30.11.13

vaidade

sofia tinha um armário cheio de vestidos e saias. sofia vez em quando achava que não tinha mais nada. mas tinha os vestidos. e o aluguel daquele micro apartamento no catete. com vista pra... bom, com vista pro vizinho. de uma das janelas, do canto, se via o cristo. tava bom de horizonte. e de janelas. duas. pro tamanho do apartamento, um luxo. era um pouco maior que uma kitschnete. mas não chegava a ser um quarto e sala. enfim. sofia estava se sentindo sozinha nessa quarta feira.

fez um macarrão besta pra jantar. só com tomate mesmo. só por preguiça. sentou pra ver tv. nem pensou muito o que tava vendo. era só barulho. só pra não estar sozinha. engraçado. sofia costumava gostar dessas horas. ninguém falando com ela. exigindo nada dela. ela costumava conseguir pensar. mas hoje, não. hoje tava tudo do avesso.

ela trabalhava em casa. naquela caixa de sapatos. vez em quando, pra se sentir menos presa, saía de casa pra almoçar. tinha voltado pra faculdade. pra ver se ficava menos ermitã. mas não funcionava. ela saía de casa. desgrenhada. quer dizer. desgrenhada pra ela. já descobrira que pro resto do mundo nem era. culpa da família, certeza. por demais formal. enfim. era noite. estava cansada. fim de semestre no tal do mestrado. e não tinha conseguido férias do tal do trabalho. tava complicado.

tinha saído na véspera com o povo do mestrado. o de sempre. só um chopp depois da aula. só um. uma amiga mandou mensagem. tava na praça. será que ela animava de dar uma passada lá antes de ir pra casa? daniel também estaria lá, certeza. sem marcela. sofia tinha desistido de entender. gostaria de entender. mas tinha desistido. carol insistiu. precisava conversar, disse.

sofia foi. de repente nem encontrava o cara. ela tava feliz. a aula tinha sido boa, a discussão tava interessante, ela sabia aonde tava indo pela primeira vez em anos. se sentia segura. não ia ser um problema ver daniel. tinha superado. palavra ridícula. parece que a gente atravessou uma rua. escreveu um trabalho pra faculdade. sei lá. mas era isso. daniel era parte do passado. ela podia ir na praça encontrar carol. e foi.

carol estava linda. de vestido, coisa rara. e com um sorriso lindo. gostou de ver a amiga assim. um abraço. uma cerveja. e carol começou a falar. sem parar. como se fosse uma metralhadora. sofia começou a rir. e soube, ali, que carol não ia nunca falar o que queria. mas enfim. foi ouvindo. daniel apareceu. e era verdade, sofia só deu oi e seguiu a vida. continuou a ouvir carol. daniel ainda rondou uns minutos, mas desistiu.

carol riu com aquela cena. pegou o celular. mostrou o mail. "filho da puta" disse sofia. carol gargalhou dessa vez e disse: exatamente o que eu pensei. o ex da carol. era pior que daniel. sofia riu entendeu a tensão. pegou mais cerveja. e ficaram até de manhã falando, deixando daniel e gustavo no passado. não tinha sido tarefa fácil. nada fácil. mas de repente....

daí. hoje. quarta. acordou tarde. e passou o dia se sentindo sozinha pra cacete. olhando pros vestidos. pensando que carol não tinha tantos vestidos. não era tão vaidosa. mas tava de vestido ontem. e podendo rir. e pensando pq ela, sofia, ali, com a mesma constatação não queria nenhum daqueles vestidos.
verão

o dia estava estupidamente quente. grandes novidades. dezembro no rio de janeiro, se estivesse fresco, era motivo de festa. um sol que parecia dois, mais quente que no deserto, essas coisas todas. não era um dia pra trabalhar. definitivamente aquela roupa toda era um exagero. o ônibus lotado. o centro da cidade lotado. verão no rio deveria ser só pra turistas. como em paris. fecha a porra toda e vamos pra praia. ou pras montanhas, pegar um fresco.

