantinho escuro. os amigos nem falavam nada, vez em quando. ela ficava no quartinho escuro. ela brigava com quem tentava entrar.

o cantinho podia existir por dias ou semanas. meses não. ela não se dava a esse luxo. tinha a palavra. depressão. mas novamente. ela não se dava a esse luxo. a avó, quando ela era pequena, lembra bem, ficava até 4 semanas sem sair da cama. sendo lavada. sem acender a luz. lembra da primeira vez que viu. depois trocavam os remédios. e só se repetia a cena uns 2 anos depois. depois a avó começou a fazer análise e os remédios estabilizaram mais.

vez em quando queria se largar no sofá. ou fazer algo drástico. que dessem os remédios. os remédios parecia que melhoravam tudo. mas na verdade, não faria nunca. aprendeu desde cedo que não faria como a avó. que quem tá em volta também sofre com aquilo. e ia indo pra frente. porque os outros importam.

tem uns dias em que o mundo está insuportável. e parece que esses outros não existem. e daí. ela para. entra no cantinho. chora o mundo. lembra de todos os outros. e tenta sair do cantinho. porque sempre tem os outros. e eles sempre vão estar ali. aparecendo. estendendo a mão. falando asneira. sofrendo também. e é em frente. é ali, com os outros. que tudo importa.

23.4.14

ilha


Alice passou a infância naquela ilha. O pai tinha uma casa ali no canto, sabe? Agora voltava sempre que podia. A casa do pai era meio caindo aos pedaços. Quase uma casa fantasma. Enorme e vazia. Ela ia por vezes sozinha. Por vezes com amigas, ou com algum cara com quem estivesse saindo. Era o caso. Mas era estranho. Porque se conheciam fazia pouco, e Cláudio meio que tinha se convidado. Ela queria estar sozinha.

Mas tudo bom, também. Ele era bacana. Ela também não podia ficar nessa de nunca mais deixar ninguém ir ali. Enfim. Era hora de abrir alguma porta, essas coisas cafonas de autoajuda e tals. Depois, era só um dia sozinha com ele. No dia seguinte chegariam os amigos. Nem um dia. Chegaram no fim da tarde, começo da noite ali. Ele estava com frio e não parava de perguntar que ideia de jerico era aquela de ir pra Angra naquele frio. Ventava. Não tinha aquecedor. Era úmido pra danar.

Alice riu. Angra no frio era melhor. Era só dela. Era sem multidão. E a multidão de Angra é das coisas mais desagradáveis. hordas de pessoas disputando pela melhor lancha, o biquíni da moda, o corpo mais em forma. Ela não se sentia muito confortável. Na chuva, não. Era ela a maluca que pegava o barco na chuva. que chegava encharcada na ilha. Que punha um moletom velho (e só em Angra ela se vestia largada assim) e ficava lendo naquele salão enorme. Frio com o vento entrando, já que nenhuma janela fechava direito.

Cláudio tentou. Fez jantar. Lavou tudo. Arrumou a cozinha. Alice na verdade continuava incomodada com ele ali. Acabou de jantar e fez o velho ritual da vida. Um chá. Um livro. No vento. Na varanda. Cláudio riu. Percebeu que era um intruso ali. Na verdade, nem sabia muito bem explicar porque tinha decidido ir na véspera, não com o resto do povo. Com Joana, sua amiga. Sabia que Alice tinha feito ele voltar a pensar em sair com alguém. Sabia que queria estar com ela. Meio que sabia porque tinha ido. Mas percebeu, que não era idiota, que estava ali ocupando um espaço estranho. Que de certa forma ela não queria ocupar. Simplificando, ele forçou a barra. Daí tanto cuidado com o diacho da cozinha. Com camarões (ela adora frutos do mar, inda mais na ilha). E ele queria conhecer Alice. E entendeu que de algum jeito aquilo ali também era ela. Um lado meio errado dela.

Olhou pra ela encolhida naquele sofá na varanda. Como se tivesse sei lá, cinco anos. Esperando alguém ali. Pegou um chá pra ele também. Um livro. Sentou ao lado dela. Cuidadosamente sem invadir o espaço. Alice olhou. Riu dele tentando ser invisível. Daquele tamanho todo. Se aconchegou nos braços dele. Percebeu como ele era confortável. Dormiram ali. Acordaram com os amigos berrando felizes com o sol brilhando no mar. Ainda do barco ao longe.


15.4.14

praia

era inverno. e tava frio. tá, não era frio de verdade, vamos lá. era frio pra rio de janeiro. mas estamos no rio de janeiro. ana não tava conseguindo dormir. virava de um lado pro outro na cama sem parar. já tinha contado carneiros. feito meditação. entrado no facebook. visto se mais alguém sofria de insônia com ela. nem tava tão tarde. uma hora. levantou. colocou a primeira roupa que viu e foi pro bar. ali em botafogo mesmo. estavam sempre abertos.

essa neblina não combina com a cidade. esse tempo em que as pernas precisam estar cobertas não combina com a cidade. ela muda. ana achava até que as pessoas falavam mais baixo no bar do que de costume. foi ao bar nessa necessidade de ver gente. meio estúpida. mas aquela noite, ficar sozinha tava deixando ela irritada.

sentou na primeira mesa que não ficava na chuva. acendeu um cigarro. pediu uma cerveja ao garçom, que nem perguntava mais se ela teria companhia. tinha dias que não, e ele já sabia. em geral com um livro ou pendurada no celular. hoje nem isso. só o cigarro. claro que tinha celular e livro na bolsa. mas hoje não.

ficou ali fumando o cigarro e pensando na vida. bebeu a cerveja. pagou as contas e saiu dali. não quis ir pra casa. a cidade muda na chuva, pensava. e ela tava afetada por isso. certamente. era isso. resolveu andar. riu um pouco pensando que sua mãe teria síncopes se soubesse que ela estava andando a essa hora sozinha.

foi andando pela voluntários mesmo. como se não tivesse chovendo. mas estava. muito. a calça jeans grudou no corpo de tão molhada. a camiseta também. roupa velha, já puída. queria ver o mar de repente. entrou num ônibus. atravessou o túnel velho. saltou ali do lado da serzedelo correa, e foi andando até a praia. vazia. chovendo. é. de repente não era a melhor ideia do mundo. olhou aquilo ali. as ondas estavam altas. o mar estava de ressaca. parecia que queria chegar ali no calçadão. vinha com força. com raiva. clichê dizer isso, mas era um espetáculo meio assustador.

de forma estranha aquela água toda acabou com a angústia. ou foi o cansaço de andar. quem sabe? voltou. pegou o ônibus de volta. chegou em casa, tirou aquela roupa molhada e grudada. fumou um último cigarro só de calcinha, olhando pela janela. pensando na vida. nos últimos caras com quem tinha saído. nas amigas que ela nem tinha pensado em chamar. na família. riu meio cansada.

entrou no chuveiro quente. deixou mais água escorrer por suas costas. se secou. deitou na cama....