10.2.14

hippies

Na calçada da rua, deitada entre as árvores e as escadas dos prédios, Sofia conversava com os amigos. A escola era ali perto. A casa da Joana era no prédio do lado, e o Marcos morava nesse. Os outros tinham só falado pros pais que iam estudar. Estudar era sempre ótima desculpa. Começo do ensino médio e tals. Claro que nunca estudavam. O problema hoje era com Mariana e Gustavo. Problema de adolescente, claro. Tinham terminado o namoro.

Júlia estava contando pra todos que tinha visto o fundo de tela do celular dele. Era uma foto dela. Gustavo estava arrasado. Mariana tinha terminado tudo. Era nova demais pra namorar, não sabia se queria, tinha outros moços por aí, não estava apaixonada, enfim, o clássico, como saberiam dali a alguns anos, "não é você, sou eu".

Júlia tinha ouvido horas de Gustavo contando. Como Mariana era linda. que sorria com os olhos. E adorava usar cor de rosa. E... Nossa. Júlia tinha saído do papo achando Gustavo meio bobão, na verdade. Dando certa razão pra Mariana. Mas ele tinha a foto dela no fundo de tela, sabe? Podia ser bobão, mas gostava dela, porra.

Ficaram ali deitados, lagartando no calor da tarde de verão do rio horas. Meio que decidindo sobre a vida alheia (e a deles também, claro. Sofia estava de olho em Pedro desde a festa de formatura do nono ano), meio que só deitados. Os celulares começaram a tocar. Os pais de Joana e Marcos chamando pra jantar. Todos iam na festa de noite, mas os pais ainda achavam de bom tom meninos e meninas se arrumarem em casas separadas. Sabiam nada. Marcos tava saindo com João, afinal. mas pra que esplanar, né?

Não viram, enquanto levantavam pra subir, Mariana e Gustavo na esquina. discutindo aos berros. Parece que não tava tão acabado assim. Gustavo tinha ido tentar entender. Mariana numa explosão explicou que ele berrava com ela. Que ele era grosseiro. E que ela tinha enchido o saco. Quer dizer, era ele. Ainda aproveitou pra jogar uma pitada de ciúmes: mandou ir atrás de Joana, por favor. Que era louca por ele.

Gustavo berrava pela rua atrás dela. Ao ponto em que João e Marcelo, que tinham ido na padaria, ouviram e carregaram ele pra longe. Todo um drama. Mas a parada era simples, vaticinaram. Mariana não queria ele, era hora de fazer a fila andar. Gustavo era bonito, surfistão, bom aluno. Pra que correr atrás da, talvez, única garota que não tava na dele?

A essas alturas eu me perdi com as histórias. Pera. eu sou a Sofia. Tentando contar da festa em que fomos. Todos convencemos os pais. Primeiro ano do ensino médio. Festa na casa do João. Aniversário dele. 16 anos. Os pais estavam viajando, o pai do João é um cara muito bacana, arquiteto. E confia no filho. O que talvez não seja sábio. Mas enfim. Nada de grave aconteceu. Meninos beberam. Alguns passaram mal. Nada demais. Nada que você não veja o tempo todo.

Eu sempre fui a careta da turma. Mais por medo de perder o controle que qualquer outra coisa. Mas sei lá. Era uma festa. Na casa de um amigo. A mãe dele, na verdade, estava ali. Mas não achava ruim a gente beber nem fumar. Dona Márcia era engraçada. Meio ex hippie, sabe? Tomava conta e tals, mas não se metia.

Gustavo foi com João e Marcelo pra casa deles. Dona Márcia (a gente chamava ela assim simplesmente porque ela odiava) acendeu um cigarro e entregou pra eles fumarem. O menino precisa se acalmar, disse. Tentou tirar dele o que estava acontecendo, enquanto os outros arrumavam a sala. Conseguiu. Ele estava assim, possuído, porque Mariana tinha terminado com ele quando ele achou que ia trepar com ela. Gustavo detestou ouvir aquilo falado daquele jeito. Mas enfim. Se acalmou. Percebeu que estava sendo um idiota. E se preparou pra Mariana ir na festa. Era o melhor. E talvez ficar com outra menina.

Mariana, na confusão, correu pra casa errada. Bateu na casa da prima dela, Cecília, que era ali perto também. Prima mais velha, dava uma calma conversar com ela... A prima convenceu ela a não ir na festa. Ir com ela e os amigos jantar no bar da esquina e depois Cecília levava ela pra casa. Ia fazer bem a ela. Claro que ela não tinha de dar pro rapaz se não queria. Claro que sexo é uma coisa importante demais quando a gente tem quinze anos pra ser assim, porque o rapaz quer. Mariana ainda falou "não é porque eu quero só trepar com o grande amor da vida. Mas só quero quando eu quiser fazer" Certíssima, disse a prima. E emprestou a roupa pra ela ir jantar. Mariana amou se fingir de adulta com a prima de 30 anos. E esqueceu de vez Gustavo, dormindo agarrada na tartaruga de pelúcia.

Na festa, quando eu cheguei, os três meninos tinham dormido. Márcia abriu a porta e entramos, eu, Júlia e Joana. Falando pelos cotovelos. Ela riu. Sentou conosco no sofá, éramos as primeiras. Perguntou pelo namorado do filho que tinha passado a tarde conosco pelas calçadas, ela bem viu voltando do trabalho. Falamos que tava com Pedro, que tinha ficado por ali pra não ir até a Barra e voltar. Márcia deu razão aos pais de Pedro (mais dois anos e nem iriam mais se importar, né? mas por enquanto...)

Eu era tímida, na verdade. Não sei se falei. Márcia acendeu um cigarro pra gente. Nem pensei no que meus pais falariam. Fumei com as meninas. Na hora, não percebi nada. Só percebi que não era mais tão tímida. E foi chegando gente. E os meninos saíram do quarto. E finalmente chegou o Pedro. E eu tomei coragem. E puxei ele pro canto pra falarmos só nós dois. E esqueci completamente do drama do dia. Da mãe bacana. Do resto da festa. Até que naquela noite eu podia beber. E eu dei sorte. Ele esqueceu também.