enfim. reunião. toda arrumada pra não fazer feio. ia fazer uma apresentação. e suava feito um porco. desagradável. mas vamos lá. pra tudo dá-se um jeito. entrou na sala de reunião, e sentiu frio na mesma hora. não, carol não tinha problemas com falar em público. carol viu que um dos novos clientes era seu ex marido. não, tinha sido um término civilizado. apenas não estavam mais no mesmo lugar. acontece. como acontece rasgar a meia calça. acontece escorregar e quebrar o braço. acontece sei lá, o motor do carro fundir. coisas que não deveriam acontecer acontecem.

enfim. ela não sabia, mas percebeu na hora em que o viu. ainda ficava mexida. delícia. pelo menos o suor poderia ser creditado ao calor. até agradeceu. deu boa tarde. não falou nada. fez a apresentação. fez seu trabalho. voltou pra sua mesa. quieta. sem dar muita bola pro resto dos colegas. tentou não falar muito. pra não dar muito na vista. abriu o computador. olhou o e-mail. ele tinha sido muito, muito rápido. deve ter escrito no telefone o diabo do mail. era de se esperar. dado o histórico dele. enfim.

na hora nem quis ler. desceu pra fumar um cigarro. comprou um café. levou o celular. melhor ler quieta e sozinha. no e-mail, só uma frase. "ainda morro de saudades"

filho da puta.

19.11.13

você me fez chorar vezes demais nessa vida. claro que me fez rir também. e que era muito bom ficar calado. lendo o jornal. com as pernas misturadas na rede. e que aprendi a comer manga. e você aprendeu a ler literatura africana. e eu acabei de ler o rosa. e você aprendeu a comer queijo francês de verdade. e a usar um pouco mais de manteiga na comida. o purê nunca consegui ensinar e desisti. claro que as noites nem sempre eram boas. e que nós dois nos magoamos, não fui só eu quem chorou. claro que o rio de janeiro vez em quando era pequeno pros dois. claro que eu não aprendi a gostar de acordar cedo. e você não aprendeu a gostar de não fazer nada o dia inteiro. claro que eu não fiz questão de ser amiga dos seus amigos. nem você dos meus. claro que essa história não durou só dois meses. claro que ela não foi uma história fofa pra disney contar. claro que eu fui filha da puta. e você também. claro que eu tive raiva. e claro que eu fui muito feliz. claro que aprendi que estabilidade não mata. e você que instabilidade também não. eu te ensinei a não ter culpa de dormir. de comer. de trepar. você me ensinou a ser um pouco rancorosa. e a desconfiar por vezes do outro. não aprendi muito bem. e a ter culpa vez em quando. nem que seja pra ter assunto na analista. claro que durou tempo demais. claro que agora não dá mais.

12.11.13

Saia Velha


Cabelo horroroso, roupa velha e claro, a metade homem do casal mais lindo do mundo desce o elevador comigo. Mariana pensou e se olhou no espelho. Não, nada se salva. A saia ainda por cima tem um laçarote que por baixo da blusa frouxa faz um murundum. Coisa horrorosa. A saia tinha um furo. queimadura de cigarro. Mariana ficou fixada naquilo. Olhando no espelho. Pra que morar em andar alto, gente? A metade abre a porta pra ela passar. Não sem rir. Era sempre assim. Aqueles dois deixavam ela meio tonta. 

Desde que se mudaram pro prédio, era sempre o mesmo drama pra ela. Queria estar arrumada. Pros dois. Cheirosa. Estava criando uma relação inteira na sua cabeça. De repente era isso que chamam de loucura. Deixa. Nenhum dos dois nunca iria olhar pra ela. Sem graça. Normal. Os dois espetáculos de seres humanos. Affe. Andou até a barraca de pastel. Parando pra pensar, por que diabos tinha ido na feira assim? Era sábado, a barraca de pastel ficava sempre cheia. 

Mariana andava meio desleixada. Lembrou da avó e ficou meio triste com isso. Ela não iria gostar. Melhor mudar. Na volta do pastel, encontrou com o casal inteiro. Se falaram. Tinha algo de triste nos dois. Como nela. De repente ela tava só projetando. Saíram no décimo andar. Ela ainda continuou. Décimo sexto. Via a cidade do alto. Dali dava até pra ver uma nesga do mar. Pleno Botafogo. Parando pra pensar, era exótico mesmo. Curtia morar ali. Na verdade, tinha morado ali perto a vida inteira. O casal tinha se mudado fazia pouco. Sem filhos. Eram lindos. Lindos de doer. E Mariana, sempre a careta, não sabia lidar com aquilo que sentia. Também, lidar com o que?

Decidiu parar com aquilo. Aquele mormaço de vida, sabe? Onde nada acontece? Nada andava fazia um tempo. Levantou e tomou uma atitude um tanto mulherzinha, mas foi só no que conseguiu pensar. Marcou hora no salão. Cortar e pintar o cabelo. Fazer as unhas. Sair dali sem olhar envergonhada pro espelho. Enfim. Foi lá e mudou tudo. Emendou com um bar com as amigas. Riu e bebeu e conversou até cansar. Voltou pra casa. E uma mão segurou a porta do elevador pra ela. A metade homem do casal mais lindo do mundo saindo com uma malinha nas mãos. Cumprimentou o rapaz, de olhos vermelhos. O álcool fez com que achasse normal perguntar se estava tudo bem. Com um sotaque que entregava que ele não era dali, veio a resposta. Um não, claro. Perguntou, já que o álcool tava dando forças, se ele tinha pra onde ir. Hotel, disse, ia catar um ali perto. Falou pra subir. Descansar a cabeça no sofá dela e amanhã falar de novo. Na verdade, mais do que atraída por ele, Mariana não estava se conformando com o casal mais lindo do mundo brigar.

O nome dele era Rodrigo. Nome comum. Eles eram do Recife. Ele tinha sido transferido. Já andavam complicadas as coisas antes de saírem de lá. Moravam em Casa Forte, perto de onde Mariana sempre ficava quando ia passar férias por lá, na casa de uma amiga. A mulher se chamava Laura. Eles não sabiam mais porque estavam juntos, na verdade. Se casaram assim que acabaram a faculdade. Aquelas histórias que se ouvem tantas vezes. Mariana também falou da vida dela. Abriu mais uma cerveja. O casamento com Pedro tinha sido um desastre do começo ao fim. Se casaram porque Mariana se descobriu grávida. E acharam lindo aquilo. Sofreu um aborto espontâneo no terceiro mês, como tanta gente. Tentaram provar pro mundo que o casamento não era a gravidez. Mas era.

Laura era linda, Mariana não conseguia enxergar aqueles defeitos todos que Rodrigo via nela. É só raiva do momento, disse pra ele. Ele riu. Passou a mão nos cabelos de Mariana. Desceu até a cintura. E treparam, claro. Como há muito Mariana não fazia. Um tesão absolutamente louco. Ela não conseguiu pensar que estava errada. Que nada. Só existia ela e Rodrigo. E o sofá. O chão. A cama. A pele castanha dele. Lisa. Quase sem pelos. Os olhos claros. Aqueles dreads. Os dedos dele apertando as ancas. Os peitos dela. As bocas se mordendo. O suor escorrendo pelo corpo inteiro. Até o sol nascer.

O telefone tocou. O dele. Laura, claro. Domingo, quem mais ia ligar a essa hora? Rodrigo atendeu, claro. E falou, suavemente. Mariana nem acreditou. Pra Laura subir.
Biscoitos

joana acordou com o cheiro. Cheiro de cookies de chocolate. Com nozes, por favor. Fazia anos que aquele cheiro não invadia a casa. Mentira. Fazia anos que ela não estava ali. Fugia sempre. Era incapaz de chegar e falar pra família que simplesmente não queria passar o natal com eles. Cada ano arranjava um trabalho, uma viagem, algo que impossibilitava a sua volta. Naquele ano, não arranjou nada. Não sabia se tinha sido sem querer. Ou se eram saudades simples. Mas tinha pego o avião. E tava ali. Com irmãos, mãe, primos... E com o cheiro. Sua mãe tinha essa mania. de acordar cedo, cozinhar pra um batalhão. Como se fosse resolver a fome da África com seus biscoitos. Ou toda a dor das pessoas queridas. O que viesse primeiro.

Engraçado que morava na mesma cidade. Mas era doloroso estar ali naqueles dias. Já tinha morado fora. E daí as desculpas eram simples. Falta de grana pra passagem. Acontece. Mas nos últimos anos tinha simplesmente saído. Passou dois na casa de um namorado. Se sentiu peixe fora d'água. Aquela pouca comida tinha incomodado tanto. Vontade de entrar ela na cozinha e fazer os mil pratos da família. Daí começou a achar que era hora de voltar pra casa. Percebeu que, mais do que a eterna preguiça de estar em família, estava com saudades de estar em família. E com a família dela. Tava passando da idade de voltar, na real.

Depois da morte do irmão, não conseguiu mais. Doía aquela mesa com um buraco. Aqueles presentes que ninguém queria abrir meia noite. O presépio montado meio sem paixão. O irmão amava natal. Dava prazer ajudar ele ali. Joana ainda não sabia lidar. Nunca soube lidar. Com essa falta enorme. De tudo. Na falta de saber lidar, a fuga. A fuga ano passado tinha sido espetacular. Talvez porque soubesse que era a última. Pegou o avião dia 24. Foi visitar uns amigos em Paris. Emendou com Madri. Londres. Lisboa. Verdadeira volta ao mundo. Torrou as economias. Trouxe presentes. E lá em Paris, na verdade, lembrou do bacalhau. E da mousse. E dos cookies. E do banquinho do lado da cama da avó. Sentiu saudade das asneiras do tio chato.

Então voltou pra casa depois da viagem. E aquele namoro que já ia mal das pernas (onde já se viu, dar tchau pro namorado dia 24, avisar que vai fazer isso dia 20, e só voltar mês e meio depois?) terminou mesmo. Era insuportável pra ela a família dele. O cheiro dele. Como caralhos tinha namorado alguém que cheirava tão mal? E lembrou que amava estar solteira. E foi pros shows com as amigas. E se pegou simplesmente conversando. Pés na areia. Até o sol raiar. Falando sobre o futuro. Que ainda podia vir. E percebeu que ainda tinha futuro. Talvez pela primeira vez em dez anos. E decidiu que tava tudo bem. E que não ia mais fugir.

Entrou no shopping num dia de dezembro. Sem perceber, foi direto pra loja predileta do irmão. Sentou num daqueles bancos de shopping e chorou. Chorou o que não tinha mais sido. E se percebeu frágil. E ligou pra mãe.

– Mãe, nem perguntei, tá faltando algo pra ceia?

3.11.13

lua de s. jorge


era um dia de s. jorge. não quer dizer nada. joana não é devota. não tem um santo pra chamar de seu. nem católico, nem orixá, nada. dia de s. jorge era só um dia pra acordar tarde e procurar um samba. acorda-se mais tarde até porque na véspera ninguém dorme com o foguetório. rio de janeiro e suas idiossincrasias. salve jorge. melhor não dar bobeira.

joana queria ir especificamente a uma festa hoje para encontrar joão. tinha conhecido ele um mês antes. excepcionalmente, não em um bar ou festa, mas em um seminário. situação formal. mas enfim, falando de culturas e relativismos e, e... papo chato, né? chato ou não, os dois se entenderam e ele falou que ia nessa festa. e claro, s. jorge ia ajudar a encontrar ele. porque deus ajudar nessas coisas, né por nada não, mas não tava funcionando bem.

então. roupa vermelha ou era exagero? sem ser devota, ficava constrangida. nunca tinha ido na festa. e bom. ainda se achava um tico tímida. cadê a amiga? claro, chamara uma amiga pra pelo menos fingir que tava tudo normal. que, enfim, ela não estava indo só pra isso. vai que s. jorge se chateava com ela? melhor não arriscar. mas a roupa ia vermelha. proteção nunca é demais.

mari finalmente chegou. caiu na gargalhada com o rapaz chamar joão. com o rapaz ter chamado atenção dela pelo discurso. claro. era joana. vai que dava certo? ao menos pelo dia de s. jorge, né? mas a festa precisava ser tão longe? tinha nenhuma mais pertinho, não? pelas amigas faz-se tudo, pensou. e saíram. uma de branco, uma de vermelho. rumo à tal festa. não. rumo a joão. ele que aguardasse.

Bom dia? (2)

Banho tomado, com Adriana ao seu lado, Tânia foi passar em casa. Não fazia ideia do que a esperava. Marcelo não atendera o telefone. Chegou em casa, um bilhete.

"Tânia,
Tá tudo errado. A gente tem se machucado muito. E acho que precisamos de um afastamento. Físico mesmo. Fui pra casa dos meus pais. Uma semana de licença no trabalho, falei com João, que nem perguntou pra que. Sexta-feira eu volto e a gente conversa. Não tenta ligar não, por favor. Acho que ontem esgotamos tanta coisa. Descansa. Seu celular tá em cima da cama. Ainda te amo.
Beijos,
Marcelo"

Bom, ao menos ela ainda tinha celular. E nem tava quebrado. Mas sabia. Que um tempo é coisa que não existe. E que aquilo ali era um pedido. De paz. Mas enfim. Chega. Sentou no chão. No meio da sala. Começou a chorar. Na verdade, nem sentia o chão. Não sentia o abraço de Adriana, segurando ela. Nem o calor daquele dia de verão no Rio de Janeiro. Nada.
Diante de tudo isso (ou nada disso, não sabia). Levantou, pegou um biquíni.

– Arpoador ou Leme? perguntou Adriana.

E foram.

1.11.13

Bom dia?

Quando acordou, Tânia não lembrava bem como tinha ido parar ali. Abriu os olhos, e sabia exatamente onde estava. Na casa de uns amigos. Mais exatamente na sala. Só não lembrava de ir prali antes de dormir.
Tinha saído com Marcelo. Japonês. Saquê. Foi o saquê. Deve ter discutido. Por que diabos ninguém acorda? Não tem um ser humano ali pra ajudar a refazer a memória? Bom. Levantar. Olhar pro lado com certo medo. Nada. ufa. Tava sozinha. Mas sem roupas. Olhou pro lado de novo – as roupas não estavam ali, mas uma toalha. Se enrolou e foi na área. Como tinha pensado, as roupas estavam no varal. Era oficial. A coisa tinha ficado feia.
Resolveu tentar relaxar e fazer o café. Adriana não ia achar ruim. Pôs a chaleira no fogo. Achou sua bolsa. Sem o celular.
– Tá melhor? Conseguiu dormir?
Era Adriana acordando. Não sabia como ou o que responder. Nem ressaca tinha. Só uma absoluta falta de memória do que tinha acontecido na véspera.
– Bom dia, flor. Tô, só não lembro de bissolutamente nada. Me ajuda aqui?
Adriana riu.
– Não posso ajudar muito. Você apareceu aqui. Chorando. Suja. Roupa arrumada. Parece que você brigou com o Marcelo no meio do restaurante. Quebrou o vidro do carro dele com o celular. Mas não sei se é verdade. Você chorava muito. Tava passando mal. Eu te dei um banho, lavei suas roupas. Vc apagou depois do banho. Na verdade, eu tava torcendo pra você me contar o que aconteceu hoje...

Píííííííííííí

– A chaleira – disse Tânia
Voltaram pra cozinha.
– Você deveria tentar achar o Marcelo. Cancelar o celular, que não sei se realmente quebrou.
Adriana sempre fora prática. Muito mais sensata do que ela. Era verdade. Mais do que falar. Era hora de parar de tentar com Marcelo.
– Você tá namorando com ele porque, amore?
– Não sei, Dri. Ou sei. Porque é ele, porque sou eu. Porque a gente já desistiu de se evitar. Mas parece que não tá funcionando. O que quer que seja.
– Isso percebi. Você tava transtornada. Relatava uma briga que, quero acreditar, é invenção sua, como tantas outras.
– Eu sei. Eu sei que o mundo na minha cabeça é diferente. Que eu amplio as coisas. Mas, no caso, eu realmente não sei. Marcelo pisou na bola. Me contou umas coisas que eu sei que são mentira. Brigamos mais cedo, e saímos para jantar meio que para fazer as pazes. Cheia de mágoa e saquê...
– Tânia, tem coisas que não entendo. Por que aqui em casa? Sua mãe tá viajando?
– Flor, do jantar em diante eu não lembro. Lembro que tomamos umas duas garrafas de saquê. Que falamos besteira. Futebol, notícias, ssascoisa. Mas perdi em algum momento qualquer lembrança. Preciso ligar pra ele. Tentar descobrir se ele lembra. E resolver isso. Mas não tenho coragem.
– Tá, fica aí, descansa. Vou com você na sua casa, pra você pegar umas roupas. Mesmo se vocês decidirem voltar, melhor dar um tempo. Pra abaixar a poeira.

....... (continua)